Artigos dos bispos

Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

 

A comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, popularmente conhecida como Dia de Finados, deve ser um dia de oração pelos nossos entes queridos falecidos e, também, um dia de reflexão sobre o mistério da morte e da ressurreição que marcam nossas vidas.

Assim falou Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11,24). Em outra passagem, ele disse: “Todo aquele que crê em mim não morrerá para sempre” (Jo 11,26). Na verdade, Jesus está dizendo que não nascemos para morrer, mas morremos para viver. Portanto, a morte, para os que têm fé, não interrompe a vida. Não é uma ilusão passageira, não é a destruição da vida, mas sim o encontro com a plenitude da vida que está em Deus. Deus nos criou para a vida plena e não para a morte. Na verdade, as pessoas que morrem vão para um lugar melhor do que o nosso. Elas descansam para sempre na paz, na alegria, no convívio dos anjos, dos santos, na plena e eterna felicidade que só encontramos na comunhão com Deus.

Para o cristão, a morte é o começo de uma nova vida, realizando o que de bom ele esperou e nem sempre conseguiu neste mundo. É o coroamento da vida, a perfeita e plena realização humana e cristã. Na perspectiva cristã, a morte se torna bendita porque é nossa libertação. Assim reza a oração do prefácio dos mortos: “Ó Pai, para os que creem em vós a vida não é tirada, mas transformada; e, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível, e aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola”.

Devemos lembrar que a vida eterna começa aqui e agora. Quem vive com Deus neste mundo viverá com Ele eternamente. Quem tem Cristo em sua vida vai tê-lo na outra vida. Quem vive no amor e na harmonia com seus irmãos continuará na outra vida na plenitude do amor. Quem vive uma vida reconciliada e pacificada com seus irmãos também continuará na outra vida na perfeita reconciliação. Por isso, a hora de amar, de perdoar, de servir, de espalhar o bem é agora. Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje, pois o amanhã pode não acontecer! No momento do encontro final com Deus, de nada vale o dinheiro, o sucesso, o prestígio, a beleza, a fama. O que conta são nossas boas obras e a retidão do agir. Levaremos em nossa bagagem o bem que realizamos ao longo da vida, sobretudo para os mais pobres. Assim nos diz a sentença divina: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; estive nu, e me vestistes” (Mt 25,34). Esta passagem bíblica nos revela que o critério para o nosso julgamento será o exercício do amor e da caridade para com o próximo, sobretudo os excluídos, os mais pobres entre os pobres.

Os sociólogos os chamam, hoje, de “massa sobrante”, ou seja, estão fora do banquete da vida. Temos urgência de encontrá-los como irmãos neste mundo, antes de termos de nos defrontar com eles como nossos juízes diante de Deus! Por isso, o pobre necessitado que bate à nossa porta, além de testar a nossa caridade cristã, pode se transformar num canal ou instrumento de nossa salvação. O Beato Antônio Frederico Ozanam afirmou: “Precisamos olhar para o pobre como alguém que é igual ou superior a nós, porque ele suporta aquilo que nós não suportamos: fome, miséria, doenças, falta de moradia e conforto material”. É precisamente por isso que, no Dia de Finados, os vicentinos promovem um grande mutirão de coletas nos cemitérios em favor dos pobres assistidos por eles.

Não esqueçamos que, para os mortos, não basta oferecer flores, velas e visitas aos cemitérios. Precisamos oferecer orações, súplicas de perdão, sacrifícios e esmolas aos pobres (caridade). São esses gestos cristãos que agradam a Deus e retornam para nossas vidas em forma de bênçãos, de alegria e conforto espiritual.

A Santa Missa, sacrifício eucarístico, é sem dúvida o maior presente aos mortos. A Igreja oferece o sacrifício eucarístico da Páscoa de Cristo e eleva a Deus suas orações e sufrágios pela salvação de todos os fiéis defuntos, pois suas almas devem ser purificadas para serem recebidas nos céus entre os santos eleitos.

Neste sentido, exorto os fiéis a procurarem suas paróquias para marcar missas em sufrágio das almas dos nossos fiéis defuntos. É muito importante rezar por todos os mortos. Hoje nós rezamos pelos que nos precederam; amanhã, os que nos sucederem rezarão pelo nosso eterno descanso!

Que as almas de todos os fiéis defuntos, pela infinita bondade e misericórdia de Deus, descansem para sempre na luz de Cristo!

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR) 

 

A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos “irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição”. Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo. 

Hoje há vários formulários de missas que o sacerdote poderá escolher para cada uma das três missas que lhe é de direito celebrar no dia de hoje em sufrágio das almas dos fiéis defuntos. 

O cristão, enquanto peregrina neste mundo, pratica o amor solidário e misericordioso, porque espera e crê na vida sem fim do Reino Eterno de Deus. Está sempre, no entanto, preparado para que, quando seu Senhor, o seu Pastor, aparecer, este lhe conduza para a vida Feliz e sem fim: os prados verdejantes no Reino do Pai.  

Na Primeira leitura – Jó 19, 1.23-27a – Os amigos de Jó tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Jó são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Jó sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Jó afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida. 

Na Segunda leitura – Romanos 5, 5-11 – o homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Jó, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De fato, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como “seus”, e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento. 

No Evangelho – João 6, 37-40 – o centro desta perícope é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte. 

O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade.  

Devemos estar muito ligados espiritualmente na oração pelos nossos mortos: os meus pais, amigos, sacerdotes, bispos, lideranças e leigos que passaram pela minha vida como padre, bispo em Toledo e Arcebispo em Maringá Muitos benfeitores já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram… Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes. 

É muito importante neste dia em que rezamos pelos nossos irmãos falecidos, que nós, que ainda peregrinamos neste vale de lágrimas, tenhamos em mente e no coração que Cristo ressuscitou em primeiro lugar para que depois “os que pertencem a Cristo, por ocasião de sua vinda” alcancem a eternidade feliz. 

Devemos com fé repetir o que professamos no Credo: Eu creio na vida eterna e na comunhão dos santos. Por isso meu estilo de vida deve ser coerente com a fé, a esperança e a caridade de um dia entrar no céu para gozar da bem-aventurança eterna! 

Que as almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz! Amém! 

 

 

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)

 

A Igreja celebra em dias próximos “todos os santos” e “todos os falecidos”. O prefácio da prece eucarística de Todos os Santos reza: “Vós nos concedeis hoje festejar vossa cidade, a Jerusalém do alto, nossa mãe, onde a assembleia dos nossos irmãos e irmãs canta eternamente o vosso louvor. Para esta cidade, peregrinos e guiados pela fé, nos apressamos jubilosos, compartilhando a alegria dos membros mais ilustres da Igreja, que nos concedeis como exemplo e auxílio para a nossa fragilidade”. No prefácio da missa dos fiéis defuntos se reza: “Nele brilha para nós a feliz esperança da ressurreição: e, se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da futura imortalidade. Senhor, para os que creem em vós a vida não é tirada, mas transformada, e desfeita esta morada terrestre, nos é dada uma habitação no céu”. A celebração de Finados nos recorda da nossa condição mortal e a Solenidade de Todos os Santos a finalidade da vida cristã. “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5,48). 

O dia de Finados coloca o drama humano da morte. Ter consciência da finitude e conviver com ela suscita interrogações e a busca de sentido para o viver e o morrer. A sede de infinito pode afastar a reflexão sobre o tema do morrer. “Morrer, nem pensar!” Poucos consideram que viveram o suficiente. Porém, a morte deve ser levada a sério e a reflexão sobre ela deve fazer parte da nossa vida. 

O Dia de Finados é sugestivo porque coloca em pauta o tema para todos. Para este dia, a Igreja motiva a visita aos cemitérios e a participação em celebrações religiosas. Há muitas formas de ver a morte e estas orientações da Igreja apresentam o modo cristão de ver e viver a morte. Visitar e cuidar dos cemitérios é uma atitude de respeito com as pessoas que colaboraram na construção da história familiar, da Igreja, da cidade e da sociedade. Levar a sério a limitação humana, que tem na morte física o limite insuperável, é o melhor convite para valorização, o cuidado e a promoção da vida. É um grito para viver bem e se ocupar daquilo que tem valor de eternidade. 

A Solenidade de Todos os Santos nos faz pensar sobre a pergunta formulada pelo filósofo Maurice Blondel: “Sim ou não, a vida humana tem um sentido e o homem um destino”? A vida dos santos é uma resposta a esta pergunta existencial. Cada um a seu modo, na sua época e nas suas circunstâncias foi respondendo. Se o fato da morte é inerente a vida, isto não significa que a vida não tenha um sentido ou o sentido da vida seja o morrer. O modo cristão de pensar é que o sentido da vida é a busca constante da santidade e o destino é a glória eterna. Quando se analisa a vida dos santos percebe-se claramente que a vida deles não foi medíocre, superficial e indecisa. As santas e os santos amaram a Deus e ao próximo. Toda dedicação ao próximo se alimentava no amor a Deus e na vida de oração. 

Porém, o objetivo da Festa de Todos os Santos é recordar todos os falecidos que estão diante de Deus na eternidade. Na Igreja temos alguns que são reconhecidos oficialmente como santos e são apresentados como modelos e intercessores. A Igreja também crê e anuncia o que diz o livro do Apocalipse 7, 9-10: “Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos, línguas, e que ninguém podia contar. […] Todos proclamavam com voz forte; “A salvação pertence ao nosso Deus”. O convite é fazermos parte, um dia, desta multidão para louvar a grandeza de Deus.