O bispo de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, e membro da Comissão Especial sobre a Mineração e Ecologia Integral, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Vicente de Paula Ferreira,  convida em mensagem por vídeo à mobilização da Campanha Junho Verde, ao cuidado com a Casa Comum e os povos que nela habitam

ARTIGOS DOS BISPOS

Dom Roberto Francisco Ferreria Paz
Bispo de Campos (RJ)

 

Neste ano celebramos o jubileu de ouro do Dia Mundial do Meio Ambiente sugerido na Conferência de Estocolmo. O país anfitrião será a República de Côte d’Ivoire com o apoio dos Países Baixos. O tema escolhido para este cinquentenário terá como foco as soluções para a poluição plástica que se constitui uma ameaça crescente a todos os ecossistemas.  

Neste sentido foi aprovada na quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas (UNEA-5.2) em Nairóbi uma importante resolução para acabar com a poluição plástica, tendo efeito jurídico vinculante até 2024. As estatísticas expressam um verdadeiro grito que brota do fundo do mar, 400 milhões de toneladas de lixo químico despejados por ano.  

Também merecem reflexão e atenção os microplásticos, ou seja, pequenas partículas de plástico de até 5 mm de diâmetro que se ingerem em alimentos, água e ar. Cada pessoa do planeta consome mais de 50.000 partículas de plástico por ano, e muitas mais se a inalação for tomada em conta. Torna-se necessária uma nova economia do plástico e uma erradicação e limpeza profunda do lixo marinho, acompanhando todo o ciclo do plástico. 

No oitavo ano da Encíclica Laudato Si, queremos unir-nos com um coração de cuidadores e guardiães da Terra e das Águas, para preservar a vida, a saúde e a harmonia na Casa Comum. Este empenho como afirma o título só terá uma resposta generosa e criativa reavivando o sonho de Deus sobre toda a Criação, estabelecendo como Noé uma verdadeira Aliança da Vida, com os povos nativos e originários, para respeitar e venerar os desígnios divinos e a comunhão com todos os seres.  

A conversão à simplicidade, ao consumo consciente e sustentável precisa ser assumida por todos os cristãos e pessoas de boa vontade, compromissos firmes já pautados na economia de Francisco e de Clara, caminhos de restauração e cuidado para com nossa amada Casa Comum. Louvado seja Deus! 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

 

A Campanha Junho Verde significa um avanço à Política Nacional de Educação Ambiental, pois contribui para um entendimento cada vez mais qualificado sobre a importância da conservação dos ecossistemas naturais, com a proteção de todos os seres vivos. Instituída a partir da lei federal 14393/2022, a Campanha Junho Verde é iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em diálogo com o Congresso Nacional. A união de todos é fundamental para que seja alcançada a inadiável meta de controlar a poluição e a degradação dos recursos naturais. Sublinhe-se que a lei federal 14393/2022 amplia a responsabilidade do poder público federal, estadual, distrital e municipal, que deve trabalhar em parceria com escolas, universidades, igrejas, empresas, comunidades tradicionais, populações indígenas e outros segmentos para uma necessária reação: urge consolidar novos estilos de vida, em contraponto às ações e opções predatórias em relação ao meio ambiente.  

Evoca-se a importância de lutar para que sejam efetivadas políticas públicas e legislações capazes de barrar a voracidade do extrativismo e enfrentar a hegemonia da lógica do lucro a todo custo. Esse extrativismo e essa lógica deixam consequências terríveis. Por isso, a sociedade precisa investir na consolidação de posturas coerentes com a salvaguarda do meio ambiente, sob pena de sofrer, de modo cada vez mais grave, as consequências de crimes ambientais, que não raramente levam cidadãos e cidadãs à morte. A Campanha Junho Verde é, pois, uma iniciativa educativa e política de especial importância, convocando todos para a adoção de um novo estilo de vida, capaz de preservar a casa comum.  

Na Campanha Junho Verde é observado o conceito de ecologia integral, que sublinha o indissociável vínculo entre a dimensão social e os diferentes desafios ambientais. O conceito de ecologia integral possibilita essa compreensão mais adequada graças às riquezas herdadas da Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, sobre o cuidado com a casa comum. As orientações do Pontífice, ao mesmo tempo que inspiram nova mentalidade para lidar com a natureza, têm força para alavancar mudanças nos cenários sociais. À luz do princípio da ecologia integral, pode-se reconhecer que há, por exemplo, uma relação entre o grave problema da fome que massacra milhões de brasileiros com a predatória mineração que contamina o meio ambiente.  

Tenha-se presente a interpelante afirmação do Papa Francisco, em referência ao planeta Terra: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou”. Assim, é significativo e esperançoso convocar a sociedade, envolvendo órgãos governamentais, para reconhecer os fundamentos da ecologia integral e, consequentemente, buscar reverter dinâmicas que levam ao esgotamento dos recursos naturais. A pauta da ecologia integral não pode ser simplesmente bandeira da militância política e ambiental. Deve ser compromisso também vinculado à autêntica vivência da espiritualidade, pois quem professa a fé cristã deve reagir a tudo que leva à deterioração humana e social. Nesse sentido, a Campanha Junho Verde alimenta reações, com o reconhecimento de que a crise ecológica atual tem raiz humana.  

O Papa Francisco profetiza sobre a existência de um modo desordenado de conhecer a vida e a ação do ser humano. Para constituir, pois, um horizonte luminoso e qualificado é importante acolher, especialmente, as ricas interpelações do capítulo quarto da Carta Encíclica Laudato Si’, que detalha o conceito de ecologia integral, evidenciando o vínculo entre as dimensões ambiental, econômica e social. Ao enfrentar os problemas contemporâneos, deve-se reconhecer que tudo está interligado. O Papa Francisco sublinha a importância de melhor compreender a ecologia da vida cotidiana, ao explicar o que significa um progresso autêntico: investir na melhoria global da qualidade de vida do ser humano. Para isso, são necessários investimentos na construção de diálogos e de políticas públicas.  

A união de todos para a defesa do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento integral pede que cada pessoa assuma a sua responsabilidade na construção de um forte sentido de comunidade. Pede ainda uma especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria terra. Conforme indica o princípio da ecologia integral, é urgente promover transparência e diálogos nos processos decisórios, superando a corrupção motivada pela busca do lucro, que esconde o verdadeiro impacto ambiental de diferentes projetos. Ao lado da adequada abordagem sociopolítica do conceito de ecologia integral, deve estar a dimensão espiritual, fonte que alimenta a solidariedade e permite superar exclusões. Os apelos da Campanha Junho Verde sensibilizam para a necessidade de uma busca comum pela defesa da vida no planeta, um compromisso cidadão e cristão com a justiça social, uma indispensável plataforma para a prática da amizade social. 

 

 

Dom Beto Breis
Bispo de Juazeiro (BA)

 

Encerramos recentemente a Semana Laudato Si’, celebrando o oitavo aniversário da Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da criação. Sua proposta de uma ecologia integral encontra em Francisco de Assis “um modelo belo e motivador”. De fato, os números 10 a 12 desse histórico documento apresentam as características do Poverello que tem inspirado seu pontificado, a começar pela proximidade com os pobres, a escuta atenta de seus clamores e a “o urgente desafio de proteger a nossa casa comum” (13).

A partir de sua profunda e original experiência da paternidade de Deus e de uma vivência surpreendente e inaudita da dimensão horizontal dessa fé, o Assisiense não se colocava acima das outras obras da Criação, mas ao lado delas, consciente de que este planeta é a grande Casa que o Pai terno e amoroso preparou para todos. Compreendia que somos todos irmãos e irmãs nesta casa comum e o ser humano é chamado a ser o representante de Deus no seu cuidado e preservação. Dominar não é antropo-centricamente subjugar todos os seres ao bel-prazer de interesses e ambições desmedidos, mas manter a casa (domus) habitável e acolhedora. Se o Cântico das Criaturas, composto por Francisco já cego dos olhos na proximidade da irmã morte, expressa de forma estupenda essa reconciliação e interação com a natureza, os primeiros biógrafos do Santo atestam como Francisco em todas as criaturas reconhecia as marcas indeléveis do Criador e se confraternizava com todas elas, sem desejo de posse e sem atitude depredatória. O Irmão Universal, que acolhe e reverencia indistintamente a todos a partir dos mais pobres e desprezados, é também o irmão cósmico, que não se define pelo que o diferencia das demais obras geradas pelo Artista Divino, mas pelo que com elas possui em comum, numa grande confraternização.

São Boaventura de Bagnoreggio, um dos seus primeiros biógrafos, chega a afirmar que Francisco reconhecia nas coisas belas o Belo por excelência, a fonte e origem de tudo o que existe nesse espaço vital que é a Terra. Os elementos da natureza tornam-se memória explícita do seu Autor e daí sua contemplação e reverência como possibilidade de comunhão e celebração com Ele. Assim, Boaventura sugere que todos os seres criados são como vestígios que permitem o reconhecimento do Criador.  Essa compreensão franciscana repercutiu fortemente em Giotto (1266-1337), iniciador da linguagem artística ocidental, precursor do Renascimento e bastante ligado aos frades menores de Florença. O primeiro grande ciclo giottesco é justamente o de Assis (Basílica de São Francisco) e nestes afrescos é evidente a conclusão de que o pintor bebeu nas fontes do Pobrezinho e de seus companheiros a percepção absolutamente realista do sagrado e positiva da realidade circundante. Rompendo o rigor do dourado bizantino, a Criação (céu esplendidamente azul, cascatas, árvores, montanhas da verde e bela Úmbria…) passa a ser compreendida como caminho, e não obstáculo para se adentrar no Mistério. Beleza e verdade, sem dualismos, pois tudo o que provém da Fonte da Vida é epifânico e diáfano (manifestação) de sua Bondade e presença.

Recordar Francisco de Assis e sua cortesia neste tempo de mudanças climáticas, de ameaças graves aos direitos dos povos originários com o Marco Temporal, de avanço de ávidas mineradoras em grande parte do território de nosso Regional e outras tantas expressões do descuidado humano com a casa-Terra, pois, é relevante. A propósito, sabe-se hoje que não é possível defender a Amazônia sem defender os seus moradores e habitantes. Os povos originários e populações tradicionais além de guardiões de hábitos e costumes milenares são também grandes defensores das florestas.

Como nosso caro Francisco de Roma, importa deixar-se impactar pelo seu atualíssimo testemunho para sermos também nós profetas da vida e defensores da Criação, num modo radicalmente novo de viver e conviver com os irmãos e irmãs que partilham conosco esse habitat comum ainda tão belo e encantador.

 

 

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