Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

Certa vez um homem cruzou com uma raposa. O animal tinha só três pernas e se arrastava com dificuldade. O homem ficou curioso para saber como ela podia sobreviver naquelas condições. De repente, viu chegar um leão com um pedaço de carne entre os dentes. O leão comeu um bocado e depois, satisfeito, deixou o resto. A raposa aproveitou para alimentar-se. O homem depois de ter assistido a tudo isso, concluiu: “de agora em diante vou agir como a raposa; a Providência com certeza vai ajudar a mim também”.

Com paciência dispôs-se a esperar para que aparecesse algum sinal da intervenção divina. No entanto estava ficando cada vez mais fraco. Não sabia se estava dormindo ou acordado, mas teve a impressão de ouvir uma voz que lhe dizia: “Não aja como a raposa aleijada! Seja como o leão que tem condição de procurar alimento para si e ainda deixa sobrar comida para os outros.”

Como nas outras vezes, a historinha nos ajuda a iniciar a nossa conversa. Acreditar e confiar na providência de Deus não significa ficar de braços cruzados aguardando alguma intervenção extraordinária. Ao contrário, significa reconhecer que o Pai providente nos dá todas as condições para encontrarmos o que é necessário para satisfazer as nossas necessidades básicas e as dos demais. De um lado, temos a natureza com a fartura e a variedade que a caracterizam; do outro, está a própria inteligência humana capaz de organizar-se para providenciar, por meio do trabalho e da criatividade, o que precisa para si e para os outros.

Sabemos que nem sempre tudo isso é fácil e alegre. Apesar das tecnologias, hoje, milhões de serem humanos ainda passam fome, outros estão ficando sem casa e sem pátria para morar. Contudo a ciência e as organizações internacionais nos garantem que o planeta Terra teria amplamente condição – ao menos por enquanto – de satisfazer a fome e a sede dos seus bilhões de habitantes.

Acreditamos que Deus não quer se substituir e nem disputar com a humanidade naquilo que ela pode e deveria fazer. Jesus não nos ensinou a trabalhar apenas, tampouco a não esperar acomodados por soluções mágicas. Fez muito mais. Ele nos mandou não fazer da busca da comida, da roupa, do luxo, dos bens materiais em geral, e da grandiosidade das aparências, as principais e talvez únicas preocupações da nossa vida. Ele nos propõe, em primeiro lugar, a busca do Reino de Deus e a sua justiça; o resto nos será dado por acréscimo. Precisamos entender bem o que significa tudo isso nos nossos dias, quando assistimos ao acumulo de bens materiais, e também das tecnologias, dos saberes e das informações, nas mãos de poucos; e ao desperdício reconhecível nas montanhas de lixo, na falta de água potável e no custo da energia elétrica.

Um cristão não deveria ser, por princípio, alguém que acumula. Todo enriquecimento pode ter uma função social. Deveria servir para fazer “amigos” e não “inimigos”! Nesse sentido, devemos falar em justiça. Podemos pensar em redistribuição de renda, ou de algo semelhante, em cada país e no mundo inteiro. Ideias, propostas e projetos não faltam, e o debate é tão interessante quanto a percepção da urgência de soluções para casos gritantes de fome, de miséria e de exclusão social. Em época de globalização, os governantes mundiais têm grandes responsabilidades, não apenas com os povos dos seus países, mas com as populações do mundo inteiro. Assistencialismos e paternalismos, inclusive internacionais, devem ser transformados em ações que resgatem a dignidade de pessoas e de continentes inteiros.

Sentindo compaixão do povo que estava com fome, Jesus multiplicou os pães e os peixes, no entanto ensinou também a buscar o alimento que não perece. Mais uma vez não devemos apenas ficar à espera de soluções e respostas dos “outros”, grandes ou pequenos. Tudo começa no nosso coração. Se a minha ambição e o meu bem estar me fazem esquecer o irmão necessitado, se a minha vantagem e a minha tranqüilidade me fazem fechar os olhos às dificuldades dos outros, é porque essas são, de fato, as minhas maiores preocupações. Afinal busco somente o que é bom para mim. É a prática do “cada um para si, Deus por todos”.

Novamente nos perguntamos: é Deus que deve providenciar o que não fazemos e não partilhamos, ou devemos criar sempre formas novas para trabalhar juntos na construção de um mundo de irmãos na paz e na solidariedade?

Se os leões comerem tudo, não vai sobrar nada para as raposas aleijadas.

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