Artigos dos bispos

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

 

Queridos irmãos e irmãs em Cristo, 

Hoje nos reunimos para celebrar o Dia Mundial dos Pobres, uma data que o Papa Francisco instituiu em 2017 para lembrar-nos da importância de cuidar dos menos afortunados em nossa sociedade. O Santo Padre, inspirado pela mensagem de Jesus Cristo e pelo exemplo de São Francisco de Assis, nos convida a olhar para aqueles que sofrem e a estender a mão em amor e compaixão. 

Em sua Encíclica “Fratelli Tutti”, o Papa Francisco nos lembra que “os pobres têm um lugar especial no coração de Deus e, consequentemente, no coração da Igreja.” Isso nos recorda que a atenção aos pobres não é uma opção, mas uma obrigação para todos os cristãos.  

Quando olhamos para a Bíblia, encontramos inúmeras passagens que falam da importância de cuidar dos menos afortunados. Em Mateus (25,40), Jesus nos ensina: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.” Nossas ações em favor dos pobres são, portanto, uma expressão de nosso amor por Cristo. 

Além disso, o Livro dos Provérbios nos aconselha em Provérbios (14,21): “Feliz aquele que socorre o necessitado; o Senhor o livra no dia da desgraça.” É um lembrete de que quando estendemos nossas mãos para ajudar os necessitados, Deus está sempre conosco. 

No Dia Mundial dos Pobres, somos desafiados a sermos instrumentos de mudança em nosso mundo, a enfrentar a indiferença e a injustiça que afetam tantas vidas. O Papa Francisco nos encoraja a sermos construtores de pontes em vez de muros, a compartilhar o que temos e a criar uma sociedade mais justa e compassiva. 

A mensagem de 2024 do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobresdestaca a importância da oração dos pobres, especialmente no contexto de um ano dedicado à oração, em preparação para o Jubileu Ordinário de 2025. Ele nos lembra que a oração do pobre é poderosa e chega diretamente ao coração de Deus, pois reflete uma relação genuína de humildade, confiança e necessidade. 

“A esperança cristã inclui também a certeza de que a nossa oração chega à presença de Deus; não uma oração qualquer, mas a oração do pobre.” 

O Papa Francisco usa o livro de Ben-Sirá como referência e enfatiza que Deus se “impacienta” perante o sofrimento dos pobres e age para fazer justiça, pois todas as pessoas, em essência, são pobres e necessitam da presença de Deus em suas vidas: 

No seu caminho, descobre uma das realidades fundamentais da revelação, ou seja, o facto de os pobres terem um lugar privilegiado no coração de Deus, a tal ponto que, perante o seu sofrimento, Deus se “impacienta” enquanto não lhes faz justiça: «A oração do humilde penetrará as nuvens, e não se consolará, enquanto ela não chegar até Deus.  

O Romano Pontífice ainda exorta todos os cristãos a serem instrumentos de libertação e promoção para os pobres, lembrando que a verdadeira caridade só é completa quando acompanhada pela oração, que fortalece e dá sentido às ações solidárias. Como o Papa Bento XVI disse, “sem a oração cotidiana, nosso fazer esvazia-se, perde a alma profunda”. 

Ao final da mensagem, o Papa nos recorda: “Em todas as circunstâncias,somos chamados a ser amigos dos pobres, seguindo os passos de Jesus, que foi o primeiro a solidarizar-se com os últimos”. 

À medida que celebramos este dia, peçamos a Deus a graça de sermos verdadeiros discípulos de Cristo, que sejamos agentes de transformação em nossa sociedade, estendendo as mãos aos pobres e oprimidos. Que a luz de Cristo nos guie em nosso compromisso de amor e solidariedade com nossos irmãos e irmãs menos afortunados. 

Que Deus abençoe a todos neste Dia Mundial dos Pobres. Amém. 

 

 

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ) 

 

 

 

A nossa arquidiocese lançou em outubro, um livro sobre a pastoral do menor, organizado por uma das fundadoras, Maria Christina Noronha de Sá, que junto com o nosso antecessor D. Eugênio de Araujo Sales recorda dos inícios em uma noite de natal, após a missa “do galo”. É uma narrativa emocionante que depois vai ganhando corpo até se tornar o belo trabalho de hoje. 

A Pastoral do Menor, foi fundada em 1984 no Rio de Janeiro, celebra em 2024 seus 40 anos de existência, marcando uma trajetória de luta pelos direitos e pela dignidade das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Essa pastoral foi uma resposta às condições de pobreza, exclusão e violência enfrentadas por menores de idade, especialmente nas periferias e favelas do Rio de Janeiro. Sua missão, desde o início, foi defender os direitos humanos e proporcionar oportunidades de desenvolvimento para aqueles que vivem à margem da sociedade. 

A década de 1980 no Brasil foi marcada por profundas crises sociais e econômicas, agravadas pelo processo de transição para a democracia. O aumento da pobreza, a desigualdade social e a violência urbana atingiram de forma especialmente dura as crianças e adolescentes das camadas mais vulneráveis da população. Nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, o fenômeno das crianças em situação de rua começou a se tornar alarmante, e a sociedade passou a se deparar com o abandono, a exploração e a criminalização da juventude. 

Nesse contexto, a Pastoral do Menor nasceu como uma iniciativa da Igreja Católica, influenciada pelo compromisso cristão com os marginalizados. Seu objetivo era proporcionar uma resposta efetiva à exclusão social das crianças e adolescentes, oferecendo a eles proteção, dignidade e oportunidades de transformação social. A fundação da pastoral foi inspirada pelo desejo de atuar diretamente nas periferias, onde o Estado muitas vezes se mostrava ausente, deixando um vácuo de proteção social. 

A partir de sua criação, a Pastoral do Menor passou a desenvolver uma série de ações voltadas para a promoção dos direitos da criança e do adolescente, em consonância com a Doutrina Social da Igreja e os princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989. Em um momento em que o Brasil começava a discutir a construção de uma nova ordem democrática e a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Pastoral do Menor foi uma das vozes que ajudaram a consolidar a ideia de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e não meros objetos de tutela. 

Desde sua criação, a Pastoral do Menor no Rio de Janeiro desenvolveu uma ampla gama de programas e projetos voltados para a defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes em situação de risco. Suas ações se dividem em várias frentes, que incluem educação, acolhimento, saúde, cultura e defesa de direitos.  

Um dos primeiros eixos de atuação da pastoral foi o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de rua, violência ou abandono. Através de parcerias com abrigos e casas de acolhimento (naquela época a legislação permitia), a pastoral buscou oferecer um ambiente seguro e afetivo, onde os menores pudessem se reestruturar emocional e psicologicamente. O acolhimento não é visto apenas como uma solução emergencial, mas como um ponto de partida para a reintegração familiar e social dos atendidos. Sabemos que hoje está tudo muito diferente, e o estado que chama para si essas reponsabilidades não consegue dar conta da missão. 

A Pastoral do Menor sempre teve uma forte preocupação com a educação como instrumento de libertação e oportunidades. Muitos dos projetos desenvolvidos pela pastoral visam proporcionar a crianças e adolescentes o acesso à educação de qualidade, com atividades de reforço escolar, educação de valores e inclusão em programas profissionalizantes. A formação integral das crianças e adolescentes é uma das bases de seu trabalho, buscando formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. 

Para os adolescentes em situação de vulnerabilidade, a inserção no mercado de trabalho é vista como uma das formas mais importantes de romper o ciclo de pobreza e exclusão. A Pastoral do Menor desenvolveu programas de capacitação profissional que ajudam jovens a adquirirem habilidades técnicas e comportamentais necessárias para o mercado de trabalho. Cursos de informática, artesanato, culinária e outras áreas são oferecidos, além de parcerias com empresas que facilitam o acesso a estágios e ao primeiro emprego. 

Ao longo dos anos, a pastoral também assumiu um papel defesa: apoiando a implementação de políticas públicas que garantissem os direitos das crianças e adolescentes. A Pastoral do Menor participou ativamente da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que foi um marco na legislação brasileira ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e ao estabelecer um sistema de proteção integral. 

A pastoral também atua de forma intensa na denúncia de violações de direitos e no acompanhamento de casos de abuso, violência e exploração infantil. Através de redes de proteção e parcerias com órgãos públicos, busca-se garantir que cada criança e adolescente tenha acesso à justiça e à reparação de seus direitos violados. 

A cultura e o esporte sempre foram vistos como ferramentas poderosas de inclusão e transformação social. A Pastoral do Menor promove diversas atividades culturais, como teatro, dança e música, que ajudam crianças e adolescentes a expressarem sua criatividade e a desenvolverem habilidades sociais. O esporte, por sua vez, tem sido uma importante via para a socialização e a promoção da saúde física e mental dos jovens atendidos. 

Ao longo de suas quatro décadas de atuação, a Pastoral do Menor no Rio de Janeiro enfrentou inúmeros desafios, muitos dos quais estão relacionados ao contexto de violência urbana, exclusão social e à ausência de políticas públicas eficazes para a proteção de crianças e adolescentes. A situação das favelas e periferias cariocas, marcada por altas taxas de criminalidade, tráfico de drogas e atuação de milícias, representa um ambiente de extremo risco para jovens em situação de vulnerabilidade. 

Ainda assim, a pastoral tem conseguido avanços importantes, especialmente no fortalecimento das redes de proteção infantil e na conscientização da sociedade sobre a importância de garantir os direitos das crianças e adolescentes. A atuação em parceria com outras entidades civis, ONGs, escolas e o sistema de justiça tem sido fundamental para a ampliação do alcance de suas ações. 

Um dos grandes marcos desse período foi a participação ativa na implementação do Sistema de Garantia de Direitos, que articula diferentes setores – como o Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensoria Pública e organizações da sociedade civil – para a proteção integral das crianças e adolescentes. 

Em 2024, ao completar 40 anos, a Pastoral do Menor continua a ser um dos pilares na luta pela dignidade e pelos direitos das crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Sua atuação vai além das questões de assistência imediata, envolvendo-se diretamente em debates políticos e sociais sobre a infância no Brasil. Ao longo das últimas décadas, a pastoral ajudou a formar uma geração de jovens conscientes de seus direitos e capazes de lutar por um futuro melhor 

A celebração dos 40 anos da Pastoral do Menor é um momento não apenas para olhar para o passado, mas também para refletir sobre os desafios que ainda estão por vir. A desigualdade social e a violência continuam sendo problemas graves na cidade do Rio de Janeiro, e a missão de proteger as crianças e adolescentes é mais relevante do que nunca. A pastoral permanece comprometida com sua visão de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde cada criança possa crescer com dignidade, segurança e oportunidades reais de desenvolvimento. 

Com uma trajetória marcada por lutas, conquistas e o compromisso inabalável com a defesa dos mais vulneráveis, a Pastoral do Menor se consolidou como uma força fundamental na promoção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Ao celebrar seus 40 anos de atuação, a pastoral renova seu compromisso com a construção de uma sociedade mais humana, onde a infância seja respeitada e valorizada em sua plenitude. Que Deus siga protegendo, abençoando e guardando nossas crianças, jovens e todos os que se empenham nesse importante trabalho em função do bem comum e da conservação da vida e dignidade desses nossos irmãos vulneráveis. 

Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG) 

 

A palavra “desapego” constitui uma temática provocante no contexto da cultura moderna, nesse atual tempo histórico, marcado profundamente pelo capitalismo liberal. A via econômica de hoje favorece o crescimento da desigualdade e discrepância na qualidade de vida das pessoas. Pode-se até dizer que, quanto mais tem, mais quer ter. O ter abafa o ser e deixa muita gente marcada pela pobreza. 

A superação dessa realidade depende muito do processo de desapego, principalmente de uma riqueza acumulada de forma inútil, porque a pessoa não terá como consumi-la em seu tempo de vida. Por que não exercer o bonito exercício da partilha, que expressa desapego, aplicando um pouco em obras sociais? É justamente nesses gestos fraternos de partilha que está a grandeza da pessoa. 

O desapego é uma virtude sábia e louvável, que pode trazer paz, alegria e contentamento para a pessoa, isto é, uma vida feliz. Entender a sabedoria divina significa lidar com os descompassos da história, com aqueles que ocasionam prática de coisas passageiras incapazes de projetar uma eternidade saudável. Nos ensinamentos do Evangelho isto está muito claro, porque Jesus incentiva o desapego. 

Toda prática de desapego vem das intenções interiores do coração humano. Portanto, é uma virtude que começa em Deus, porque Ele está justamente no coração das pessoas. Dizendo isto podemos entender que o desapego significa fazer a vontade divina. A Palavra da Sagrada Escritura atinge e sensibiliza com profundidade a razão humana e provoca a sensibilidade do coração para o desapego. 

No Evangelho Jesus apresenta, a um jovem, uma questão emblemática e radical: “Vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e segue-me” (Mc 10,21). Significa relativizar todas as coisas na terra para acolher o Reino de Deus. Nas guerras sentimos uma profunda insensibilidade em relação ao valor sagrado da pessoa humana. Há uma inversão de valores, privilegiando o egoísmo individual e vazio. 

Não é fácil entender e colocar em prática o olhar amoroso e exigente de Deus, de compartilhar o estilo próprio de vida de Jesus, desapegado dos bens materiais. A riqueza material não consegue fazer a pessoa feliz e pode incapacitá-la para seguir o caminho de Jesus. É famosa a frase de Jesus: “É mais fácil passar um camelo no fundo de uma agulha do que um rico se salvar” (Mc 10,25).