Artigos dos bispos

Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG)

 

 

Para acolher alguém, não basta escutar, mas criar empatia, sentimento de proximidade e comprometimento. Significa gesto de hospitalidade generosa, prontidão. Isto aconteceu com Abraão ao receber, em sua tenda, três visitantes desconhecidos, considerados dignos de acolhida (cf. Gn 18,2-3). Acolher hoje se torna difícil diante de uma cultura que dá muita ênfase às diferenças sociais. 

A capacidade de escutar e, mais importante, de acolher, tem dimensão divina, porque envolve o reconhecimento que a pessoa tem do valor do ser humano. Primeiro, ter que escutar o outro numa situação de fechamento e individualismo próprio da realidade atual. Segundo, no acolher, esbarra-se no preconceito da cultura do medo, de não saber qual a reação que os indivíduos podem apresentar. 

Hoje fala-se mais do que escuta. É através da escuta que a gente consegue entender melhor a identidade do outro, para depois, acolhê-lo sem preconceitos geridos pelo clima dos relacionamentos. Às vezes as pessoas preferem muito mais viver isoladas e envolvidas com seus problemas pessoais. Agindo assim, elas se esquivam das responsabilidades da vida social e de ajuda aos outros. 

Escutar e acolher são gestos profundos de fraternidade, de perfeição cristã, próprio da cultura de inclusão. Mas, a consolidação verdadeira disto depende muito do rompimento com as inúmeras e reais barreiras do individualismo cultural e étnico modernos, que impedem a dimensão comunitária e de proximidade. É importante olhar para a forma de escutar e acolher praticados por Jesus Cristo. 

 O evangelho apresenta um fato bem concreto de escuta e acolhida, quando Jesus visita a casa das irmãs, Marta e Maria. Marta serve nos serviços da casa, numa atitude de profunda hospitalidade. Por outro lado, Maria escuta atentamente a Jesus, que a valoriza na sua escolha daquilo que é central, a Palavra de Deus. Podemos dizer que Marta fez uma escolha, também importante, servir. 

Somos todos motivados a dar atenção, a escutar a Palavra de Sagrada Escritura. Palavra que nos motiva a escolher o que é mais importante, o que ajuda na condução da vida. Entre escuta e escolha deve existir um perfeito equilíbrio, porque a trajetória supõe serviço ao irmão e intimidade com Deus. O excesso nas lidas diárias não pode nos afastar dos compromissos indicados pelo Evangelho. 

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

 

As festas juninas ocupam um lugar especial na tradição religiosa e cultural do povo brasileiro. Celebradas ao longo do mês de junho, elas têm sua origem profundamente enraizada no calendário litúrgico cristão, associando-se às memórias de grandes santos da Igreja: Santo Antônio (13 de junho), São João Batista (24 de junho), e São Pedro e São Paulo (29 de junho). Embora com o tempo tenham adquirido também características folclóricas e regionais, essas festas são, em sua essência, manifestações de fé, de gratidão e de alegria diante da vida, da colheita e da presença de Deus no cotidiano. São festas genuinamente católicas e intrinsicamente ligada aos santos Antônio, João Batista, Pedro e Paulo. Por isso, tempo de renovar nossa fé católica, apostólica e romana! 

Santo Antônio, nascido em Lisboa e falecido em Pádua, é celebrado por seu amor pelos pobres, sua pregação inspirada e sua sabedoria teológica. É tradicionalmente conhecido como o “santo casamenteiro”, o que reflete sua sensibilidade para com as dores e esperanças humanas, especialmente no que diz respeito aos relacionamentos. Já São João Batista, cujo nascimento celebramos em 24 de junho, é o único santo, além da Virgem Maria, cuja natividade é festejada. Ele é o precursor de Cristo, aquele que preparou os caminhos do Senhor. Seu nascimento é sinal de alegria e de cumprimento das promessas divinas. A tradição da fogueira está ligada justamente ao gesto de Isabel, mãe de João, que teria acendido uma fogueira para avisar à prima Maria, mãe de Jesus, que o menino havia nascido. 

No final do mês, neste ano no Brasil precisamente no domingo, dia 29 de junho, celebramos São Pedro e São Paulo, duas colunas da Igreja. Pedro, o humilde pescador escolhido por Jesus para ser o primeiro Papa, é o símbolo da unidade e da fidelidade ao Evangelho. Paulo, o apóstolo dos gentios, representa o ardor missionário e a força transformadora da graça de Deus. Ambos foram mártires, ambos deram a vida por Cristo em Roma, e a celebração conjunta deles lembra que a Igreja é construída sobre a fé de homens falhos, mas transformados pela graça. A solenidade dos dois apóstolos é, portanto, um convite a renovar nossa adesão a Cristo e à missão da Igreja, unindo em um só coração o zelo missionário de Paulo e a firmeza pastoral de Pedro. Nesta Solenidade nós somos chamados a colaborar com o ministério do Papa Leão XIV fazendo a nossa Coleta do Óbolo de São Pedro. E, sobretudo, devemos rezar para que o Papa Leão XIV continue sendo este bom odor de Cristo Ressuscitado na vida da Igreja! 

As festas juninas, com suas fogueiras, comidas típicas, danças e brincadeiras, são expressão viva da religiosidade popular. E é importante reconhecer que essas expressões, quando bem orientadas, não contradizem a fé cristã — pelo contrário, podem ser ocasião privilegiada de evangelização, de comunhão fraterna e de vivência do Evangelho. É bonito ver como muitas paróquias, comunidades e capelas promovem quermesses beneficentes, cujo lucro é revertido para obras de caridade, manutenção de templos, apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade. Nesses momentos, o espírito cristão se revela de forma concreta e próxima do povo. 

Além disso, as festas juninas promovem o encontro entre gerações. Jovens e idosos, famílias inteiras se reúnem para celebrar, cozinhar, montar barracas, preparar os espaços, rezar juntos. Novenas, missas solenes, procissões e bênçãos fazem parte desse tempo, que une o profano e o sagrado de forma saudável. Cabe aos fiéis, especialmente aos agentes de pastoral, animadores e líderes das comunidades, recordar sempre o sentido cristão da festa, sem cair no exagero ou no esvaziamento do significado religioso. 

Celebrar a fé com alegria, simplicidade e espírito comunitário é profundamente cristão. O Evangelho não nos pede uma vida triste ou isolada, mas uma vida que saiba reconhecer os sinais da presença de Deus em cada gesto, em cada tempo, em cada cultura. A festa, quando saudável, é um dom. Estar junto daqueles que amamos, saborear os frutos da terra, louvar a Deus pelas chuvas e pelas colheitas, agradecer pelos santos que nos inspiram: tudo isso pode ser vivido com fé. 

As festas juninas são, assim, uma ponte entre o céu e a terra, entre o altar e o terreiro, entre a Palavra de Deus e as palavras cantadas nas quadrilhas. Que os cristãos saibam participar dessas celebrações sem perder o sentido do sagrado, reconhecendo que a verdadeira alegria é dom do Espírito Santo. E que os exemplos de Santo Antônio, São João Batista, São Pedro e São Paulo nos ajudem a viver com coerência, coragem e esperança a nossa caminhada de fé. Que, com fogueiras acesas nos corações, possamos proclamar a alegria do Evangelho com o mesmo ardor dos santos juninos. 

 

 

Cardeal Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)

 

 

“Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente; precisamos de uma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! Sozinho, corre-se o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é junto que se constroem os sonhos” (Papa Francisco). 

Na tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul em maio de 2024, nos tornamos testemunhas e participantes da, talvez, maior onda de solidariedade da história recente do Brasil. Após aquela tragédia, distintos setores da sociedade manifestaram-se publicamente sobre a necessidade de investimentos para proteger cidades e populações de semelhantes situações. Não faltaram manifestações sobre a liberação de auxílio financeiro ao Estado e aos municípios. Também não faltaram promessas sobre a construção de casas para quem tudo perdeu. 

Passaram-se 13 meses e as chuvas voltaram intensas! Desabrigados; estradas e pontes destruídas! Novamente, os mesmos discursos: “choveu acima da média”; “infelizmente, não se pode prever este tipo de situação”; “estamos empenhados em ir ao encontro de quem necessita de auxílio”. Certamente, tais observações têm sua razão de ser. No entanto, há de se reconhecer: o tempo urge. A burocracia, a morosidade e, talvez, a falta de transparência em alguns setores colaboram para a morosidade diante do que necessita ser feito. 

Até um passado não muito distante, se falava da “sociedade do cansaço”. Atualmente, se fala da “sociedade do medo”! De fato, não faltam sinais de que o medo está presente em amplos setores da sociedade. E são, sobretudo, os mais pobres que sentem no cotidiano tal situação. Não bastasse a falta de trabalho, segurança, transporte digno, acesso à educação com qualidade, agora, mais uma vez, o medo de que a natureza produza nova tragédia. 

“A natureza chora dores de parto”, afirma S. Paulo. Cientistas de distintos países têm alertado para a necessidade de atenção particular para com o meio ambiente. Não faltam expressões da sociedade – também da comunidade de fé! – que negam a necessidade de respeito, cuidado e promoção do meio ambiente. Expoentes da fé cristã – e, de modo especial, o Papa Francisco! – se fizeram voz das lágrimas da natureza. Os discípulos e discípulos do Homem de Nazaré têm a missão de cuidar, promover e proteger a Casa Comum. Ela é obra divina! Não basta se lamentar do acontecido ou do modo de proceder do poder público. Urge que cada um colabore para deixar o mundo um pouco melhor para as futuras gerações. A colaboração passa por atitudes como, por exemplo, seleção do lixo, cuidado para manter ruas, esgotos, arroios e bueiros limpos. Pode parecer pouco; no entanto, se cada um se empenhar por colaborar, todos certamente poderemos sonhar com dias melhores.