Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

A vida de um povo depende muito da maneira como seus representantes e dirigentes governam, mas determinante é a força da participação cidadã nos rumos de seu país. Pode-se dizer que os sucessos de uma administração, ou o seu oposto, os “desgovernos”, são também de responsabilidade de todos os cidadãos. Afinal, cada pessoa é responsável por acompanhar, fiscalizar e contribuir com as ações de seus representantes. Essa participação do povo é processo complexo, pois exige investimentos educativos e culturais, para que as atitudes cidadãs sejam pertinentes e capazes de incidir nos processos de gestão. Uma qualificada participação popular não pode ser confundida com as configurações ideológico-partidárias que, não raramente, limitam-se à proliferação confusa de siglas, de conceitos equivocados sobre a realidade, com atitudes que beneficiam pequenos grupos, alimentando esquemas de corrupção que tanto prejudicam o bem comum.

A qualificada participação popular relaciona-se à profunda compreensão dos próprios direitos e deveres. Alicerça-se no reconhecimento da dignidade de todos. É incontestável a força que está no povo, capaz de promover grandes transformações, principalmente quando investimentos educativos enriquecem o tecido cultural de uma população. A cultura pode permitir ao povo estabelecer dinâmicas marcadas pela solidariedade, respeito mútuo e por um fecundo sentido de objetividade. Consequentemente, reconhece-se o valor da vida e são reduzidos os índices de violência, por exemplo. Eis, pois, uma verdade: são necessários investimentos em processos educacionais para uma eficaz participação popular. E diante dessa verdade, causa particular preocupação o comprometido estado da educação na sociedade brasileira.

Além do espantoso número de jovens que não têm a oportunidade de ingressarem nos processos da educação formal, é alarmante a quantidade dos que já abandonaram as salas de aula. Percebe-se que o mundo da educação é um dos que mais são impactados pelos “desgovernos”, com pessoas despreparadas ocupando cargos de gestão. Mesmo diante de graves erros, insistem nos equívocos, preocupando-se apenas com a manutenção do próprio cargo. A incompetência aliada à falta de capacidade para uma autocrítica produz passivos. Corroem não apenas os funcionamentos institucionais, mas também causam um vício – a “síndrome da desconexão.” O sintoma é a incapacidade para enxergar os males que certos processos causam na vida de organizações e indivíduos.

 A cura para esse mal não é simples, demanda muito tempo. Por isso, instituições, não raramente, contam, em seus quadros, com profissionais de sólida formação conceitual e acadêmica, mas incapazes de exercerem bem as suas atribuições. Desconectados da realidade, permanecem presos ao egoísmo, atuam de modo descompromissado com o bem comum. Por isso, as metas não são alcançadas e as soluções para os problemas nunca são encontradas. No lugar da inventividade e da inovação, contentam-se com a própria mediocridade.

Assim os “desgovernos” são consolidados. A sociedade torna-se mais complacente com os medianos, e até se assusta quando surge alguém capaz de propor algo novo. A incompetência que se generaliza faz com que muitos passem a tratá-la como algo natural. E as terríveis consequências manifestam-se em diferentes âmbitos, a exemplo do campo político. O exercício da política, que deveria ser entendido como ação solidária, passa a ser percebido com desconfiança e rejeição.  As pessoas se distanciam da tarefa de escolher bem seus candidatos, postura que é fruto dos “desgovernos” e, ao mesmo tempo, contribui para gerá-los. É importante reconhecer que a mudança social almejada depende da adequada escolha dos nomes que representarão o povo nos próximos anos. E isso depende da participação cidadã mais efetiva, do investimento nos processos educativos e culturais que consolidem atitudes orientadas pela solidariedade.

Na contramão da qualificada participação do povo, estão os descompassos gerados em muitos lugares, inclusive nas redes sociais. No ambiente digital, por exemplo, ao invés de se aproveitar as oportunidades da tecnologia para criar conexões e formatar novos costumes, são propagados infrutíferos ataques pessoais. Ora, para se construir uma sociedade melhor é preciso que todos caminhem juntos, vencendo as diferentes formas de egoísmo. Isto significa abandonar radicalismos e a indiferença diante da exclusão social. Esses males atrapalham a qualificada participação cidadã e o povo precisa combatê-los. Assim, se encontrará lucidez para superar os “desgovernos” e, com a participação de todos, efetivar governos que priorizem a promoção do bem, da justiça e da paz.

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