Venezuela: a opção pela Pastoral Afro

Na região de Barlavento, a 100 km de Caracas, a população é predominantemente afrodescendente. Na evangelização, um dos principais desafios é recuperar a identidade do povo afro e estabelecer um diálogo com suas tradições através de uma metodologia que permita a integração de valores culturais para enriquecer a vida cristã. Esse processo lento é incentivado pela Pastoral Afro. Na Venezuela, como acontece em quase todo o Continente, por muitos anos, a Igreja não reconheceu a identidade afro do povo.

Em Barlovento, os missionários da Consolata são responsáveis ​​por quatro paróquias: Cuacagua (a sede dos padres), Panaquire, El Clavo e Tapipa, na diocese de Guarenas. Depois de mais de 30 anos de presença, eles começam a ver os frutos da Pastoral Afro na experiência da fé cristã. O padre queniano, Charles Gachara Munyu, professor de Teologia Bíblica, fala do trabalho feito em Barlovento. “A nossa primeira preocupação é ajudar a Igreja venezuelana e a Igreja local para que formem suas comunidades com rosto próprio que é o rosto negro. Isso implica várias coisas: trabalhar com eles e desde eles. Entender a sua história de exclusão, de sofrimentos e caminhar com eles para a sua libertação e para que contribuam desde a sua riqueza, sem deixar de ser o que são.  Devem sentir que, sendo afrodescendestes eles têm os mesmos direitos e têm lugar na mesma Igreja”.

Em uma região esquecida pelos serviços públicos e sociais é preciso trabalhar para que o povo tome iniciativas para progredir. “Precisamos ajudar para que eles assumem suas responsabilidades como cidadãos venezuelanos e ajudem a reconstruir o país iluminados pela Palavra de Deus”, disse padres Charles.

Com ele trabalha o seu conterrâneo, o padre Silvanus Ngugi Omuono e o padre congolês, Charles Ma’daluma.

Manifestações culturais e religiosas

Além das celebrações normais, a população afro conserva muitas tradições que não estão inseridas na vida da Igreja. A maioria da população de Barlovento tem suas raízes no Continente africano. Quando os escravos foram trazidos no início do século XVI, continuando até o século XIX, época da Colônia, para trabalhar nas fazendas de cacau da costa venezuelana, suas manifestações culturais e religiosas foram proibidas e o catolicismo lhes foi imposto por não ser totalmente aceito. Esse processo resultou no que é definido como sincretismo. Isso porque, ao aceitar as imagens do culto católico, atribuíam a cada santo uma divindade de seu esquema religioso africano. Assim, São João Batista comemorado em 24 de junho, representa uma das figuras mais importantes.

Em frente ao altar da igreja matriz de El Clavo, testemunhamos o encerramento (a despedida) de uma cerimônia em honra de São João Batista fora das celebrações litúrgicas. Cânticos de lamentações acompanhados de maracas e tambores, versos, poemas, orações feitas por pessoas de todas as idades. Assista ao vídeo

(Vídeo Honra a São João Batista: https://www.youtube.com/watch?v=SxnwdJy7HOg)

A variedade da tradição cultural e religiosa é grande, destacando-se os tambores de São João em Curiepe, os Reis Magos em Higuerote, os Boleros de Caucagua, os Santos Inocentes, o Enterro dos Mortos em São José, o Menino Jesus em Curiepe, Birongo, Capaya e Guapo, a Cruz de Maio e São Pascual.

A Igreja, em seus esquemas de evangelização, tem muitas dificuldades em trabalhar nessa riqueza cultural e religiosa tão presente no sangue dos afrodescendentes.

É interessante perceber que o mesmo sino que foi usada no passado para alertar sobre a fuga de um escravo e sua posterior captura, serve hoje para convidar os negros a participar de celebrações religiosas. Com muita reflexão e releitura da história, algo está mudando. O sino continua na torre da igreja, mas o convite para as celebrações é feito com músicas.

Com informações: padre Jaime Patias – Conselheiro Geral para América.

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