Artigos dos bispos

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

 

 

A compreensão de que a sinodalidade deveria permear o caminho da Igreja no início da segunda década do nosso milênio, surgiu no coração do Papa Francisco como um impulso para catapultar a humanidade para fora da agonia que paralisou o mundo causada pela pandemia do Covid 19. 

Assim, em 2021, o Papa propôs que nos recolocássemos novamente em movimento. Infelizmente a Pandemia se estendeu por mais tempo que o previsto, e o movimento teve que ser retardado, as ideias amadurecidas e a missão gestada para um futuro próximo. 

Agora, em outubro de 2024, a etapa que reúne os delegados sinodais em Roma, surge como a conclusão que dará as coordenadas para elaboração de um documento orientativo para a Missão da Igreja no mundo. 

Vale a pena lembrar que o passado distante da Pandemia parece já não nos tocar mais. Daquele tempo lembramos apenas que o álcool gel serve para higienizar as mãos. Aprendemos muito pouco sobre nossas fragilidades e interdependência. De lá até agora, as questões ambientais se fizeram sentir com ainda mais força. Gritaram com um grito ensurdecedor que cobrariam o seu preço. Muitas das questões pouco alentadoras com relação ao clima foram antecipadas, e, até as posições mais pessimistas do início do século XXI, tornaram-se excessivamente otimistas em nossos dias. 

As soluções apresentadas parecem pouco promissoras. Pois, ao considerar que o sistema de produção e consumo, é, hoje em dia, um dilema para o equilíbrio do mundo, a quase totalidade das respostas apontam para mais produção e consumo, deslocando uma única vírgula para alterar o valor do enunciado, mas sem modificar algoritmo. Assim, frente a produção de carros, propõe-se o carro elétrico, mas desconsidera-se que o projeto de construção de um carro continua o mesmo. É isso que chamo deslocar a vírgula sem alterar o algoritmo. Essa questão tem se estendido universalmente nas soluções propostas. 

Por outro lado, quando as nações perdem a força criativa de olhar para frente e moldar o mundo, tendem a olharem para trás e a sonharem com tipos de governos que já falharam no passado, mas que se reapresentam como perspectiva de futuro. O próprio futuro parece ter sido esquecido nesse método de ação, e a orientar as escolhas não é mais a decisão entre bom e ótimo; nem entre o bom e o ruim; mas, como disse o próprio Papa recentemente, é escolha entre o mal e o mal menor. Essa questão se agrava quando até mesmo a decisão entre o ruim e o péssimo perde o toque de objetividade na consciência do cidadão. 

A igreja não se afasta da mentalidade média desse povo. Ela caminha neste mundo, e neste mundo deve encontrar saídas. É comum o discurso de acadêmicos e analistas de pesquisas asseverarem que a Igreja ficou mais conservadora e mais ritualista, o que é verdade! Entretanto, tentar separar a Igreja do mundo, como se sua existência fosse só sua, é algo bastante pueril e pouco objetivo, pois a Igreja e os jovens da Igreja estão no mundo. Não a considerar como tal é descontextualizar a realidade num horizonte de críticas rasas. 

No mundo a Igreja continua e no mundo deve mostrar saídas e soluções. A missão agora é diferente de outros tempos, não se trata mais de uma apologética para ilustrar os princípios da fé. Trata-se de demonstrar o que se tem feito ao longo do tempo, apresentar uma proposta sólida, pautada e acolhida no testemunho daqueles que acreditam no futuro. 

A crença no futuro, aparece assim, no horizonte de toda a Igreja. Reconstruir a possibilidade de um futuro humano e harmônico é uma tarefa inadiável. O ideário necessita ser preenchido por questões que ainda não estão na mesa, mas que precisam ser postas e acolhidas. A missão é pela constituição de um diálogo que tenha as muitas partes dispostas a ouvir e a falar. 

Entretanto, apenas falar e ouvir não produz resultado algum. A nossa palavra é mera conversão de imagens, apenas Deus tem Palavra que cria. O envolvimento institucional para efetivar as palavras ditas, principalmente quando elas surgirem como novidade, é o que abre o futuro e renova a esperança. 

O mundo está num contexto em que a esperança é urgente. O futura precisa ser abreviado mais uma vez, e o binômio falar e ouvir, carece ser transformado em uma tríade: falar, ouvir e executar. É por isso que acolhemos a sinodalidade e aguardamos com esperança as suas conclusões. Que sejam norteadoras e decisivas, capazes de produzir no mundo o desejo de ser e fazer discípulos para Cristo e para um mundo que ainda está por vir. 

 

 

Dom Anuar Battisti
Arcebispo emérito de Maringá (PR)

 

 

Mês Missionário 2024: “com a força do Espírito, testemunhas de Cristo”

O Mês Missionário de 2024, celebrado em outubro, traz o tema inspirador: “Com a força do Espírito, testemunhas de Cristo”. Este tema nos chama a refletir sobre o papel central do Espírito Santo na vida missionária da Igreja e a nossa vocação de ser testemunhas vivas do Evangelho de Cristo no mundo. O mês missionário é uma oportunidade especial para aprofundarmos o chamado de todos os batizados a viver e proclamar a fé, permitindo que o Espírito Santo nos guie nessa missão de evangelização. 

Desde o início, a Igreja é essencialmente missionária. A missão de evangelizar e levar a Boa Nova de Jesus Cristo a todas as nações foi confiada por Ele aos seus discípulos antes de sua ascensão: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos” (Mt 28,19). Essa missão continua sendo o coração da identidade da Igreja, que, através de cada um de seus membros, deve ser um sinal visível da presença de Cristo no mundo. 

O tema do Mês Missionário 2024 destaca que não estamos sozinhos nessa tarefa: “Com a força do Espírito”. É o Espírito Santo quem anima e fortalece os cristãos em sua missão de testemunhar o amor de Deus e a salvação em Cristo. Sem a força do Espírito, nossa missão seria impossível. Ele é o protagonista da evangelização, como ficou claro no Pentecostes, quando os apóstolos, antes temerosos e inseguros, foram transformados em corajosos pregadores do Evangelho. 

O Espírito Santo é o grande impulsionador da missão da Igreja. No Pentecostes, Ele desceu sobre os apóstolos em forma de línguas de fogo, dando-lhes coragem, sabedoria e a capacidade de proclamar a Palavra de Deus com ousadia (At 2,1-4). O mesmo Espírito continua a agir na Igreja hoje, concedendo aos fiéis os dons necessários para anunciar Cristo em todas as culturas e contextos. 

A missão de testemunhar Cristo não se limita aos missionários que vão para terras distantes. Todos os cristãos, em virtude do batismo e da confirmação, são chamados a ser missionários em suas próprias realidades. Isso pode acontecer na família, no trabalho, na comunidade local, entre amigos e até mesmo nas redes sociais. Somos chamados a viver e testemunhar a fé, sendo sinais visíveis do amor de Cristo para os outros, sempre confiando na força e na orientação do Espírito Santo. 

Ser “testemunha de Cristo” é mais do que pregar com palavras; é viver de maneira que nossas ações e escolhas revelem o amor de Deus. O verdadeiro testemunho cristão se dá na coerência de vida e na disposição de servir ao próximo, especialmente os mais pobres e marginalizados. É um testemunho que desafia as injustiças, promove a paz e a dignidade humana, e busca construir uma sociedade mais fraterna e solidária. 

Jesus Cristo nos deu o exemplo supremo de testemunho. Sua vida foi marcada pelo amor, pela compaixão e pela doação total em favor dos outros. Da mesma forma, somos chamados a seguir seus passos, sendo testemunhas do seu amor e da sua misericórdia no mundo. Isso pode se manifestar em ações concretas de solidariedade, acolhimento e promoção da dignidade humana, especialmente dos mais vulneráveis. 

O Mês Missionário é um tempo privilegiado para refletirmos sobre o chamado missionário da Igreja e nosso papel individual na missão de evangelizar. É também um convite à oração mais intensa, pedindo ao Espírito Santo que renove em nós a força e a coragem para sermos verdadeiros missionários. 

Durante o mês de outubro, muitas paróquias e comunidades promovem iniciativas missionárias, como visitas às famílias, atividades de caridade e evangelização, encontros de oração e momentos de formação sobre o espírito missionário. São oportunidades valiosas para que todos possam participar ativamente na missão da Igreja, reconhecendo que cada batizado é chamado a ser uma testemunha de Cristo. 

A missão começa na oração. Assim como os apóstolos esperaram o Espírito Santo em oração, somos chamados a buscar essa força diariamente. Sem a oração, a missão se torna apenas uma atividade humana; mas quando oramos, estamos nos abrindo à ação transformadora do Espírito. Ele nos conduz, nos inspira e nos dá palavras para anunciar o Evangelho com verdade e amor. 

A oração missionária deve nos mover à ação. O verdadeiro missionário não é apenas alguém que fala sobre Cristo, mas alguém que vive o Evangelho no cotidiano, mostrando, por meio de suas atitudes, o amor e a misericórdia de Deus. Nossa vida diária, com suas alegrias e desafios, é o campo de missão onde somos chamados a ser luz para o mundo. 

O Mês Missionário de 2024 nos desafia a reavivar nossa fé e renovar nosso compromisso de sermos discípulos e missionários de Cristo. A missão não é opcional, nem exclusiva de alguns. É uma responsabilidade de todos os batizados, em todos os momentos e lugares. E para essa missão, Deus não nos deixa sozinhos. Ele nos dá o seu Espírito, que nos fortalece, nos guia e nos capacita a sermos testemunhas autênticas do seu amor. 

Que neste mês missionário, possamos nos abrir à ação do Espírito Santo em nossas vidas, permitindo que Ele nos conduza e nos torne verdadeiras testemunhas de Cristo, onde quer que estejamos. Com a força do Espírito, podemos fazer a diferença, levando a luz de Cristo a todos os cantos do mundo, começando por nossas próprias realidades. Amém. 

 

 

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ) 

 

 

O Sínodo da Sinodalidade 

 Caminho de Reflexão e Renovação na Igreja Católica 

  

O Sínodo da Sinodalidade, promovido pelo Papa Francisco, é um processo de escuta e discernimento coletivo que visa repensar e revitalizar o papel da Igreja Católica no mundo contemporâneo. Iniciado em 2021 e previsto para concluir neste ano de 2024, o Sínodo tem como tema central “Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”, e propõe um caminho de reflexão onde todos os membros da Igreja — leigos, religiosos e o clero — são chamados a participar ativamente, escutando-se mutuamente. Esse processo é visto como um dos movimentos mais significativos e inclusivos da Igreja nos últimos tempos, buscando promover uma Igreja mais participativa, aberta ao diálogo e atenta às vozes de todos. Inicia com um retiro, uma vigília de oração e com a missa de abertura. Antes da semana conclusiva terá outro retiro pedindo as luzes do Espírito Santo. Não é uma convenção de profissionais e sim da Igreja à escuta do Espírito Santo. 

O termo “sinodalidade” vem do grego syn-hodos, que significa “caminhar juntos”. No contexto eclesiástico, refere-se à prática de diálogo e colaboração entre todos os membros da Igreja, visando a corresponsabilidade nas decisões. Para o Papa Francisco, a sinodalidade é uma característica essencial da Igreja e uma oportunidade para reformar suas estruturas e práticas, de modo a torná-la mais inclusiva e centrada na escuta mútua. 

O Papa Francisco enfatiza que a sinodalidade não é um simples método de governança, mas sim uma dimensão fundamental da vida e da missão da Igreja. Ela envolve a participação de todos os fiéis, reconhecendo a diversidade de dons e experiências dentro do Corpo de Cristo. Nesse sentido, o Sínodo da Sinodalidade é um chamado à escuta atenta e ao discernimento conjunto, para que a Igreja possa responder melhor aos desafios contemporâneos. 

O processo sinodal, que inclui consultas em todas as dioceses do mundo, é um marco na história da Igreja. Diferente de sínodos anteriores, onde as decisões eram geralmente tomadas pelos bispos e cardeais, o Sínodo da Sinodalidade busca envolver uma gama mais ampla de vozes, incluindo mulheres, jovens, minorias e leigos, que tradicionalmente não tinham tanto espaço nos processos decisórios da Igreja. 

O Sínodo da Sinodalidade foi dividido em três fases principais: a fase diocesana, a fase continental e a fase universal. Cada uma dessas etapas tem um papel essencial na escuta e no discernimento da Igreja em diferentes níveis. 

Fase Diocesana: Iniciada em outubro de 2021, essa primeira fase ocorreu nas dioceses de todo o mundo. Cada comunidade local foi incentivada a realizar consultas para ouvir as preocupações, esperanças e críticas dos fiéis sobre a vida da Igreja. A intenção dessa fase foi reunir as experiências de vida dos católicos em suas realidades locais, permitindo que a diversidade de contextos culturais, sociais e econômicos fosse ouvida e valorizada. 

Fase Continental: A fase seguinte, iniciada em 2022, envolveu uma síntese dos relatórios diocesanos para refletir as realidades de cada continente. Essa fase é crucial para destacar as semelhanças e diferenças entre as diversas partes do mundo católico, ajudando a Igreja a identificar áreas de convergência e desafios específicos em cada contexto cultural. 

Fase Universal: A fase final, que já teve uma primeira sessão no ano passado, culmina agora em outubro de 2024, será marcada por uma grande assembleia de bispos e outros representantes em Roma. Nessa etapa, as reflexões e descobertas das fases anteriores serão consolidadas, com o objetivo de apresentar propostas concretas para a renovação da Igreja. Essa fase será também um momento de discernimento e de tomada de decisões, que poderão influenciar o futuro da Igreja nos próximos anos. 

O Sínodo da Sinodalidade concentra-se em três temas centrais: comunhão, participação e missão. Esses pilares guiam a reflexão e o diálogo em todos os níveis do processo sinodal, com o objetivo de promover uma Igreja mais aberta, inclusiva e em constante renovação. 

Comunhão: A comunhão está no coração da vida da Igreja. O Sínodo procura fortalecer os laços entre os fiéis e entre as diferentes comunidades eclesiais, valorizando a unidade dentro da diversidade. A comunhão não significa uniformidade, mas sim a busca por uma maior compreensão mútua, respeitando as diferenças culturais e sociais que existem dentro da Igreja. Nesse contexto, o Sínodo tem buscado abordar temas como a relação entre o clero e os leigos, o papel da mulher na Igreja, e as tensões geradas pelas diferentes perspectivas teológicas e culturais. 

Participação: A sinodalidade promove uma participação mais ativa de todos os membros da Igreja, especialmente daqueles que tradicionalmente tiveram menos voz nos processos decisórios, como mulheres, jovens, minorias e pessoas em situação de exclusão social. A participação implica a corresponsabilidade de todos os batizados na missão da Igreja, refletindo a noção de que a Igreja não é apenas a hierarquia, mas o povo de Deus como um todo. O Sínodo busca, assim, romper com estruturas centralizadas de poder e abrir espaço para um diálogo mais amplo e inclusivo. 

Missão: A Igreja é chamada a ser missionária em sua essência, buscando levar o Evangelho a todas as partes do mundo. O Sínodo da Sinodalidade reflete sobre como a Igreja pode ser mais eficaz em sua missão, especialmente em um mundo cada vez mais secularizado e marcado por desigualdades sociais e conflitos. A missão é entendida como um compromisso com o testemunho da fé cristã, mas também como um chamado à justiça social, à paz e à reconciliação entre os povos. 

O Sínodo da Sinodalidade enfrenta desafios significativos, tanto internos quanto externos. Dentro da própria Igreja, há tensões entre diferentes grupos que possuem visões divergentes. Outro grande desafio é o engajamento dos fiéis leigos. Embora o Sínodo tenha se proposto a ouvir todos, o grau de participação em algumas regiões tem sido desigual.  

Por outro lado, o Sínodo também representa uma grande esperança para a renovação da Igreja. O Papa Francisco tem insistido que o processo sinodal não é apenas um evento isolado, mas um “caminho”, uma forma de ser Igreja no futuro. O Sumo Pontífice vê a sinodalidade como a chave para uma Igreja mais autêntica, próxima das pessoas e capaz de responder aos desafios do nosso tempo. 

Ao promover a escuta e o diálogo, o Sínodo pode ajudar a curar divisões dentro da Igreja e a revitalizar o seu papel missionário. No entanto, a verdadeira medida do sucesso desse processo dependerá da capacidade da Igreja de implementar de forma concreta as mudanças discutidas ao longo do caminho sinodal, mantendo-se fiel ao Evangelho enquanto responde às exigências de um mundo em rápida transformação. 

O Sínodo da Sinodalidade representa uma oportunidade sem precedentes para a Igreja Católica refletir sobre sua própria identidade e missão em um mundo em constante mudança. Ao promover a escuta, a participação e a corresponsabilidade de todos os fiéis, esse processo sinodal aponta para uma Igreja mais inclusiva e em sintonia com as necessidades do tempo presente. Contudo, o sucesso do Sínodo depende da capacidade da Igreja de transformar as reflexões em ações concretas, fortalecendo a comunhão, a participação e a missão em todos os níveis. 

Rezemos pela etapa final do Sínodo da Sinodalidade. Que o Espírito de Deus ilumine os padres sinodais para o bem da Igreja!