Partilhando uma experiência em tempo de Isolamento Social Preventivo

Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira
Prelazia de Itacoatiara (AM)

Completei no dia 02 de abril, quinze dias de isolamento social preventivo e fui liberado. Neste mesmo dia, à noite presidi a Eucaristia na Capela do Seminário São José, acompanhado apenas de três Seminaristas e o Padre Formador. No final da celebração, fiz uma reflexão sobre a experiência vivida e decidi compartilhar o resultado desta minha experiência de isolamento social preventivo.

Lembrei-me do texto do evangelho de Mateus 4, 1, onde diz que “Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito”.

Vivi nestes quinze dias uma experiência assim, de deserto. Não quero dizer que fui conduzido para este tipo de deserto pelo Espírito Santo, mas foi neste texto do evangelho que me inspirei para fazer esta reflexão. Fui conduzido para estes quinze dias de deserto pela Vigilância Epidemiológica, pertencente à Secretaria de Saúde do município de Itacoatiara, onde moro.

Fizeram isto não para me castigar, mas pensando no bem das pessoas que teriam contato comigo. Entrei em isolamento social preventivo desde o dia 19 de março, quando retornei a Itacoatiara, depois de uma viagem a trabalho, para reuniões em duas Comissões Pastorais na CNBB, outra na REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica e uma terceira na CPT – Comissão Pastoral da Terra. Foram dez dias fora da Prelazia onde moro e trabalho. Passei por três estados diferentes Brasília, Goiás, São Paulo, por quatro cidades Brasília, Goiânia, Guarulhos e Manaus, por quatro aeroportos, por duas rodoviárias. Neste tempo em que fiquei fora de Itacoatiara, de 09 a 19 de março, infelizmente, o coronavírus foi se expandindo no Brasil e em nosso Estado, Amazonas.

Agradeço muito a Deus a orientação que a Secretaria de Saúde, através da Vigilância Epidemiológica me deu. Já era minha vontade fazer isto. Na véspera de meu retorno a Itacoatiara, dia 18, entrei em contato com servidores da Cúria da Prelazia, pedindo que vissem como poderia proceder para ter logo uma conversa com a Secretaria de Saúde, assim que chegasse, para saber o que deveria fazer.

Chegando em Itacoatiara, dia 19, fiz o contato com a secretaria de saúde, relatei o trajeto de minha viagem e sugeriram que eu deveria ficar em isolamento social por 14 dias, sem ter contato presencial com ninguém.  Disseram que isto seria necessário, para não hipótese de ter sido infectado durante a viagem pelo vírus, não passasse para mais ninguém. Acolhi religiosamente esta orientação. Saia do quarto somente para pegar o alimento.

Nestes quinze dias de isolamento social, rezei mais, meditei mais a Palavra de Deus, li mais, pensei mais, refleti mais, escrevi mais. Escrevi dois artigos para a página da CNBB. Um sobre a questão da Água, para marcar a comemoração do Dia Mundial da Água, 22 março. O outro sobre a corrupção, inspirado na leitura do livro do Êxodo 32, 7, onde Deus diz a Moisés que deveria descer porque o povo tinha se corrompido.

Do meu quarto acompanhei a vida de todos os seis municípios que compõem a Prelazia, das 13 Paróquias, pelas redes sociais e pelo telefone. É uma facilidade que hoje o mundo nos oferece. Em tempos passados a gente não tinha este recurso. Acompanhei, também, a situação do mundo, do Brasil, do nosso Estado do Amazonas, além dos municípios que compõem a nossa Prelazia, a sede Itacoatiara, Silves, Itapiranga, Uatumã, Urucará, Urucurituba e a Vila Novo Remanso que é uma paróquia, também de nossa Prelazia, sobre a situação do coronavirus.

Pelas Redes Sociais fiz contato com os Padres, com o Diácono Permanente, com os Seminaristas, com leigos, com as consagradas.

Agradeço a quem nestes dias se preocupou comigo os Padres e Seminaristas do Seminário Propedêutico São José. Agradeço aos Funcionários e às Funcionárias da Cúria, que pelo contato virtual fomos trabalhando e encaminhando o que tinha de ser encaminhado pastoral, administrativa e contabilmente.

Um agradecimento à equipe da Vigilância Epidemiológica pelo monitoramento, diário até a liberação a partir de hoje.

Obrigado às pessoas que entraram em contato comigo neste tempo de reclusão, que rezaram, mandaram um recado pelas redes sociais, telefonaram…

Durante estes 15 dias, também eu fui fazendo algumas reflexões, que aqui quero partilhar:

Lembrei-me muito dos presos durante estes dias. Sentia-me de alguma forma um preso. Um preso voluntário, mas um preso. Os irmãos do Seminário levavam a comida, deixavam na porta e eu pegava a comida para comer no quarto. É assim que os presos vivem, isolados; é assim que eles comem, através das grades da cadeia. Senti quanto é importante o serviço da Pastoral Carcerária.

Lembrei-me muito dos idosos, pessoas que deram a vida por nós e que chegam no fim de suas vidas, ficando, muitos deles, sozinhos em suas casas, às vezes precisando até de um copo de água e não tem quem os leve. Vi como precisamos implantar a Pastoral da Pessoa Idosa.

Lembrei-me muito dos enfermos, dos que agora estão atingidos pelo coronavírus e dos outros enfermos que ficam em casa, sozinhos, porque todos saem para estudar, trabalhar, ir à festa, à Igreja. Fez crescer mais ainda no meu coração o desejo de fortalecer o trabalho da Pastoral da Saúde, para cuidar melhor dos enfermos.

Lembrei-me das pessoas em situação de rua. Estava dentro de uma casa, num quarto, fazia normalmente as refeições todos os dias.  Fiquei imaginando quem vive na rua, esperando a hora de chegar alguém que possa lhe dar um prato de comida, um pouco de atenção. Confirmou-me a necessidade de nossa Prelazia continuar apoiando o trabalho com as pessoas que ficam em nossas ruas e praças, sem casa, sem família e sem ajuda.

Pensei muito nos Migrantes. Alguns já acolhidos em casas de passagem e outros nas ruas. Neste tempo de isolamento social, quando a gente fala apoiando a Campanha “Fique em Casa”, que é necessário, o nosso coração doe, pensando nos migrantes e nas pessoas em situação de rua, que até desejam ir para casa, mas não tem para onde ir.

Pensei muito nos pobres das paróquias que compõem a nossa Prelazia, em suas Comunidades urbanas, de estrada e ribeirinhas, que muitas vezes ficam sem nenhuma assistência, esperando somente pessoas generosas para fazer a caridade e assim aliviar seus sofrimentos.

Em sintonia com a Caritas Nacional, nossa Prelazia lançou dia 1º de abril a Campanha de “Solidariedade com os Empobrecidos e Excluídos”, pedindo doações para ajudar quem mais precisa.  A Caritas da Prelazia, as Paróquias, as Comunidades, as Pastorais vêm ajudando muita gente. Têm pessoas, individualmente, ajudando muita gente. Tem famílias ajudando outras famílias. Mas se faz necessário ajudarmos mais ainda, pois a situação vai se agravando a cada dia.

Isto serve para confirmar o caminho que estamos fazendo na Prelazia, de que não podemos evangelizar, sem fazer a opção preferencial evangélica pelos pobres, sem trabalhar pela transformação da sociedade.

Nestes dias de recolhimento, emitimos a Nota, o Decreto e o Comunicado suspendendo todas as nossas atividades na Prelazia: reuniões, encontros e celebrações até o dia 18 de abril. É um momento difícil, muito difícil. É verdade! Não é fácil a gente não estar perto do povo.  Sofremos por não poder sair na rua, visitar as pessoas, abraçar, celebrar nossa fé em comunidade, realizar nossas atividades pastorais e de formação. Mas fazemos tudo isto como um sacrifício agradável a Deus, porque é um sacrifício feito por amor à vida.

Continuemos contribuindo para o controle do coronavirus, no que depender de nós, de nossas famílias e de nossa Igreja. Vamos permanecer em casa o maior tempo possível. Só vamos sair de casa para adquirir os bens necessários para a manutenção de nossa família, para trabalhar, para quem tem trabalho obrigatório e para fazer a caridade, para ajudar alguém que precisa de nosso amor/solidariedade.

Vamos pedir a Deus que Ele nos ajude a amar como ele nos amou e a servir como ele nos serviu.

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