Artigos dos bispos

Dom Carmo João Rhoden 
Bispo Emérito de Taubaté (SP) 

 

Texto referencial: Tu me amas mais do que estes? Tu, sabes que te amo.  

(Jo 21,15-16.18). 

 

1-Adeus, Papa Francisco, e eterno agradecimento, por tudo o que fizeste, pelo rebanho do sumo e eterno Pastor, Jesus Cristo, o qual a teus cuidados pastorais o confiou.  

2-Pedro, de quem fostes um dos sucessores, bem como de todos os apóstolos, certamente te receberam felizes, pois procuraste cuidar, carinhosamente do rebanho e que a outro agora passará.  

3-Olhaste para o alto, para receberes as luzes necessárias para a condução do rebanho do Senhor. Olhaste para frente, pois, por ali passa a esperança do futuro. Olhaste, para dentro de ti mesmo e percebeste a necessidade da conversão e a urgiste de todos e começando contigo. 

4-Como Jesus, fostes ao encontro dos mais fragilizados, defendestes seus direitos, clamando por justiça, sem esquecer também a necessidade da solidariedade humana. 

5-Como Francisco de Assis, defendeste a natureza obra de Deus e presente à humanidade, pois sem ela, esta não pode viver, pois não haveria verdadeiro futuro.  

6-Como Pedro e junto dele, te suplicamos que continues a zelar pelo rebanho que já foi teu e agora passará para outro. Sabendo que o Pai celeste tem mais a dar, do que nós podemos almejar, desejamos-te a visão beatifica da Trindade e assim a felicidade sem fim. Até nosso encontro, na casa do Pai. 

 

 

 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

 

Gratidão é o sentimento nobre que reluz dentro do luto vivido pela Igreja Católica com a morte do Papa Francisco. Uma luz alimentada pelas alegrias pascais advindas da ressurreição de Jesus, o único vencedor da morte. Gratidão que fecunda as raízes da “árvore Igreja”, para torná-la, na sua floração e nos seus frutos, servidora e hospitaleira, misericordiosa e dialogal, “em saída”. Papa Francisco, em 12 anos de pontificado, pela singularidade de sua missão, vivida com a marca da simplicidade, enraizou ainda mais a Igreja de Cristo nos sabores do Evangelho. Sua simplicidade no jeito de se vestir, na escolha do lugar onde morar, no estilo de vida e, sobretudo, no modo direto de relacionar-se, ampliou a Igreja como uma grande praça de acolhimento, com lugar para todos. Uma postura simples e acolhedora tendo o amor preferencial pelos pobres, marginalizados e migrantes como cláusula intocável, tornando ainda mais evidentes as normas que orientam a vida dos verdadeiros discípulos e discípulas de Jesus.  

Desde o início de sua missão, como sucessor do apóstolo Pedro, bispo de Roma, de modo coerente com as outras etapas de sua vida, Papa Francisco buscou contribuir para realizar o sonho de uma Igreja cada vez mais simples e voltada para os pobres. Tornou-se referência mundial, consagrado como o Papa dos pobres – o Francisco do terceiro milênio. No início de seu pontificado, ao apresentar-se como Francisco, foi além da adoção de um novo nome. Assumiu um programa de vida, compreendendo-a como oblação, especialmente aos pobres. Suas ações contribuíram para fortalecer sempre mais o entendimento de que a dedicação aos pobres é comprovação de fidelidade ao Evangelho, possibilitando ao ser humano inserir-se na missão de Cristo. A vivência da fé cristã exige a coragem profética de estar com os pobres, ao lado deles. E a coragem profética do Papa Francisco continuará a interpelar, podendo incomodar alguns, mas sem a possibilidade de retrocessos. Foi o próprio Jesus que ensinou: tudo o que se fizer aos pobres, a Ele se está fazendo.  

Francisco, sempre olhando a vida a partir dos pobres, tornou-se reconhecido arauto da paz mundial, lamentavelmente não ouvido por poderosos que permanecem arraigados nos seus propósitos de dominação. Pessoas que apostam em forças bélicas, promovem a destruição de vidas, alimentam guerras. Tantas vezes o Papa Francisco alertou que o mundo vive uma “terceira guerra mundial – uma guerra em pedaços”. Seu pontificado intensificou singularmente o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo, tão plural, inspirando o desafio missionário, exigente, de marcar a sociedade com o sabor do Evangelho. Não foram poucas as incompreensões enfrentadas pelo Papa Francisco, expressas nos ataques dos que preferem a Igreja confinada nas sacristias. O Pontífice exerceu com fidelidade a sua missão. Um caminho que confirmou o compromisso evangélico da Igreja com a casa comum, atitude daqueles que verdadeiramente respeitam Deus – o Criador de todas as coisas. Inaugurou, assim, um ciclo novo de profecias e indicações concretas no horizonte da ecologia integral por meio de ensinamentos e argumentações clarividentes e interpelativas.  

Na sua maestria, o Papa Francisco foi voz forte da Igreja em muitas mesas de debate e de diálogos, sem perder a sua simplicidade e proximidade. Seu jeito de ser sempre foi o diferencial de sua autoridade, com força incidente em diferentes campos – político, cultural, econômico, tecnológico e tantos outros. Francisco emoldurou tudo na essencialidade do Evangelho, sem ostentar poderio, buscando acolher e incluir todas as pessoas. Uma conduta que se contrasta com os formalismos tão presentes no exercício do poder. Por isso, a voz do Papa sempre interpelou desde os poderosos até os mais pobres, conduzindo a Igreja a um tempo novo, ainda não claro para muitos, mas com sendas traçadas nos parâmetros de um novo humanismo, ancorado no tesouro inesgotável dos ensinamentos e da doutrina social da Igreja.  

São largos e interpelantes os horizontes desenhados no pontificado de Francisco, guiando a Igreja nos indispensáveis caminhos da sinodalidade, pelas dinâmicas da comunhão e da participação. As heranças de seu pontificado contemplam investimentos em temas muito relevantes, a exemplo do papel participativo e decisório da mulher na Igreja. O vasto e rico ensinamento nascido do magistério oficial de Francisco ajudam a Igreja na busca por respostas novas – capazes de auxiliar a humanidade na construção de um novo tempo. Ao mesmo tempo, sua espontaneidade na convivência com os mais simples, com expressões que se popularizaram, fortaleceram a sua semeadura exitosa no coração de tantos. Suas catequeses balizaram a espiritualidade na configuração moral da conduta cristã, onde não cabem discriminações, preconceitos e exclusões, de nenhum tipo.  

Na contramão de posturas hieráticas e faustosas, o Papa Francisco implantou posturas que revelam mais proficuamente o amor de Deus – Deus é simples, como professam os místicos. A simplicidade e a naturalidade de Francisco desconcertaram muita gente pretensiosa e “cheia de si” – pessoas que direcionaram protestos e falas desrespeitosas ao Pontífice. Mas o caminho firmado pelo Papa é sem volta: trata-se de modo eficaz para que a Igreja cumpra com fidelidade a sua missão evangelizadora no mundo, a caminho do reino de Deus. 

A diminuição da força física levou a termo o ciclo da vida terrena do Pontífice, como é da ordem natural da condição humana. Ecoam, no entanto, de maneira forte, rompendo o silêncio pétreo da morte, os ensinamentos e os gestos de Francisco, qualificado e exemplar peregrino de esperança, sinal de fecundidade da Igreja, desafiada a continuar a sua peregrinação. Ao avançar em seu caminho, a Igreja se fortalece a partir da lembrança, da fidelidade e do respeito àquele que foi sucessor do Apóstolo Pedro. Por tudo e por tanto, agradecido, Papa Francisco! 

 

Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

 

Eu estava em Roma naquela tarde fria e chuvosa de outono. Era o dia 13 de março de 2013. No fim da tarde, saindo de uma palestra, atravessei a Praça de São Pedro lotada de fiéis e curiosos, deixei algumas cartas no correio do Vaticano e voltei para casa. O Padre Edmund, já abrindo a porta para sair, anunciou que o Conclave havia eleito um novo Papa. Todos os outros quatro colegas já haviam saído para receber o anúncio ao vivo… 

Eu não tinha muitas expectativas, e permaneci em casa sozinho. Foram quase duas horas de espera até o anúncio se tornar público e o novo Papa aparecer na sacada da Basílica. Fiquei surpreso quando foi anunciado que Dom Jorge Mário Cardeal Bergóglio era o nome escolhido. A surpresa foi ainda maior, agora recheada de esperança e expectativa, quando ouvi que escolhera o nome de Francisco. 

Os breves minutos que se seguiram me levaram às lágrimas. Um Papa que se apresenta como Bispo de Roma, “pescado” pelos “irmãos cardeais” no “fim do mundo”, que se inclina e pede ao povo cristão oração e bênção, que termina suas alocuções desejando “boa noite” e “bom almoço” e que deseja se inspirar no “Pobre de Assis” não é algo trivial, nem costuma ocorrer amiúde. Perguntava-me se isso tudo era verdade ou era um sonho. 

Passados doze anos – um tempo curto para uma instituição bimilenar como a Igreja católica – posso testemunhar que foi um sonho, sim. Mas foi um sonho que começou a se realizar, uma semente que germinou e lançou tenras e frágeis raízes que precisam ser cuidadas. Sonho de uma Igreja simples e radicalmente cristã, em dia com os tempos, parceira dos pobres e das vítimas, alegre no testemunho e ousada nos compromissos. 

O que se insinuou e eu vislumbrei naquela noite romana de outono não foi um “sonho de verão”. A imagem de um líder religioso mundial no corpo de um idoso fragilizado, em vestes civis e cadeira de rodas que o mundo viu a alguns dias não nos acordou de um sonho, mas nos permitiu tocar o seu realismo. Ali estava um irmão da humanidade, próximo e vizinho, pequeno e grande, como todos desejamos ser. 

O sonho não acabou, ele se tornou semente e legado entregue aos homens e mulheres de boa vontade, sem diferença de nação, de idade, de credo ou de condição social. Que nossas instituições, agregações e organizações sejam enfermarias de campanha, largas e frágeis tendas capazes de acolher e cuidar de todas as vítimas. E que não sejam empreendimentos que lucram com as catástrofes, com a indiferença e com a violência. 

Que este sonho continue em projetos e empreendimentos que fascinam e engajam na construção de pontes e não de muros. Que nossa vida não seja tempo que passa, mas tempo de encontro. Que os homens e mulheres não sejam lobos uns dos outros, mas todos irmãos e irmãs. Que o planeta seja uma casa comum que cuidamos como à nossa mãe, e não um quintal entulhado de dejetos de uma vida feia e de lutas fratricidas.  

E, ainda mais: que nossas relações familiares sejam expressão da alegria do amor, e não de vínculos superficiais, cinzentos e dominadores; que nossas Igrejas não se afoguem em narcisismos doentios, caminhem em saída às periferias, peregrinem na esperança e não no medo, “sujem as mãos” nas causas humanitárias mais urgentes. E que ninguém tema atravessar as noites escuras do nosso tempo com os olhos fixos em Jesus de Nazaré.