Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte

 

 

Todos escutem e acolham a convocação para vivenciar, neste domingo, o Dia Mundial dos Pobres, sabiamente instituído pelo Papa Francisco. Nenhuma paróquia deixe de congregar os pobres para rezar, ouvi-los e repartir o alimento. Nenhuma instituição ou setor da sociedade se recuse a um gesto concreto dedicado aos pobres, em favor deles. Nenhuma família cristã se prive do encontro fraterno com os que sofrem. Nenhum representante ou servidor do povo abandone quem precisa de amparo. As casas estejam abertas para acolher os famintos nos momentos das refeições. Se os gestos de solidariedade, a serem vividos no próximo domingo, se tornarem parte do cotidiano de todos, males serão curados e muitos problemas superados. Assim, a sociedade poderá caminhar, a passos largos, rumo ao objetivo maior de se tornar mais justa, fraterna e solidária.

Pode-se indagar sobre o motivo de se dedicar um dia aos pobres, pois a luta de quem sofre com a pobreza é diária. A resposta é, pois, necessária: trata-se de oportunidade para mobilizações, em gestos e palavras, que busquem cultivar diferentes formas de solidariedade. Um dia especial dedicado ao desenvolvimento da própria competência humana e espiritual na superação da indiferença diante da dor dos outros. Só assim será possível alcançar efetivas contribuições no sentido de acabar com cenários de exclusão e de discriminações. Um caminho para que se tornem cada vez mais comuns os gestos individuais, as ações coletivas e as políticas públicas alicerçados em qualificada consciência social, política e cristã.

A escuta dos clamores de quem enfrenta a pobreza tem força terapêutica e de conversão. Permite incomodar-se, verdadeiramente, com a dor do outro, com as suas carências humano-espirituais. Esse outro está próximo, nos nossos lugares preferidos, nos caminhos por onde passamos, diante de nós. Não pode ser percebido com descaso. Sensibilizar-se com a penúria dos que sofrem, agir para amenizar as dores dos pobres, é reconhecer que todos são, igualmente, cidadãos e, principalmente, filhos e filhas de Deus. O Dia dos Pobres é, nesse sentido, um raio de luz sobre a consciência de cada pessoa. Luminosidade ainda mais necessária no mundo atual, em que pessoas se contentam com a “vida boa” e se esquecem dos que vivem em apuros, sem ter o que comer ou vestir, excluídos do mercado de trabalho e do acesso a serviços essenciais, nas áreas da saúde, educação e cultura.

A força da Palavra de Deus deve tocar o coração, sobretudo, de grupos que se apropriam egoisticamente da maior parte das riquezas e, perversamente, alimentam exclusões. O Dia dos Pobres é um forte apelo à consciência cidadã e cristã de todos. É oportunidade para a sociedade brasileira eleger critérios justos capazes de substituir a loucura perversa da organização social e política que prevalece no país. O começo da mudança é a conversão do coração, para que o Brasil – “berço esplendido”, “gigante pela própria natureza” – vença o estigma de ser uma sociedade de excluídos.

O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia dos Pobres, sublinha: “O Senhor escuta os pobres que clamam por Ele e é bom para com os que n’Ele procuram refúgio, com o coração despedaçado pela tristeza, pela solidão e pela exclusão”. Se Deus escuta os pobres, cada pessoa tem o dever de também escutá-los e ampará-los. Essa atitude é remédio para desvios éticos, produz moralidade, qualifica atos e escolhas.

Ouvir o clamor dos pobres é caminho para conquistar necessária transformação histórica, com avanços humanitários urgentes, oportunidade de se experimentar o remédio da solidariedade quando se dedica à escuta do outro, que é irmão. Quem se solidariza com a dor do próximo diz “não” a uma economia que gera exclusão, à idolatria do dinheiro, que governa as pessoas, em vez de servi-las. O Dia dos Pobres é interpelativo convite para ir ao encontro de quem sofre. Atitude que corrige e qualifica, especificamente, a vivência da fé cristã, dando-lhe autenticidade. Os cristãos estão desafiados a ajudar o país a superar sua cegueira ética, não simplesmente por razões partidárias, menos ainda por interesses de igrejas, mas a partir do autêntico testemunho de fé. A opção preferencial pelos pobres é intrínseca à fé cristã, que não pode ser instrumento para a busca individualista de confortos. Aproximar-se de quem sofre não pode ser atitude demagógica, mas itinerário que conduza a sociedade à cura dos seus muitos e diversos males. Ouvir o clamor dos pobres é seguir o exemplo de Deus.

 

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