Um peso para a eternidade

Um homem muito rico, para aumentar o seu jardim, apropriou-se da pequena horta de uma pobre mulher. No dia seguinte, a mulher apresentou-se na casa dele com um saco vazio nas mãos e lhe falou:  – Deixe-me ao menos pegar um saco de terra da minha horta, onde meu pai e eu trabalhamos por tantos anos.

Quando o saco ficou cheio de terra, a mulher pediu ao novo dono para ajudá-la a colocá-los nas costas para poder levá-lo. No começo, homem se negou a ajudá-la, mas depois resolveu ceder ao pedido dela. Tentou levantar a carga, mas, depois de algumas tentativas, exclamou:

– É impossível levantá-lo! É pesado demais!

– Como é que é? – surpreendeu-se a mulher – Se apenas um saco lhe parece pesado demais, como o senhor pensa que vai conseguir carregar nas costas toda a terra da minha horta e, ainda, por toda a eternidade?

Poucos dias depois, o pedaço de terra foi devolvido à mulher.

Pelo jeito da história o ricaço teve mais coração do que o outro do evangelho deste domingo. Talvez tivesse decidido não brincar com a eternidade ou, simplesmente, teve mais tempo de vida para se corrigir. O rico do evangelho, ao contrário, nem pensou em outra coisa se não construir novos celeiros para guardar a grande colheita. O fim da sua vida estava fora dos seus planos. Foi pego de surpresa.  Com isso, perdeu totalmente sentido a pergunta que ele fez a si mesmo: “O que vou fazer com tanta riqueza?” A morte é um ponto final, ao menos nos negócios deste mundo.

Bastante fácil entender que Jesus quer alertar àqueles que confundem a vida com as riquezas materiais. “A vida de um homem não consiste na abundância de bens”, disse  claramente Jesus. No entanto, nós todos teimamos em gastar a maior parte das energias da nossa vida acumulando bens que, dificilmente, acabaremos usufruindo. A posse dos bens nos dá a ilusão da segurança. É verdade que talvez possamos nos permitir melhores tratamentos e remédios experimentais caríssimos. É verdade que, podemos pagar melhores advogados, corromper juízes e carcereiros para nos safar das leis e sairmos impunes, incólumes, de alguma desavença.  É verdade que podemos ter a satisfação de gastar, numa noite, o equivalente ao que outros demoram anos para juntar. Sempre chegaremos à seguinte conclusão: quem fala mal dos ricos o faz  porque tem inveja de não fazer parte do clube fechado dos poderosos. Será que também Jesus estava com dor de cotovelo dos abastecidos da época? Ou, talvez, podemos admitir que, ao menos ele, tenha falado porque queria uma vida diferente, mais feliz e para sempre, também, para os ricos? Com efeito, Jesus quer que todos sejamos ricos, mas “diante de Deus”, pelo bem que fazemos, e não simplesmente ricos diante dos outros para nos orgulhar e, com isso, acabar humilhando os mais pobres. Jesus pôde falar com toda liberdade, porque não tinha nenhum bem para defender e não cobiçava os bens de ninguém. Para nós, falar mal das coisas materiais é mais difícil, porque estamos todos mergulhados numa sociedade que exalta, de toda forma, o bem estar financeiro.

Até os padres – e o bispo – são suspeitos quando administram dinheiro e bens. Se a vida deles não é mais do que honesta, correta, humilde, exemplar no desprendimento, podem dar a impressão de tirar vantagem para si. Muitos não ajudam em nada na Igreja católica e nas suas obras, porque não confiam na lisura da administração. Sempre suspeitam de desvios ou enriquecimentos ilícitos. Em geral, acham a Igreja rica, portanto, não precisa de colaboração. Pode ser a desculpa de quem, no fundo, considera burrice a generosidade e a ajuda aos pobres dinheiro desperdiçado.  Cada um pense o que acha melhor; afinal, ajuda e esmola só têm valor e sentido se oferecidas com liberdade e confiança.

Quis escrever essas coisas para lembrar, mais uma vez, a difícil missão dos Padres. Falar de pobreza, simplicidade de vida e desprendimento dos bens, nos dias de hoje, pode parecer loucura, utopia para outros planetas. Pregar a generosidade e a partilha, numa sociedade onde domina o egoísmo, o medo de perder as coisas e de ficar para trás na corrida insana para o ouro, é quase como gritar no deserto. Ter que administrar honestamente bens, que não são próprios, pode parecer desperdiçar a oportunidade de enriquecer a qualquer custo.

Neste domingo, agradecemos aos padres honestos; pobres o suficiente para viver na simplicidade e ricos quanto basta para poder ajudar outros. Padres sem problemas de herança, porque nada acumularam aqui na terra. Somente juntaram tesouros no banco de Deus.

É assim mesmo. Com o saco dos bens materiais vazio, ou quase, vai ser muito mais fácil entrar no Reino dos céus e aguentar carregá-lo pela eternidade.

Dom Pedro José Conti

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