Dom Luiz Antonio Lopes Ricci
Bispo Auxiliar de Niterói (RJ)
No penúltimo dia da Oitava da Páscoa, na Véspera do Domingo da Divina Misericórdia, propomos a leitura das Palavras de Jesus, pronunciadas após a Ressurreição, incluindo, é claro, o Evangelho deste Segundo Domingo do Tempo Pascal. Durante a semana finda, os Evangelhos narraram, na liturgia, as aparições de Jesus Ressuscitado. Neste texto, procuramos recolher da Bíblia – Tradução Oficial da CNBB, apenas as falas de Jesus contidas nos quatro evangelistas.
Achamos por bem propor a releitura, com um breve e humilde comentário pessoal. Se valorizamos, na Semana Santa, as “Últimas Palavras de Jesus”, por que não recordar também, com alegria e gratidão, as primeiras palavras após a Ressurreição? Esta é a nossa proposta!
Contamos, neste tempo “livre” de quarentena, 33 falas de Jesus Ressuscitado, algumas com apenas uma palavra e outras mais longas. Número bastante significativo que, segundo a tradição, expressa a idade de Cristo quando morreu e ressuscitou. Por não sermos especialista em Sagrada Escritura e Exegese Bíblica, propomos apenas uma reflexão livre, que objetiva a vivência intensa e profunda desse valioso Tempo Pascal, bem como o amadurecimento e nutrimento da Fé no Ressuscitado. Já existe, em alguns locais, a prática devocional da “Via Lucis” (Caminho da Luz, cujas estações são indicadas no final deste artigo), que complementa a “Via Crucis” (Via Sacra – Caminho da Cruz).
Vamos aos textos de Cristo, indicados em negrito e entre aspas. Abaixo deles uma simples e humilde reflexão. Seria interessante fazer a leitura orante dos textos bíblicos, aos poucos, aplicando-os à realidade pessoal, familiar, social e mundial. Feliz e profícuo Tempo Pascal!
Mateus 28
“Alegrai-vos!”
O primeiro imperativo de Jesus após a ressurreição. Não perder a alegria e a esperança jamais! Ele vive!
“Não tenhais medo; ide anunciar a meus irmãos que se dirijam à Galileia. Lá me verão”.
A segunda palavra é de encorajamento e continuidade. É necessário voltar às origens do chamamento para ser, verdadeiramente, discípulo e missionário de Jesus. Recordar a bondade e a presença de Deus em nossa história e encontrar Nele a força para seguir em frente.
“Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”.
Anunciar o Evangelho, para que todos e todas se tornem discípulos de Jesus, isto é, praticar os ensinamentos e mandamentos do Mestre Vivo entre nós, até o fim. Quando Ele nos dá uma missão, dá também os meios para bem realizá-la. Ele está no meio de nós! Sempre! Todo dia e em todas as situações: dor, preocupação, alegria, saúde, doença, vida e morte.
Marcos 16
“Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer, será condenado. Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os enfermos, estes ficarão curados”.
No Evangelho de Marcos, a primeira Palavra é um chamamento à fé em Cristo Ressuscitado, e continuidade da missão por meio do testemunho de vida e sinais, pequenos e grandes que o Senhor nos oferece em nosso cotidiano. Estamos no mundo para vencer o mal com o bem.
Lucas 24
“O que andais conversando pelo caminho?”
“Que foi?”
As primeiras Palavras no Evangelho de Lucas são duas perguntas. Jesus é o Mestre da Escuta atenta, da vida e das lamentações de seus filhos e filhas. Ele quer e gosta de nos escutar. Aqui temos Jesus que escuta, enquanto caminha com os discípulos. Que alegria saber que Jesus nos escuta e caminha conosco, ao mesmo tempo. Que belo momento de oração. Eis um modelo de oração: falar com o Mestre a partir da vida e dos sentimentos experimentados, sejam alegres ou tristes.
“Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso, para entrar em sua glória?”
Após a escuta, vem o Anúncio da Palavra e o chamado à fé. Sem contar uma advertência, por não utilizar a inteligência e a fé nas Escrituras, para entender tudo o que havia acontecido. Aqui encontramos a necessária relação entre inteligência e fé, razão e fé, ciência e fé. Atenção: ligação (e) e não separação (ou). Cabe, sobretudo no cenário atual, recordar o ensinamento da Igreja dado por São João Paulo II: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas, pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.
“A paz esteja convosco!”
O Menino Jesus que foi acolhido na noite de Natal, como Salvador e Príncipe da Paz, agora nos oferece a verdadeira e duradoura paz, fruto imediato de sua Paixão, Morte e Ressurreição.
“Por que estais perturbados e por que essas dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne, nem ossos, como podeis ver que eu tenho”.
Quantas perturbações e preocupações em nossos corações, aquelas do dia a dia, somadas agora à essa da pandemia. Quantas dúvidas e incertezas carregamos! A fé e a certeza da Ressurreição não eliminam as preocupações inerentes à condição humana, mas oferecem um modo diferente de lidar com elas, com serenidade e esperança.
O Ressuscitado é o Crucificado. Mesmo num Corpo Glorioso, Jesus continua carregando as marcas do mal sofrido e vencido na Cruz.
“Tendes aqui alguma coisa para comer?”
Quantas vezes nos sentimos vazios, quase sem nada a oferecer. Pensemos nos bilhões de seres humanos que não têm o mínimo necessário para uma vida digna, vivem na pobreza e expostos a doenças e mortes evitáveis. O que temos a oferecer a Jesus, na pessoa dos irmãos e irmãs?
“São estas as coisas que eu vos falei quando ainda estava convosco: era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
Deus é fiel! Realizou em Cristo o que fora anunciado no Antigo Testamento. Jesus é a realização das promessas do Pai.
“Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dentre os mortos ao terceiro dia, e em seu nome será proclamado o arrependimento, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”.
Jesus, no Domingo de Páscoa, após tanto sofrimento, nos oferece a misericórdia e o perdão. Arrependimento e conversão são atitudes cristãs. Precisamos ser testemunhas e exemplos de misericórdia. Para tanto, somos revestidos pelo Espírito Santo, prometido e enviado pelo Pai e Filho. Eis a força do alto que deve estar unida ao nosso esforço e desejo de ser melhor e de querer o que Deus quer.
João 20-21
“Mulher por que choras? A quem procuras?”
No evangelho de João, temos também duas perguntas, como primeira fala do Ressuscitado. Jesus pergunta nos pergunta: por que choramos? O que estamos procurando? São duas perguntas interligadas. O choro é o resultado da falta, da ausência do buscado. Jesus também chorou a morte de seu amigo Lázaro. Chorar é humano. Choramos por nós, pelos nossos e pelos outros. Como afirma o Papa Francisco: “Saber chorar com os outros, isso é santidade!”
“Maria!”
Jesus a chamou pelo nome, do modo como só Ele sabia fazer. É a ovelha que conhece a voz do Pastor Amado e o Pastor que conhece a ovelha profundamente. Assim é Jesus, na relação com cada um de nós. Porém, sabemos identificar a voz do Mestre? Quais vozes escutamos e seguimos? Da Palavra de Deus ou das mensagens carregadas de ódio e mentira?
“Não me segures! Eu ainda não subi para junto do Pai, mas vai dizer aos meus irmãos que eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.
Como é difícil “soltar” quem amamos. Deixar partir é um ato de amor. Jesus, após realizar a Salvação da humanidade, volta para o Pai, de onde saiu e sempre esteve. Nós estamos peregrinando para a Casa do Pai… enquanto a “nossa hora” não chega, seguimos tocando em frente, no olhar da fé, fazendo o bem e evitando o mal. Não dá para ficar neste mundo para sempre… um dia partiremos. Como é difícil nos “soltar” dos apegos da vida e do mundo e deixar partir quem amamos! É apenas diante da morte certa, que podemos fazer uma entrega total e incondicional de nós mesmos e dos outros, a Deus. Amar é deixar partir… amar é partir… amar é o desejo de voltar… amar é abraçar… amar é ir ao encontro de Jesus Cristo, nosso Primeiro Amor. Amar é continuar amando, mesmo quando não é possível tocar, segurar e abraçar… Amar é ser Madalena… deixar partir e seguir amando. Deixemo-nos conduzir pelo amor: “O amor que move o sol e as outras estrelas” (Dante Alighieri).
“A paz esteja convosco!”
Por três vezes, no Evangelho do Segundo Domingo da Páscoa, Jesus diz: a Paz esteja convosco! Após sofrer uma morte violenta e injusta, após experimentar o abandono dos Apóstolos e de morrer praticamente sozinho na Cruz, Jesus demonstra misericórdia e sua primeira palavra é de paz e não de censura, embora tivesse todos os motivos para fazê-la. Jesus inicia o diálogo dando a paz. Quantas vezes iniciamos um diálogo com bronca, crítica e violência verbal. Precisamos aprender com o Mestre! A paz restaura e reconcilia as pessoas com Deus, consigo mesmo e com os outros.
“A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, eu também vos envio”.
Jesus nos envia para sermos instrumentos de paz: “onde houver ódio que eu leve o amor…” Se antes era a língua e a fofoca que destruíam os outros, hoje, do mesmo modo, porém de forma mais rápida e compulsiva, destruímos por meio da calúnia, difamação, mentiras e comunicação digital violenta. Urge controlar a língua e os dedos.
“Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos”.
O Espírito Santo foi derramado sobre nós. Somos habitação do Espírito Santo. Por isso, precisamos viver segundo o Espírito e não segundo os nossos interesses e vontades. Revestidos da Força do Alto, somos capacitados para viver os ensinamentos de Cristo, especialmente a fidelidade a Ele, a misericórdia e a justiça. Precisamos acreditar que é possível vencer o mal com o bem, o ódio com o amor.
O Ressuscitado nos oferece o Perdão, a Misericórdia e o Sacramento da Penitência. Efeito imediato da Páscoa é a Reconciliação com Deus. Assumir que somos todos pecadores e necessitados da Divina Misericórdia é um ato de humildade, sem a qual, não há conversão.
“A paz esteja convosco!”
Mesmo depois da incredulidade de Tomé, Jesus volta e inicia novamente o diálogo com os votos de paz. Como Jesus é paciente e misericordioso! Como é difícil para nós imitar Jesus! Tende misericórdia de nós Senhor!
“Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão, coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”.
Tocar o Mestre! Que bela cena! Tomé e Maria Madalena tiveram esse privilégio. Ele para crer e amar e ela por crer e amar profundamente. Se não podemos tocar a carne humana e divina de Cristo, podemos sim, já e após a pandemia, seguir tocando as feridas dos pobres e necessitados, para curar, por meio da compaixão, solidariedade, partilha e inúmeras iniciativas de ajuda, promoção e defesa da vida. Ver Jesus ferido no próximo: crer para ver! “A mim o fizestes”.
“Porque me viste, creste! Felizes os que não viram e creram!”
Não se trata de ver para crer, mas de crer para ver a presença de Deus em nossa vida e história, seja qual for a situação. Felizes somos nós que cremos e vemos, sem ter visto. Eis uma bem-aventurança tão atual para o nosso difícil momento. Perseverar até o fim: “combater o bom combate, terminar a corrida e guardar a fé”.
“Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?”
Que alegria ser chamado por Jesus de maneira tão carinhosa, mesmo sem ter nada a oferecer, com as mãos vazias… Sem o Ressuscitado nos esvaziamos!
“Lançai a rede à direita do barco, e achareis”.
Vale a pena acreditar, perseverar e insistir, mesmo após uma fracassada noite de pescaria. Só quem lança poderá achar… quem semeia colhe…
“Trazei alguns dos peixes que agora apanhastes”.
Agora sim, temos muito a oferecer, após a confiança na Palavra do Mestre e abundante pesca. O que temos a oferecer a Jesus e aos irmãos? Não podemos nos esquecer da partilha e solidariedade concreta com os mais necessitados, pobres e vulnerados.
“Vinde e comei”.
Que alegria fazer a refeição com Jesus! Que saudade de estar ao redor do Altar e participar da Eucaristia! Enquanto não é possível retornar, temos a certeza de que Ele está no meio de nós, faz refeição conosco e segue nos ensinando, com Sua Palavra aplicada à realidade que estamos enfrentando.
“Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”
“Apascenta meus cordeiros”.
Amar a Cristo, como Primeiro Amor, é condição essencial para “ver, ter compaixão e cuidar” dos nossos e do próximo. Amar é cuidar!
“Simão, filho de João, tu me amas?”
“Pastoreia minhas ovelhas”.
Amar a Cristo é condição essencial para orientar, educar, guiar e conduzir os nossos e os irmãos e irmãs para a fé e vivência dos valores cristãos. Amar é educar na fé!
“Simão, filho de João, tu me amas?”
“Apascenta minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu mesmo te cingias e andava por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás os braços, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”.
Sem Cristo nada podemos fazer! Sem Ele nosso amor não será verdadeiro e duradouro.
O amor ao Ressuscitado faz com que deixemos de lado as nossas vontades e busquemos querer o que Ele quer de nós. Confiança total Nele. Viver por Ele, para viver pelos nossos e pelos outros!
“Segue-me!”
Que doce e difícil imperativo. Seguir o Mestre que não decepciona, para poder seguir em frente, até o fim. Quantas vezes seguimos pessoas e ideias não cristãs, que nos desumanizam! Cristão é o seguidor de Cristo. Não é possível se dizer cristão e assumir ideias e atitudes contrárias ao Evangelho. É o seguimento de Jesus que nos ajuda a discernir o que é bom, útil e agradável a Ele. A quem seguimos?
“Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Tu, porém, segue-me.”
Nossa vida está segura nas mãos de Deus. Não sabemos quando será a “nossa hora”. O importante é segui-Lo, com fé, esperança e amor.
Somos enviados! O Espírito Santo nos conduz! A Missão de Jesus continua por meio da Igreja e de cada um de nós. Sejamos testemunhas de Cristo, vivendo como cristãos e de modo diferente, sendo sal e luz no mundo. Em frente… Coragem! “Pela sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro!”
Podemos concluir indicando Sete (7) Palavras pascais de Jesus, que podemos repetir interiormente e com frequência:
Alegrai-vos!
A Paz esteja convosco!
Não tenhais medo!
Mulher por que choras? A quem procuras?
Maria! (coloque aqui o seu nome” – coragem! – Ele te chama!)
Felizes os que não viram e creram!
Segue-me!
Como nos ensina Pedro: “lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, pois Ele cuida de vós” (1 Pd 5,7).
Com gratidão, orações e bênção,
Apêndice: Via Lucis
I Estação: Ressurreição de Jesus
II Estação: Sepulcro vazio
III Estação: Maria Madalena encontra o Ressuscitado
IV Estação: Jesus caminha com os discípulos de Emaús
V Estação: Jesus parte o pão com os discípulos de Emaús
VI Estação: Jesus encontra os Apóstolos no Cenáculo
VII Estação: Reconciliação, Jesus concede aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados
VIII Estação: Jesus encontra-se com Tomé
IX Estação: A pesca milagrosa
X Estação: Jesus confia a Pedro sua missão
XI Estação: Jesus envia os Apóstolos em missão
XII Estação: A Ascensão de Jesus aos céus
XIII Estação: A espera do Espírito
XIV Estação: A vinda do Espírito Santo