Dom Pedro José Conti

Um homem atravessava o deserto, morrendo de sede, quando, finalmente, encontro um poço. Com muito esforço desceu até o fundo e conseguiu beber à vontade. Ao sair do poço viu um cachorro, que também estava sem fôlego e mastigava areia úmida.  “Este animal está sofrendo com sede como eu estava sofrendo antes”, pensou. Então, desceu novamente no poço, encheu de água o seu cantil e, segurando-o entre os dentes, conseguiu sair do poço e dar de beber ao cachorro. Deus viu o seu gesto e o abençoou. O cachorro não o largou mais e se tornou o seu amigo mais fiel. Aconteceu que, um dia, o mesmo homem foi ferido numa batalha e estava para morrer debaixo do sol escaldante. Nessa circunstância, o animal desapareceu. “Ele também me abandonou”, pensou o homem com amargura. Mas o cachorro voltou de noite, totalmente encharcado, assim o homem conseguiu beber um pouco d’água e se salvou. Em qual poço o animal tinha descido para chegar daquele jeito? Ele nunca soube. Somente Deus sabia.

Uma pequena história da tradição árabe para dar esperança a quem se sente abandonado. Afinal é esta, acredito, a boa notícia que os pobres de todos os tempos e de todas as condições devem aguardar. Qual notícia pode ser melhor, para quem está para perder toda a esperança, se não aquela de saber que alguém está ali junto para ajudá-lo? E se esse alguém é nada menos que o próprio Deus, a alegria se torna plena, transforma o desespero em esperança, a tristeza em júbilo. No evangelho deste terceiro domingo de Advento, João Batista manda perguntar a Jesus se é ele quem deveria vir ou se deveriam aguardar outro. Jesus responde aos enviados para prestarem atenção ao que estão ouvindo e vendo. Os sofredores estão sendo curados de muitas formas, e os pobres estão sendo evangelizados. Os sinais das curas conduzem a este final: uma boa notícia para os pobres. Que notícia pode ser tão boa para os pobres?

Não tenho dúvida de que a resposta está no próprio nome de Jesus – Deus salva – e também no nome que o anjo anunciou a José: ele será chamado Emanuel, que significa Deus está conosco. Sempre pensamos que Deus esteja do lado dos vencedores. Nunca ouvimos alguém dizer: – Se Deus quiser eu vou perder! -. Sempre escutamos o contrário. Está na hora, porém, de nos questionarmos e refletirmos sobre a boa notícia de Jesus e a vitória que ele veio nos trazer.

Não é por acaso que logo em seguida à palavra da boa notícia aos pobres Jesus diz: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!”. A grande mensagem da Bíblia e de Jesus, de maneira especial, é que Deus está do lado dos pobres, dos excluídos, daqueles que a sociedade muitas vezes considera errados. Se fôssemos refletir um pouco seria ilógico que Deus estivesse do lado dos poderosos, dos exploradores, daqueles que sempre usam as leis a seu favor. Esses são fortes o bastante, têm muitos amigos e aliados. Dizer e ouvir isso não deixa de escandalizar. Jesus foi criticado porque entrava na casa dos pecadores, porque oferecia o perdão às prostitutas. A questão é que ele veio para os filhos perdidos da casa de Israel, veio para os que estavam “fora”, às margens, talvez convencidos de que não tinha mais jeito para eles e que até Deus os tinha rejeitado! Jesus lhes ensinou o contrário: o Pai é misericordioso e abraça o filho que volta para casa. Ele morreu como um rebelde, um fora da lei, no meio de dois malfeitores. Como esperar a salvação de um condenado? Pode um derrotado ser vitorioso?

Ficamos sempre escandalizados com isso, porque só acreditamos que para mudar as coisas precisa ter poder e dinheiro. Dificilmente esperamos algo de novo dos pobres, dos pequenos e dos errados. Talvez eles mesmos já deixaram de acreditar nas suas próprias possibilidades.

Mais uma vez devemos repetir: se mudarmos o mais profundo do nosso coração, não precisamos nem de dinheiro e nem de outros recursos. Basta apenas a certeza de que Deus está conosco, a boa notícia de uma nova justiça e de uma nova fraternidade, onde as pessoas são amadas e não julgadas.

Quantas vezes, por ocasião do Natal, fazemo-nos a pergunta: onde o menino Jesus nasceria hoje? Talvez num hospital, numa penitenciária, ou num morro de Rio de Janeiro. Ou preferiria um tranqüilo e elegante presépio, numa sala luminosa, aconchegante e climatizada? É bom ficarmos na dúvida. É muito bom nos questionarmos. Se ficarmos escandalizados com essas incertezas e perguntas é porque ainda precisamos entender melhor a boa notícia de Jesus.  Boa para os pobres.

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