Artigos dos bispos

 Cardeal Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)

 

 

“No UM somos um!” Este é o lema do Papa Leão XIV. Em Cristo, somos um! Por Ele, com Ele e Nele somos ‘Peregrinos de Esperança’! 

A Esperança não vira as costas para as contradições, negatividade, ambiguidades, polarizações internas e externas, pessoais e institucionais. A Esperança, sem esquecer a história pregressa, implica um inclinar-se para frente, um procurar ver mais longe e com mais precisão. A esperança é abertura à Graça – e por isso, talvez, angústia, causando certo desconforto. O sujeito da esperança é um ‘NÓS’.  

Os sapatos gastos que Papa Francisco levou para o túmulo expressam sinais de esperança: esperança de uma Igreja ainda mais determinada a evangelizar; de uma Igreja ainda mais próxima dos tantos rostos marcados pela miséria e pobreza; de uma Igreja ainda mais determinada a trabalhar em prol da vida e do planeta; de uma Igreja atenta às necessidades de seus filhos e filhas. Papa Leão XIV, eleito no último dia 08 de maio, expressa acolhida do caminho realizado, ressaltando em tudo centralidade de Cristo.  

O último Sínodo apontou um caminho para promover esperança num mundo marcado por complexidades. Trata-se de um caminho que envolve toda a comunidade eclesial, com repercussão em amplos setores da sociedade. O grande chamado à conversão proposto pelo Sínodo causa desconforto e apreensões; encontra sobretudo ressonância nas comunidades engajadas na vida de fé; suscita esperança, abertura de coração e mentes de quem crê ser possível ser Igreja samaritana e em saída numa sociedade marcada pelo secularismo e ambiguidades diversas.  

De fato, para corresponder às exigências do tempo presente, se faz necessário generosidade, humor, abertura de mentes e corações, atenção ao Evangelho e à bela e rica tradição da Igreja, sem esquecer a sempre urgente atenção e perspicácia para colher os sinais dos tempos.  

Quaisquer formas de fundamentalismos e/ou radicalismos são perigosas, pois trazem marcas de ideologias que contradizem o Evangelho. Desafios não faltam! Como transmitir a fé às novas gerações, que possuem um a estrutura lógica-mental que não é mais a nossa? Que linguagem, pedagogia, metodologia usar? Como responder às diversidades culturais e sociais? 

Numa sociedade fragmentada, doente e marcada pelo medo, faz-se necessário alimentar a esperança. A Igreja tem algo, tem alguém para apresentar, para tornar conhecido e propor… E isto com simplicidade, empatia, proximidade, agilidade, transparência, autenticidade.  

Papa Leão XIV solicita colaboração e sintonia! E para promover sintonia no seio da comunidade eclesial urge avançar no caminho indicado pelo último Sínodo. Provavelmente, fazem-se necessários ajustes e correções! Promover transparência e eficiência no desenvolvimento de processos, além da construção de pontes, sem esquecer a necessidade da Graça, é um caminho viável e necessário para uma Igreja onde comunhão, participação e missão sejam imperativos.  

Amparado pela comunidade eclesial que busca viver no cotidiano a fé batismal e auxiliado pela graça possa o magistério do Papa Leão XIV trazer as marcas da coragem de São Paulo e a sensibilidade de Pedro para confirmar na fé os irmãos e irmãs, tendo presente que o Evangelho é sempre o mesmo, os tempos, porém, mudam! 

 

Cardeal Sergio da Rocha 
Arcebispo de São Salvador (BA)

 

Era grande a expectativa pela eleição do novo Papa, após a morte de Francisco, cujo pontificado marcou para sempre a história da Igreja e da humanidade. Como aconteceu nos últimos conclaves, listas de candidatos, os chamados “papáveis”, foram divulgadas largamente na imprensa mundial, gerando calorosos debates e apostas. No dia 08 de maio, apareceu a tão esperada fumaça branca na Praça de São Pedro, no Vaticano, anunciando ao mundo que o novo Papa tinha sido eleito pelos cardeais reunidos em conclave. Como tantas vezes tem ocorrido, a eleição do novo Papa surpreendeu, principalmente os que pensam que o que acontece na Capela Sistina repete os esquemas eleitorais ou segue os parâmetros da escolha de dirigentes políticos ou empresariais. 

No conclave anterior, a surpresa de Deus chamava-se “Francisco”, até então, Cardeal Jorge Mário Bergóglio, arcebispo de Buenos Aires. Neste Conclave, a surpresa de Deus chama-se Cardeal Robert Francis Prevost, que adotou o nome de Leão XIV, até então pouco conhecido pela multidão que estava na Praça de São Pedro, apesar do relevante cargo ocupado por ele na Cúria Romana, nomeado pelo Papa Francisco, em 30 de janeiro de 2023, Prefeito do Dicastério para os Bispos, que se ocupa da nomeação e transferência de bispos, e cardeal, em 30 de setembro do mesmo ano. Embora nascido nos Estados Unidos, em Chicago, o novo Papa pode ser considerado latino-americano, pois além de ter trabalhado no Peru como missionário, religioso da Ordem de Santo Agostinho, foi nomeado bispo de Chiclayo, no mesmo país, em 03 de novembro de 2014, adotando inclusive a cidadania peruana. Portanto, até o início de 2023, foi bispo na América Latina. Enquanto frei agostiniano, ele havia desempenhado importantes funções na sua Ordem Religiosa, dentre as quais, provincial e prior geral. 

Papa Leão XIV será, aos poucos, melhor conhecido e muito amado na Igreja e no mundo. Não se pode esperar um novo Francisco. Os cardeais escolheram o sucessor do Apóstolo Pedro e não simplesmente o sucessor do Papa Francisco, por mais importante que tenha sido o seu pontificado. Embora a missão do Sucessor de Pedro seja a mesma, cada Papa tem sua contribuição própria, o seu modo próprio de ser.  Entretanto, o então Cardeal Prevost tinha Francisco no seu nome (Francis) e no seu coração. Estava em plena sintonia com seus ensinamentos e vivia intensamente valores e atitudes enfatizadas por ele, como a simplicidade, o diálogo, a fraternidade, o respeito ao outro, o amor aos pobres e sofredores e o compromisso pela paz e pela preservação do meio ambiente, sempre sustentado pela oração e pela fé. O último papa que escolheu o nome de Leão foi Leão XIII, conhecido pela sua inestimável contribuição na Doutrina Social da Igreja.  

Antes de ser cardeal, ele esteve diversas vezes no Brasil, cumprindo as suas funções na Ordem agostiniana. Ele tem demostrado muito afeto, assim como o Papa Francisco, pelo povo brasileiro e pela Igreja no Brasil. Ele queria conhecer a Bahia, na viagem que faria para participar da Assembleia dos Bispos do Brasil. Por isso, havia programado uma viagem para Salvador, onde iria celebrar no Santuário do Senhor do Bonfim, quando faleceu o Papa Francisco. O Cardeal Prevost não virá mais a Salvador, mas esperamos que o Papa Leão XIV possa vir, trazendo alegria, esperança e paz!  

 

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 11 de maio de 2025. 

Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo de Teófilo Otoni (MG)

 

A “Sala das Lágrimas” é um pequeno cômodo dentro da Capela Sistina, para onde o Papa, apenas eleito, é conduzido antes de ser apresentado ao povo de Deus, para se paramentar como Papa. É como uma criança, que depois de nascer chorando, vai ser vestida para então ser apresentada à família.  

Foi desta forma que Leão XIV, envolto no calor da emoção e buscando a compreensão do que a Igreja estava lhe pedindo, foi conduzido à Sala das Lágrimas. Certamente é desafiador entrar ali “trazendo nos seus ombros a pesada cruz que Cristo o chamou a carregar na realização da sua missão”. Não sabemos quais eram os sentimentos que estavam pulsando no coração daquele “servo do servos de Deus”, acabado de ser eleito.  

Naquela pequena Sala estavam as vestes que ele deveria escolher, segundo a que melhor lhe servisse, e revestir-se delas. Na Sala das Lágrimas o Papa, de fato, revestia-se de uma nova missão. Depois de estar devidamente vestido como Papa, foi o momento de estar em oração diante de Deus. Um silêncio orante pairou ali, dando oportunidade para se lançar nas mãos de Deus até mesmo com lágrimas.  

Aquela Sala já foi testemunha de tantos outros que ali entraram e viveram os mesmos sentimentos, tiveram as mesmas atitudes. Aquela Sala já teve o seu chão molhado pelas lágrimas de muitos Papas eleitos. Trata-se das lágrimas da emoção de sentir-se muito amado por Deus e chamado a amar, como Pastor, o povo que Deus lhe confiou. O escritor francês, Saint-Éxupery, em sua obra filosófica e poética O pequeno Príncipe, já contemplava esta realidade: “É tão misterioso o país das lágrimas…!”. Na Sala das Lágrimas, o Papa também toma consciência de que é preciso levar a consolação a todos aqueles que estão atravessando a vida como um “vale de lágrimas” (cf. Oração da Salve Rainha). “Bem aventurados os que choram porque serão consolados“ (Mt 5,4) 

 O Papa Leão XIV começou bem o seu ministério apresentando-se no Balcão da Basílica de São Pedro anunciando a consolação do Cristo ressuscitado: “A paz esteja convosco”, disse ele. E prosseguiu dizendo: “Esta é a primeira saudação do Cristo ressuscitado: o Bom Pastor que deu a vida pelo rebanho de Deus. Eu também gostaria que esta saudação de paz entrasse em nossos corações e chegasse às suas famílias, a todos os homens, onde quer que estejam, a todos os povos, a toda a terra: a paz esteja convosco“. 

“Esta é a paz de Cristo ressuscitado: uma paz desarmada e uma paz desarmante, humilde e perseverante. Ela vem de Deus, que ama a todos nós”.  

Assim, depois de eleito e tendo passado pela Sala das Lágrimas, revestido da missão,  e ficado sozinho em oração e adoração profunda e silenciosa na Capela Paulina (que fica ao lado da Capela Sistina), o Papa plantou a semente da paz do ressuscitado no coração do mundo.  

Lágrimas sempre fizeram e farão parte da existência de qualquer ser humano. A Sala das Lágrimas nos recorda  as muitas lágrimas de nossas salas existenciais. Elas aparecem quando se chega, ou quando se parte. Elas surgem na alegria e na dor. E quando as lágrimas brotam  em nós, é preciso nos lembrar que elas também existem em todo o mundo. A lágrima pode ser derramada na sala de nossa  casa, no quarto, no hospital, no velório, na igreja, nos teatros e em muitas outras salas. As lágrimas estão na salas de nossas vidas e, diariamente, passamos pela sala das lágrimas porque estamos vivos. Quem não se emociona não expressa vida. Quem tem um coração puro, manso e humilde se comove com as lágrimas nas salas do mundo.  

A nossa missão não é apenas a de enxugar lágrimas, pois elas se parecem com a fome que é saciada mas depois retorna. Também as lágrimas podem ser enxugadas,  mas depois aparecem outras. A nossa missão deve ser de consolar os que choram e sermos solidários com os que sofrem derramando lágrimas nas salas de suas vidas.  

A Sala das Lágrimas e as lágrimas na sala são realidades que se entrelaçam porque o sofrimento faz parte da realidade humana, que é sempre tocada pela emoção da dor e da cura, da morte e da ressurreição. Com fé e esperança devemos prosseguir com sentimentos de que o mal não prevalecerá.  

Já ouvimos muitas vezes dizer que o choro lava a alma. As lágrimas não nos deixam enrijecer e nos ensinam a termos um coração dócil e muito humano.  Podemos dizer que a Sala das Lágrimas é o lugar de humanizar-se e encontrar em Deus a força para viver e amar.