Dom Reginaldo Andrietta
Bispo Diocesano de Jales, SP

A liberdade é um anseio de todos os seres humanos. Tenhamos ou não espiritualidade religiosa, somos vocacionados à liberdade. Ela é um valor cristão fundamental, afinal, como diz o Apóstolo Paulo: “É para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permanecei firmes e não vos deixeis submeter novamente ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).

A humanidade, no entanto, tem estado submetida a escravidões. Sua gravidade depende, primordialmente, da intensidade da exploração dos trabalhadores pelos que detêm os meios econômicos. Nas sociedades escravocratas, os trabalhadores são tratados como mercadorias. Assim ocorreu por séculos no Brasil. Estaria sendo diferente, hoje?

O escravismo do Brasil colônia e império é visto como abominável. As condições de trabalho estabelecidas na primeira fase da Republica (1889 a 1930) são, igualmente, interpretadas como aviltantes. Naquele tempo, os trabalhadores, considerados livres, podiam escolher entre morrer de fome ou enfrentar uma jornada de 12, 14 e 16 horas de trabalho, em condições degradantes.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, que resultou de muitas lutas da classe trabalhadora, travadas especialmente na segunda fase da República (1930 a 1945) ajudou a superar a extrema exploração de mão de obra. Passados muitos anos, a CLT deveria, sem dúvida, ser modernizada em função de melhorar ainda mais as condições de trabalho.

A falta de proteção aos trabalhadores tende, no entanto, a regressar com a flexibilização das leis que regem as relações de trabalho. Presenciamos, por exemplo, a restauração da livre negociação entre forças desiguais e uma reforma previdenciária que inviabilizará a aposentadoria à maioria da classe trabalhadora. Aguardaremos décadas para concluirmos que tais medidas patrocinam um servilismo tão cruel como o de outros tempos?

Hoje, há formas modernas de escravidão. O Brasil, continuando a ser um país que não aplica totalmente o que é justo de sua própria constituição, promulgando leis que a contradizem e fomentando mecanismos jurídicos que dissimulam a exploração, certamente merece a denúncia que o Papa Francisco fez em um encontro mundial de líderes religiosos, em 2014.

“Apesar do grande esforço de muitos, a escravidão moderna segue sendo um flagelo atroz que está presente em grande escala no mundo”, disse o Papa, advertindo que essa realidade se oculta nos domicílios, nas ruas e nos locais de trabalho, e acontece tanto nas nações ricas como nas pobres. “O pior é que tal situação se agrava a cada dia mais”, enfatizou ele.

Como equilibrar, então, esse jogo? Os que estão perdendo não podem mais jogar desentrosados. A reorganização da classe trabalhadora é urgente. É vergonhoso continuarmos perdendo com time tão grande e valioso. Por isso, necessitamos superar o individualismo de nosso tempo, para nos tornarmos povo organizado, povo de Deus em luta contínua por sua libertação.

Este é um propósito importante, por exemplo, da 33ª. Romaria Diocesana de Jales, do próximo dia 20 de agosto, comemorando sua padroeira, Nossa Senhora da Assunção. Tendo como lema “Com Maria nos libertamos de novas escravidões”, faremos memória dos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, mãe negra, sinal da solidariedade de Deus à contínua luta libertadora do povo brasileiro.

Tags:

leia também