Acabo de ler a notícia de que no Rio Grande do Sul acaba de nascer um bebê, filho de uma menina de 11 anos, violentada pelo padrasto. O horror diante da violência sexual do padrasto contamina o olhar de muitos que acabam por transferir esse horror para o concepto. Entretanto dificilmente alguém proporia a eliminação de um recém-nascido como forma de condenar o ato perverso do agressor. A razão é simples: tem-se diante dos olhos um ser humano frágil e absolutamente inocente.

olhar, obscurecido pelo horror do estupro, se ilumina de ternura diante da frágil beleza de uma vida humana que veio à luz. Que crime horroroso cometeria quem ousasse sacrificar tal vida! Seria considerado um “monstro” e provavelmente correria o risco de ser linchado em praça pública. Pois bem, prezado leitor, reflita comigo: aquela vida era menos humana, menos carente de ternura e de proteção, dois, três, seis, oito meses antes? Os abortistas se aproveitam do horror que é o estupro de um padrasto ou pai, para transformar a Igreja Católica em vilã, quando, de fato, ela é testemunha da ternura de Deus pelos inocentes.

Foi nestes dias orquestrada uma campanha publicitária para desmoralizar a Igreja e, consequentemente, enfraquecer a resistência do povo às reiteradas tentativas de tornar o aborto uma questão de saúde pública. É lamentável que nosso Presidente tenha se tornado propagandista de tal proposta. Aproveitaram também para retomar a questão da pesquisa com células-tronco embrionárias e passar para os incautos a idéia de que a Igreja, além de conservadora, se opõe ao avanço da ciência por preconceito religioso. Repito o que afirmei em outra ocasião: “Podem criticar a Igreja com os adjetivos que quiserem, mas reconheçam que sua posição é defesa da sacralidade da vida que não pode ser manipulada sob o pretexto de dar felicidade a quem quer que seja”. A este propósito peço ao leitor que me acompanhe em mais um esforço de reflexão. A campanha publicitária, realizada também no Brasil para aprovação pelo STF da pesquisa com células-tronco embrionárias, valeu-se da presença e da apresentação na Mídia sobretudo de vítimas de traumatismo da coluna, que seriam beneficiadas por essas pesquisas. Não discuto o possível sucesso dessas pesquisas. Mas coloco a questão ética que assim deve ser formulada. É eticamente justificável manipular embriões humanos para essa finalidade.

A finalidade boa justifica a manipulação? O embrião humano merece tratamento diferenciado em relação a embriões de ovelhas, por exemplo? Por ser vida humana em desenvolvimento – ainda que bloqueado em estado de crio-conservação – não se pode justificar nunca a destruição de um embrião humano. O tradicional e consolidado princípio ético deve ser aqui aplicado com rigor: o fim bom não justiça os meios eticamente reprováveis. O argumento dos que foram favoráveis ao uso de embriões humanos para fins de pesquisa é que esta seria uma maneira digna de aproveitar os milhares de embriões guardados em laboratórios e que nunca serão implantados. A verdade ética é que não deveria haver embriões produzidos “in vitro” e muito menos congelados.  Mas, atenção leitor, se os fins justificam os meios – o fim é a possível cura de muitas doenças – não vejo por que não produzir embriões especificamente para essas pesquisas. E mais ainda: por que não legalizar a produção de embriões clonados? O mesmo raciocínio vale para o aborto. Se é possível o aborto nesse ou naquele caso, por que não sempre que a mulher grávida o desejar? É absolutamente ilógica a legislação portuguesa que permitiu a interrupção da vida do ser humano em formação apenas até o quarto mês de gestação. Por que não até o quinto, até o sexto, até o sétimo, até oitavo, até o nono, até o décimo?  Os inimigos da Igreja não são leais. Poderiam ao menos reconhecer que nossa posição é séria, racionalmente defensável, e radical na defesa da vida. Tão radical que prevê no seu Código de Direito a pena de exclusão da vida eclesial para aqueles que, com conhecimento de causa,  praticam o aborto. Assim: “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”(c.1398). “Latae sententiae” significa que o simples fato de praticar o delito coloca a pessoas ou pessoas em estado de exclusão da vida sacramental e de outros direitos.

O Direito da Igreja, entretanto, dispõe que “não é passível de nenhuma pena, ao violar a lei ou o preceito: 1. quem ainda não completou dezesseis anos de idade; 2. quem, sem culpa, ignorava estar violando a lei ou um preceito; a inadvertência e o erro equiparam-se à ignorância”(c. 1323). Nem sempre, portanto, será a gestante a incorrer na excomunhão. Ela é, não raro, mais vítima do que autora. O médico católico e todos os católicos que diretamente concorrem para a prática do aborto, conscientes do que estão fazendo, incorrem em excomunhão e devem procurar a confissão para obterem de Deus o perdão do pecado e da Igreja a cessação da excomunhão. As duas crianças gêmeas, recentemente abortadas, nos aguardam no mistério de Deus. Haverão de nos perguntar um dia: “por que vocês não nos deixaram viver”?

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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