Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

 

Depois das festas natalinas, iniciamos o Tempo Comum, em que revivemos os principais Mistérios da Salvação. A primeira semana deste tempo nos foi apresentado Jesus como Messias e Salvador que veio para tirar os pecados do mundo e começa seu ministério nos lugares mais paganizados anunciando o tempo de conversão e chamando seus primeiros discípulos. O Evangelho do segundo domingo deste tempo (Cf. Jo 2, 1-11) narra as Bodas de Caná. O motivo da escolha deste texto é explicado na frase conclusiva: Jesus, em Caná da Galiléia, deu início aos sinais e manifestou sua glória e seus discípulos creram nele (Cf. Jo 2, 11).

Acontece em todo casamento aquilo que aconteceu nas Bodas de Caná; começa no entusiasmo e na alegria; o vinho é o símbolo, precisamente, desta alegria e do amor recíproco que lhe é a causa. Mas este amor e esta alegria – como o vinho de Caná – com o passar dos dias e dos anos, consome-se e começa a faltar; todo sentimento humano, exatamente porque humano, é recessivo, tende a consumir-se e a se exaurir; então desaba sobre a família uma nuvem de tristeza e desgosto; aos convidados para as bodas que são os filhos, não se tem mais nada a oferecer, a não ser o próprio cansaço, a própria frieza recíproca e muitas vezes a própria amarga desilusão. Talhas cheias de água. O fogo para o qual tinham vindo para se aquecer vai se apagando e todos procuram outros fogos fora dos muros da casa para aquecer o coração com um pouco de afeto.

Porém, muito além da vida matrimonial, este sinal que Jesus opera vai muito além: tem o simbolismo da novidade do anúncio do Evangelho diante de um tempo de cansaço, como também, diante das situações que as pessoas vivem desiludidas de tantas dificuldades.

Merecem ser destacadas as palavras de Maria: “Eles não tem mais vinho”; “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 3.5). Em ocasião de festas, era costume que as mulheres amigas da família se encarregassem de preparar tudo. A Virgem Maria, que presta a sua ajuda, percebe o que passa. Mas Jesus, seu Filho e seu Deus, está ali; acaba de iniciar-se o seu ministério público. E ela sabe melhor que ninguém que o seu Filho é o Messias. E dá-se então um diálogo cheio de ternura e simplicidade entre a Mãe e o Filho, que o Evangelho nos relata: “A Mãe de Jesus disse-lhe: Não têm vinho”. Pede sem pedir, expondo uma necessidade. E desse modo nos ensina a pedir.

Jesus respondeu: “Mulher, que nos importa isso a mim e a ti? Ainda não chegou a minha hora. A Virgem, que conhece bem o coração do seu Filho, comporta-se como se tivesse sido atendida e pede aos servos: fazei o que Ele vos disser”.

Maria é uma Mãe atentíssima a todas as nossas necessidades, de uma solicitude que mãe alguma sobre a terra jamais teve ou terá. O milagre acontecerá com a intercessão dela. Maria está sempre atenta às nossas necessidades espirituais e materiais; deseja até, mais do que nós próprios, que não cessemos de implorar a sua intervenção diante de Deus em nosso favor. E nós somos tão desconfiados e pouco pacientes quanto o que lhe pedimos pois parece que tarda em chegar!

“Em Caná, ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda junto de seu Filho pelos consternados esposos. Mas o coração de Maria, que não pode deixar de ser compadecer dos infelizes, impele-a a assumir, por iniciativa própria, o ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre. Se a Senhora procedeu assim sem que lhe tivessem dito nada, que Teria feito se lhe tivessem pedido que interviesse?” (Sto. Afonso Maria de Ligório). Que não fará quando – tantas vezes ao longo do dia! – lhe dizem “rogai por nós”? Que não iremos conseguir se recorremos a Ela?

Portanto, o Evangelho deste segundo domingo do tempo comum, narra uma festa de casamento e não informa nada sobre o nome dos noivos. É de caso pensado! O Evangelista tomou um fato histórico e deu-lhe um sentido espiritual e teológico: o verdadeiro noivo é o Cristo, Deus em pessoa que vêm desposar sua esposa, o povo de Israel e, mais precisamente, o novo Israel, a Igreja, representada pela Mulher – a Virgem Maria! Tudo, na perícope do Evangelho, fala disso: porque o Messias-Esposo chegou, a água da Antiga Aliança (água da purificação segundo os ritos judaicos da Lei de Moisés) é transformada no vinho da Nova Aliança (o vinho, símbolo da alegria e da exultação do Espírito Santo, que é fruto da morte e ressurreição do Senhor). É esta a glória que Jesus manifestou, é este o sinal! “Sinal” não é um simples milagre; “sinal” é um gesto do Senhor Jesus, carregado de sentido profundo, que revela sua pessoa, sua missão e sua obra de salvação.

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