Dom Genival Saraiva

Bispo de Palmares

Escrevendo aos tessalonicenses, escreve São Paulo: “Diante de Deus, nosso Pai, recordamos sem cessar a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo.” (1Ts 1,3) A fé dos tessalonicenses “propagou-se por toda a parte.” (1Ts 3,8) Essa fé “tem um caráter eminentemente ativo e eficiente, vital”. Na verdade, a fé cristã é ativa, enquanto suscita nas pessoas uma autêntica comunhão com Deus e as move, solidariamente, na relação com seus semelhantes, independentemente de sua condição religiosa.

Os primeiros cristãos, conforme a narração dos Atos dos Apóstolos, além da fé em Cristo, revelada em sua participação na oração, na escuta do ensinamento dos apóstolos, na fração do pão, “tinham tudo em comum, dividiam seus bens com alegria”, repartiam o pão, serviam os mais necessitados, (cf At 2,42-47; 4,32-37. São Tiago ensina que a fé é ativa, por natureza; por isso, deve traduzir-se em obras. Seu ensinamento é enfático: “Assim como o corpo sem o espírito é morto, assim também a fé, sem as obras, é morta.” (Tg 2,26) Na exegese dessa palavra de Tiago, a tradução da Bíblia, Edição da CNBB, explica: “As ações são a vida de nossa fé; sem elas, a fé é um cadáver.”Sem essa face da visibilidade do serviço ao próximo, do respeito à sua dignidade, da prática da justiça, a fé cristã assume um caráter intimista e subjetivista, sentindo-se realizada a pessoa, por estar em comunhão com Deus, naquela forma que lhe parece a mais pura, por lhe dar gratificação espiritual. É uma fé que lhe basta.

A fé é sempre definida como uma adesão a Deus, que se fundamenta na sua palavra e nas suas obras; é uma adesão incondicional a Deus, não prevalecendo, portanto, os critérios da razão e da lógica humanas. É muita antiga a discussão entre fé e razão, em meios acadêmicos e na literatura; nos meios eclesiásticos, além de pertinente, a discussão é alimentada e estimulada. O magistério da Igreja, notadamente, tem enfatizado a importância dessa discussão, dando a sua contribuição como palavra orientadora, em muitos de seus documentos; desse assunto, interessaram-se filósofos e teólogos de todos os tempos. “Uma das sistematizações mais consistentes da relação entre fé e razão encontra-se na grandiosa obra de Santo Tomás de Aquino. O Aquinate viu bem que, sendo Deus, ao mesmo tempo, o criador da ordem racional e o autor da fé, não poderia haver contradição de iure entre ambas, preservadas as devidas distinções.” Embora não sendo objeto de definição doutrinária, o magistério ordinário de João Paulo II e Bento XVI contêm iluminações para a exata compreensão do campo próprio da fé e da razão e das suas relações. João Paulo II inicia sua Encíclica “Fides et Ratio”, afirmando: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.” Por sua vez, Bento XVI tem insistido muito nesse assunto, ao defrontar-se com o mundo da pós-modernidade que se distancia de valores humanos e espirituais que civilizações vivenciaram e incorporaram ao seu “modus vivendi” e ao “modus credendi”. Esse assunto, muito presente em encontros com pessoas do mundo da ciência e da tecnologia, também tem sido abordado por ele em sua catequese pastoral: “Sua fé se traduz em obras ou não?”

“Tiago e Paulo estão de acordo sobre a necessidade das ‘obras’, entendidas como ‘atividades que se baseiam na fé’, de modo particular a caridade para com os necessitados.” Em sua segunda Carta aos tessalonicenses, São Paulo pede a Deus que “torne ativa a vossa fé.” (2Ts 1,11) O magistério da Igreja orienta o cristão para que a atuação da sua fé tenha esse mesmo perfil.

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