Artigos dos bispos

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

 

Aprender a cultivar esperança é nobre propósito do Ano Jubilar 2025, promovido pela Igreja Católica no mundo inteiro. Meta existencial muito importante quando se considera que é essencial reconhecer o sentido da vida, para vivê-la como dádiva de Deus. Uma dádiva a ser desdobrada em dom para o semelhante, alicerce de uma cidadania qualificada com força para oferecer contribuições civilizatórias e, assim, ajudar a mudar o mundo, superando a violência e a exclusão social. Investir no aprendizado da esperança é meta que não pode ser simplesmente emoldurada pela procura por êxitos, pois corre-se o risco de se encontrar frustrações. É preciso cultivar a necessária resiliência espiritual, para vencer qualquer sentimento de desencanto e se fortalecer na batalha pelo bem. Aprender a cultivar a esperança é, pois, dinâmica de humanização, indispensável para não se correr o risco de reduzir as próprias motivações aos números que traduzem lucros. A arte de esperar tem um alcance muito além da busca por posses ou bens que, sozinhos, não garantem sentido ou razão ao viver.  Vive-se por meio de pequenas e grandes esperanças, que alimentam cada peregrino em sua caminhada.  

Importa alimentar-se da grande esperança, que supera as demais e as alimenta, aquela que não deixa o ser humano cair. Trata-se de força que conduz a uma nobreza que dignifica o viver. A grande esperança é Deus, o único que pode dar ao ser humano a vida plena, aquela que não passa. Sem a esperança maior, todas as outras se reduzem à fugacidade do tempo, que passa velozmente, revelando que cargos, títulos ou conquistas têm importância relativa. Requer-se a competência humana e espiritual para compreender que a vida é dom de Deus, precedendo tudo que se pode conquistar em termos de bens, patrimônios ou oportunidades. E o Deus que dá a vida como dom não é um Deus qualquer, tem rosto humano. A esperança maior, que vem do amor de Deus, tem em Cristo Jesus a sua fonte mais visível. Onde Jesus é amado alimenta-se a esperança. Trata-se do lugar onde se aprende a cultivar a esperança que não decepciona, qualificando o viver humano para libertá-lo da mesquinhez e dos estreitamentos que aprisionam a generosidade solidária. 

No caminho para aprender a cultivar esperança, vale acolher as preciosas indicações do Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica sobre a esperança que salva. Bento XVI aponta a oração como privilegiado exercício para fortalecer a esperança, experiência incontestável para reconhecer que Deus escuta os clamores dos orantes – aqueles que jamais estão sozinhos. A Carta Encíclica lembra o testemunho do cardeal vietnamita Van Thuan, nos seus 13 anos de prisão, dos quais nove vividos em uma minúscula solitária. O Cardeal alimentou uma fonte crescente de esperança pela oração. Quando libertado, se tornou testemunha da esperança. A oração alarga o coração para viver de modo coerente com a grandiosidade relativa à criação do ser humano. O diálogo com Deus, pela oração, acende a luz da esperança, sem ilusões ou fantasias, elevando a alma orante a uma condição que, humanamente, é impossível alcançar. Assim, a oração faz brotar a esperança que não ilude, purificando o ser humano de fantasias e egoísmos mesquinhos, a partir do diálogo com Deus.  

A esperança fidedigna que nasce da oração, pessoal e comunitária, alimenta corações e confere habilidades essenciais aos peregrinos de esperança. As preces ajudam, inclusive, a fortalecer a esperança nas situações marcadas por sofrimento, ajudando a enfrentar a desilusão do cansaço ou os arroubos dos fanatismos. A esperança conquistada a partir do diálogo com Deus oferece equilíbrio à travessia de diferentes momentos históricos, possibilita reconfigurar a política, qualificando o exercício da cidadania, a partir do poder indestrutível do amor. Mesmo quando as circunstâncias são desfavoráveis, ainda que sejam enfrentados fracassos ou contradições comuns à vida, a esperança maior não deixa o ser humano desistir, possibilitando-o encontrar sentido no sofrimento e, assim, vencê-lo, tornando-o força redentora.  

O sofrimento natural da finitude humana converte-se em força de redenção quando vivido no horizonte da esperança maior, alicerçando o compromisso de se buscar superar os sofrimentos dos inocentes e vulneráveis. A esperança fortalece aqueles que tem fé tornando-os instrumento na construção de novos caminhos, que levam ao bem, a partir da sabedoria que vem de uma fonte inigualável: Deus. Assim, o peregrino de esperança conquista uma força que é poeticamente apresentada por Thiago de Mello, na sua poesia Memória da Esperança: “Na fogueira do que faço por amor me queimo inteiro. Mas simultâneo renasço para ser barro do sonho e artesão do que serei. Do tempo que me devora me nasce a fome de ser. Minha força vem da frágil flor ferida que se entreabre resgatada pelo orvalho da vida que já vivi”. Força interior daqueles que buscam aprender a esperança.     

 

 

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)  

 

 

Nós seguiremos em todo o País, logo mais, a Campanha da Fraternidade 2025 que colocará como lema a beleza da criação proveniente das mãos do Criador. “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31) diz respeito à nota máxima do Senhor porque tudo foi modelado em ordem dada por Ele. O ser humano foi criado dentre as criaturas por Deus, como sua imagem e semelhança (Gn 1,26). É importante ver estas noções em Santo Atanásio de Alexandria, bispo no século IV uma vez que exaltou a criação do Senhor e como este ponto é fundamental em ligação com a nossa Campanha da Fraternidade 2025, assumida pela Igreja no Brasil e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.  

O Criador com o Verbo

Santo Atanásio afirmou que o Pai clementíssimo do Senhor Jesus, como ótimo Criador do universo, tudo governou, e fez conveniente o que pareceu justo, pela sua sabedoria e por seu Verbo, Cristo Jesus nosso Senhor e Salvador1. Ele criou as coisas de uma forma bonita, por isso a Escritura diz que Ele viu que tudo era muito bom (cf. Gn 1,31). Deus o quis assim de modo que nenhuma pessoa duvidasse da bondade do Senhor e do modo como Ele criou as coisas como dom divino para toda a humanidade. 

O mundo foi criado com razão

O bispo de Alexandria afirmou também que o mundo foi criado de uma forma racional, com razão, sabedoria, ciência e foi adornado de toda a beleza, de tal forma que a pessoa que contempla a criação chegue a afirmar que o que presidiu e organizou o universo é Deus, através do seu Verbo2. O mundo foi criado na ordem do Senhor e na sua beleza, para que os seres humanos usassem de seu poder não como dominação, mas como serviço.  

O Verbo criador

Santo Atanásio disse que o Verbo é criador, com o Pai e o Espírito Santo, superando a todas as criaturas, mesmo que pela encarnação Ele se tornasse uma criatura para nos livrar do pecado, do egoísmo e da morte. O verbo não se trataria de uma palavra no meio de outras palavras, significados, mas do próprio Verbo de Deus bom do universo, o próprio Deus vivendo e agindo, diferindo de todos os seres criados e de toda a criação. Ele é o único Verbo do Pai bom, e que organizou o universo e o aclarou pela sua providência.

O poder de Deus

Outro elemento importante na colocação da beleza e na ordem das coisas criadas pelo Verbo do Pai bom, segundo Atanásio é que Ele é o poder de Deus e sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,24), fazendo girar o céu, suspendendo a terra e sem que ela assente em alguma coisa. No entanto Ele a mantém pela sua própria vontade. Através de sua luz, o sol ilumina a terra e a lua recebe a medida de sua luz; a terra se cobre de uma forma de cabeleira verdejante com todas as espécies de árvores e de plantações.

Tudo subsiste pelo Verbo de Deus 

Santo Atanásio afirmou que é impossível duvidar da presença de Deus na criação seja quem for, animal, vegetal e humana. Tudo o que se vê, subsiste pelo Verbo e Sabedoria de Deus, e que nada do que existe continuaria a existir, se não fosse feito pelo Verbo divino5, segunda Pessoa da Santíssima Trindade. 

A natureza das coisas criadas 

A natureza das coisas criadas veio do nada, sendo mortal e no entanto elas se tornaram bonitas pelo Deus do Universo que é por natureza bom e excelente, e também criaram-se os seres humanos. O ser divino que é Deus sendo bom como diz a Palavra de Deus mostra a todos o seu amor. Tudo foi criado pelo Verbo eterno e dado o ser à criação, não o abandonando pelas suas flutuações, mas pela sua bondade, pelo seu Verbo que é Deis que também governa e mantém toda a criação6 

A manifestação em todas coisas

A ecologia integral, termo dos tempos modernos, e muito presente no magistério do Papa Francisco pelo respeito e amor à criação, coloca a importância da interligação de todas as coisas, dos seres vivos, animais e humanos com o Criador. Santo Atanásio tinha presente que o Verbo santo do Pai, absolutamente perfeito, manifesta-se em todas as coisas e ostenta em toda a parte o seu poder, que ilumina as coisas visíveis e invisíveis, que as contém, e as reúne nele; guarda as coisas e por toda parte, cada uma de uma forma isolada e em todo o universo de uma forma conjunta. O Senhor mantém a harmonia das coisas, fazendo com que os seres não lutem contra eles mesmos mas se reúnem como amigos, amigas, irmãos e irmãs.

O Verbo estava junto de Deus

Esta harmonia integral, de beleza das criaturas e dos seres humanos fundamentava-se segundo o bispo de Alexandria, na palavra do evangelista João que disse: “No começo era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito” (Jo 1,1-3). Santo Atanásio viu uma harmonia no universo, como se fosse uma melodia, pela Sabedoria de Deus aproximando os seres que estão no ar dos que estão sobre a terra, e dos que estão nos céus dos que estão no ar, conduzindo tudo pela sua vontade, ao produzir na beleza e harmonia um mundo único e uma só ordem do mundo pelo Verbo do Pai segundo o que lhe agrada. Todos os seres segundo a sua natureza, obtém do Verbo de Deus a vida, a substância e Ele realiza uma harmonia admirável e divina.

O Senhor Deus fez todas as coisas de modo que tudo foi feito bem pelas mãos de Deus Pai Criador, pelo seu Filho, o Verbo do Pai e pelo Espírito Santo, Deus Uno e Trino. A Campanha da Fraternidade 2025 traz um tema bonito, que deve ser assumido por toda a Igreja: Fraternidade e Ecologia Integral. Ela visa nos tempos da Quaresma a conversão integral, tendo presente o grito dos pobres e da terra, por vida, paz e amor. Santo Atanásio nos colocou a beleza e cuidado com a criação pelo Verbo de Deus.

Dom José Gislon
Bispo de Caxias do Sul (RS)

 

Estimados irmãos e irmãs em Cristo Jesus! Como povo de Deus a caminho da casa do Pai, estamos celebrando o “Jubileu da Esperança” neste ano de 2025. É um tempo especial em que cada um de nós, individualmente e em comunidade, é convidado a refletir sobre a vida espiritual, a comunhão com o Senhor e o compromisso com os irmãos na comunidade como manifestação concreta da vida de fé. 

Queremos, em sintonia com toda a Igreja, viver intensamente este tempo de peregrinação e conversão como um momento especial para a nossa vida espiritual, redescobrindo os valores de uma fé que se alimenta na Palavra de Deus e na Eucaristia.  

É importante que os jovens sejam valorizados e encontrem, em todas as comunidades da Igreja, uma acolhida que os ajude a expressar sua fé e possam ser protagonistas da esperança, de um novo despertar da fé pessoal e comunitária. Por isso, não basta abrirmos as portas do espaço físico que temos nas nossas comunidades; é preciso também abrir os braços e o coração para acolhermos os jovens, que buscam e querem encontrar-se com Jesus Cristo. 

Negar, ignorar ou não acreditar que os jovens também têm sede de Deus, é não ter esperança no amanhã, pois eles serão, como profissionais ou pais e mães de família, os protagonistas da nossa sociedade e das nossas comunidades num futuro próximo.  

São João Bosco, que dedicou toda a sua vida ao cuidado dos jovens, dizia que “A primeira felicidade de um jovem é saber que é amado”. Não ajudamos nossos jovens descobrir o amor e a ternura de Deus Pai, que se manifestou a nós através de Jesus Cristo crucificado, se nós não os acolhermos e os amarmos como são: jovens e em busca de uma sociedade mais justa e solidária, que lhes dê o direito de viverem a vida como dom de Deus. 

Como “peregrinos da esperança” devemos renovar a nossa adesão ao Evangelho e no seguimento de Jesus Cristo, a cada manhã, a cada momento, como os primeiros discípulos às margens do mar da Galileia. Precisamos compreender a cada dia que seguir Jesus Cristo é descobrir e encontrar nos outros a presença do amor de Deus, tendo presente que, se na vida não buscamos o Deus de Jesus Cristo, será impossível anunciar um Deus verdadeiro, que é Pai misericordioso e fiel para todas as pessoas que encontramos.  

Viver como discípulo de Jesus Cristo é ser um peregrino da esperança, que está sempre em busca da estrada que leva ao encontro do Senhor, e quando o encontra, não deixa de caminhar com ele, porque sabe que Ele é o caminho a verdade e a vida que conduz ao Pai. Por isso, é importante esse começar a cada dia, contando com a graça de Deus. Quando fecho o meu coração numa vida de autossuficiência, como cristão perfeito que não precisa mais nem ouvir a palavra de Deus, nem participar dos sacramentos ou da vida da comunidade, é um sinal de que não sou mais discípulo e preciso colocar-me novamente a caminho, com esperança renovada, para encontrar-me com o Senhor e Salvador da minha vida.