A água nas religiões

Tratar da água nas Religiões é como navegar num largo oceano. Há uma multidão de divindades, ritos e mitologias aquáticas, que se conectam entre si e se estendem

numa teia de analogias. As Religiões desenvolveram uma relação vital e simbólica com a água. Isto se mostra na tradição oral, nos textos sagrados, no culto, nas práticas terapêuticas e no código comportamental. Neste breve estudo apresento seis tópicos: águas matriciais, água e origem do cosmos, ritos de imersão, mitologias diluvianas, a relação água-lua-mulher e, enfim, o simbolismo do jardim e da água-da-vida. Temas significativos, tanto na ótica da fenomenologia religiosa, quanto na perspectiva de uma espiritualidade da Criação que nos inspire o “cuidado das águas”.

Para adentrar neste espaço sagrado com a devida sensibilidade, me permitam abrir estas linhas com uma experiência.

Da Mantiqueira à Cordilheira

Enquanto eu pesquisava algumas narrativas e redigia este texto, empreendi uma viagem marcada pela água. Tudo começou espontaneamente, com os compromissos agendados para janeiro de 2004. Somando as viagens, me desloquei da Serra da Mantiqueira (S. Paulo, Brasil) à Cordilheira dos Andes (Santiago, Chile)1. Foram vinte e seis dias transcorridos com visitas, celebrações, reuniões e a orientação de um retiro. Neste trajeto, a presença constante da água conquistou meu olhar e minha reflexão. De início, com timidez e simplicidade, entre litros de água bebidos, que mudavam surpreendentemente de sabor à medida que a viagem avançava. Depois, me descobri inserido num contexto em que a água se movimentava, às vezes abundante, às vezes rara, mas sempre necessária e vital.

Deixando São Paulo pela Via Dutra, pude ver densas nuvens cobrindo a Mantiqueira, serra-fronteira de muitas belezas. Eu, que tanto aprecio o deserto e seu simbolismo nas religiões abraâmicas, fui tomado de admiração por uma imagem hierofânica de outro tipo: as nuvens caíam sobre a serra, revestindo rochas e matas, concentrando-se em certos pontos de tal modo, que céu e terra se confundiam. O mais impressionante veio a seguir, quando naquele horizonte cinza e de aspecto profundo, começou a chover. Com um olhar largo, distante, mas atento, pode-se acompanhar a condensação de vapores num determinado espaço, formando cascatas no ar, cujas águas se precipitam cada vez mais potentes, como camadas de cortinas finas a se sobrepor. Eis a chuva! Algo tão corriqueiro e ao mesmo tempo tão impressionante. Não é de admirar que tantas religiões a consideram manifestação das bênçãos divinas. Nas áreas tropicais a chuva é tão comum, que quase esquecemos a complexidade do fenômeno, etapa importantíssima do ciclo hidrológico.

Confira o artigo na íntegra.

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