Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Nos montes do deserto de Judá o Senhor passou sua quarentena de jejum e oração, vencendo as ciladas do demônio. O cenário para o Sermão do Reino e as bem-aventuranças foi uma montanha. O monte das oliveiras viu jorrar seu suor feito em sangue. O Calvário também foi um monte e uma montanha o cenário para as despedidas e a missão. Tudo indica que várias vezes ele se recolheu a lugares isolados e montanhosos para estar com o Pai, na consolação do Espírito Santo. Podemos dizer ainda que a meio caminho da estrada que o conduziu à paixão, morte e ressurreição, encontra-se um monte, que a tradição localizou no Tabor, um encontro em que comparecem personagens respeitáveis, Jesus, Moisés e Elias, a voz do Pai e o Espírito em forma de uma nuvem que os envolveu, com os três discípulos mais próximos (Cf. Marcos 9,2-10).
A Transfiguração anuncia que o ponto alto da luta de Jesus contra o mal, na sua morte, será sua vitória. Subindo ao monte com Jesus e seus discípulos, mesmo que estes e nós muitas vezes tenhamos dificuldade para entender tudo, abramos o coração. O Messias, Servo sofredor, que vai enfrentar a morte, será transfigurado e ressuscitado, manifestará a sua glória, uma glória que não é deste mundo. A transfiguração continua a revelação da identidade de Jesus, iniciada no batismo no Rio Jordão. Jesus é o Filho amado de Deus, enviado para ser ouvido. É ele a Palavra, o Evangelho, a habitação de Deus. Nele encontraram sentido as Escrituras representadas por Moisés e Elias. Os três apóstolos, espectadores atônitos e medrosos diante da manifestação de Deus, vivem depois a doçura daquela experiência, mas devem continuar, descer para a planície, depois da antecipação da luz do Ressuscitado, que muda o mundo e o transfigura.
Este é o nosso caminho, a ser rezado e vivido! No contato com as pessoas, Jesus se revela mais humano do que todos os homens e mulheres que encontra, manifestando sensibilidade inigualável diante da alegria, os sofrimentos e todas as dores dos diversos grupos de pessoas. O resultado é que ninguém consegue ficar indiferente diante de sua presença. O episódio da Transfiguração expressa, visto do ângulo humano, a imensa delicadeza com os discípulos destinados anunciar o seu mistério. Jesus leva à montanha os três, chamados a participar mais de perto de alguns acontecimentos decisivos, para revelar-lhes sua própria identidade.
Com esta luz, onde lhes for dado estar presentes, os cristãos haverão de ser restauradores de ruínas! Onde houver pessimismo e derrotismo, anunciarão a vitória do bem e da verdade, pela força da Ressurreição de Cristo. Quando encontrarem pessoas destruídas pelos próprios pecados ou os pecados dos outros, saberão ser artistas, conduzidos pela luz do Espírito Santo, recompondo a unidade quebrada, permitindo que Deus faça dos cacos quebrados um bonito mosaico, obra de arte que só pode vir de seu amor infinito. Eles espalharão a semente do perdão, nascida do Pai das Misericórdias, convidando a todos para dele se aproximarem. Sua presença no mundo é testemunha de que o dia de hoje é sempre melhor do que ontem, e o amanhã se abre em horizonte de esperança.
Experiência magnífica carregada de lições, e nós queremos colhê-las com carinho. Caminhar com Jesus é o primeiro passo, pois ele sempre nos conduz para frente e para o alto. Ninguém queira andar isolado, por conta própria, sonhando com uma pretensa e mentirosa autonomia. Os três discípulos fizeram a experiência de uma comunhão profunda com seu Senhor!
Depois, saber ir ao lugar certo para rezar. A oração há de ser a segurança diária e constante da vida do cristão. Trata-se da respiração essencial para encontrarmos o sustento necessário para a comunhão com Deus.
Lição do Tabor é a capacidade de ler e compreender a Escritura, atentos que estaremos à lei e aos profetas. Não inventamos nada, mas somos tributários de uma experiência de história de salvação, na qual fomos gratuitamente envolvidos, por presente de Deus! Moisés, Elias, as três testemunhas da Transfiguração, a história da Igreja, os santos e santas, as pessoas que nos conduziram à Igreja! Ninguém despreze o tesouro espiritual da Igreja!
No episódio da Transfiguração, Pedro, Tiago e João foram ajudados a superar o escândalo que a Cruz trouxe consigo. Aprenderam, e nós com eles, que só pela cruz se chega à luz! Assim, as eventuais pedras do caminho, em nossa vida cristã, encontrarão seu sentido, se olharmos para frente e para o alto!
Lição do Tabor é escutar a voz do Pai e voltar nossa plena atenção ao seu Filho amado, a ser escutado, sem desprezar qualquer uma de suas palavras. Afinal de contas, ele é “a Palavra” que se faz carne!
Lição do Tabor é “entrar na nuvem”, aquela verdadeira que acompanhou os israelitas no deserto ou cobriu o monte da Aliança, a mesma que envolveu a Virgem Maria da Anunciação, ou os céus que se abriram para ouvir a voz do Pai que disse: “Eu o glorifiquei, e hei de glorificá-lo ainda” (Cf. Jo 12,28). Um dia, uma nuvem retirou Jesus (At 1,9), para prepará-los a irem pelo mundo afora, conduzidos pelo Espírito, para anunciarem o Evangelho, revestidos de força e coragem!
Lição do Tabor é saber descer da montanha, muitas vezes viver sem poder falar muito, com a força que vem das experiências de Transfiguração, presentes também em nossa caminhada de fé, sem nos escandalizarmos com as provações, incompreensões, perseguições, calúnias e dores, a serem abraçadas com a certeza da verdade e a garantia da vitória que vence o mundo, a nossa fé!