Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)

As desigualdades sociais têm um registro histórico na vida de pessoas, grupos e nações e vêm de longe. Em razão de muitas causas, constituem “lugar comum” na convivência humana e, assim, seriam aceitas, desde que situadas em patamares condizentes com a dignidade humana. “Em tese, sempre haverá desigualdade social, pois é impossível que cada um tenha exatamente as mesmas quantidades de bens materiais.” No entanto, a leitura dessa realidade somente será feita, com exatidão, na medida em que considerar a “relação de causa e efeito” nas coisas que acontecem na convivência humana. As desigualdades sociais, via de regra, resultam de injustiças que estão enraizadas nas relações entre pessoas, famílias e estruturas da sociedade, produzindo disparidades gritantes na convivência e no comportamento coletivo. São conhecidas as causas que geram distância social, que produzem disparidades sociais, entre as quais estão a má distribuição de renda, o desemprego, a falta de investimentos públicos em áreas importantes, como educação, saúde, saneamento básico. Os efeitos desse estado de coisas na vida do povo são visíveis aos olhos do cientista social e do cidadão comum porque, afinal, cada um os percebe no dia a dia – pobreza extrema, miséria, desnutrição, mortalidade infantil, analfabetismo, entre muitas anomalias sociais. Tudo isso é agravado pelas nefastas consequências da corrupção que está institucionalizada no Brasil e em muitos países. A desigualdade que extrapola patamares socialmente aceitáveis é muito chocante porque coloca no mesmo cenário pessoas em situações de abundância e de indigência. Na verdade, essa disparidade extrema também está retratada no perfil de países do “primeiro mundo” e do continente africano. Em qualquer caso, trata-se de uma situação questionadora, interpelante: “Não há maior insulto à indigência dos pobres do que o luxo desenfreado e vergonhoso dos ricos.” A afirmação fala por si.

Ao ser assinada a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), no encerramento do Concílio Vaticano II, os Bispos escreveram a respeito dos “desequilíbrios no mundo moderno: ‘Uma evolução tão rápida das coisas, progredindo muitas vezes de forma desordenada, e até a consciência mais aguda das desigualdades existentes no mundo, geram ou aumentam as contradições e os desequilíbrios. […] Originam-se grandes tensões entre as raças e até entre os diversos grupos sociais; entre as nações ricas e menos prósperas e pobres; e, por fim, entre instituições internacionais, nascidas do desejo de paz dos povos e a ambição de propagar a própria ideologia ou os egoísmos coletivos existentes nas nações e em outros grupos. […] Assim sendo, o mundo moderno apresenta-se ao mesmo tempo poderoso e débil, capaz de realizar o ótimo e o péssimo, enquanto diante dele se abre o caminho da liberdade ou da escravidão, do progresso ou do regresso, da fraternidade ou do ódio.”

Os conflitos em andamento em vários países, em regiões geograficamente distantes, têm como pano de fundo a questão da sobrevivência pessoal e coletiva, a conquista da liberdade. O que acontece na Espanha (Catalunia), Venezuela, Equador, Chile, Líbano, Hong Kong é uma demonstração do acerto da palavra dos Padres Conciliares, em 1965. O problema vivido pelo povo tem perfil comum ou próprio, de conformidade com a realidade local. Essa situação de conflito decorre da ausência ou restrição de políticas públicas que priorizem as necessidades coletivas, provoca migrações forçadas por motivos ideológicos ou porque, basicamente, se trata de “luta pela sobrevivência”.

A justiça social é o caminho que humaniza a face das desigualdades, que leva à superação das disparidades sociais.

 

 

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