Artigos dos bispos

Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)

A missão é de Deus; Deus que se ama nas Pessoas Divinas. Esta é a primeira missão da Trindade: o amor. Este amor é assim tão grande que transborda no mundo criado. Santo Ireneu de Lyon já dizia que Deus criou através de suas duas mãos, o Filho e o Espírito (cf. Adv Haer. V, 28,4). Assim, a criação é entendida como missão de Deus. Para levar a primeira criação à sua destinação, Deus envia o Filho e o Espírito.

O Pai envia ao mundo o Filho para anunciar a Boa Notícia do Reino, fortalecido pela unção do Espírito Santo: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque ele me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). No Jordão, Jesus recebe a força do alto (Mc 1,8-11) e é impelido ao deserto onde se prepara para iniciar sua missão (Mc 1,12-15).

Uma senhora bastante simples, numa ação missionária na cidade de Berilo (MG), foi capaz de ressoar palavras formuladas por grandes teólogos: “Deus teve um único Filho e fez dele um missionário”. Para realizar a sua missão, Jesus tinha os olhos e os ouvidos atentos ao Pai para ser obediente à sua vontade, e tinha os pés firmes na realidade em que ele se inseriu na História. Assim, ele foi capaz de realizar a sua missão, na potência do Espírito Santo.

O Missionário do Pai andou por prados e campinas, planícies e colinas, lagos e praias, sempre anunciando a Boa Notícia do Reino. Com sinais e palavras, gestos e testemunho, ele foi transmitindo a mensagem do Reinado de Deus. Serviu-se de encontros pessoais, inúmeras parábolas, refeições, curas e tantas outras ações concretas para demonstrar: “O Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,21b). Por esse anúncio de salvação, Jesus deu a sua vida e derramou o seu sangue pela humanidade.

No início de seu ministério, Jesus foi unindo pessoas do povo à sua missão. Chamou “aqueles que ele mesmo quis”, nos diz o Evangelho de Marcos (cf. Mc 3,13). Constituiu os Doze Apóstolos “para estarem com ele e enviá-los a anunciar” (Mc 3,14). Enviou depois outros 72 discípulos: “Ide! Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos… dizei-lhes: “O Reino de Deus está próximo de vós” (Lc 10,3.9b). Por fim, enviou toda a Igreja, nova comunidade de salvação: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,19-20).

Terminada a sua missão aqui na terra, Jesus Cristo não nos deixou órfãos. Ele enviou, da parte do Pai, o Defensor, o Inspirador, o Espírito Santo. Disse ele, como última orientação à comunidade nascente: “recebereis a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (At 1,8). E assim aconteceu. Fortalecida pelo Espírito Santo, a Igreja saiu para fora, nascia missionária. Assim, compreendemos que a Missão é de Deus. Somos cooperadores da Missão de Deus no mundo.

A primeira forma de cooperar com a missão é estar pessoalmente unidos a Jesus Cristo: só se estivermos unidos a ele, como o ramo à videira (cf. Jo 15,5), é possível dar bons frutos (cf. RMI, 77). Isso exige uma capacidade de esvaziamento espiritual, pois o protagonista da missão é o Espírito Santo. O missionário, a missionária são apenas instrumentos nas mãos de Deus. Trata-se de ser presença amiga, amorosa, profética e crítica, capaz de manifestar o amor e a misericórdia de Deus nas suas ações, palavras e testemunho de vida.

A cooperação na missão de Deus é complexa e necessita de diversos protagonistas. Todos são necessários e cada um pode integrar na própria vida concreta, em diferentes medidas, três maneiras de cooperar com a missão. A primeira delas é estar unido a Jesus Cristo, rezando pelas atividades missionárias que acontecem mundo afora. A segunda forma é partilhando um pouco do muito que se tem para ajudar nas obras missionárias. E a terceira é saindo em missão para as periferias geográficas e existenciais, levando a Boa Notícia do Reino de Deus, a alegria de ser discípulo-missionário e a esperança que não decepciona (Rm 5,5).

O Papa Francisco não se cansa de fortalecer a Igreja na sua missão. Até nós, hoje, ressoam as palavras que ele dirigiu aos membros da Conferência dos Institutos Missionários da Itália: “Encorajo-vos a seguir em frente com coragem, para que a força do Espirito encontre sempre na Igreja e no mundo mentes e corações desejosos de semear a Palavra e de levar a alegria do Senhor Ressuscitado a todos, derrubando barreiras e favorecendo a construção de uma sociedade fundada nos princípios evangélicos da caridade, da justiça e da paz” (Discurso, 11/05/2023).

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

A liturgia do Terceiro Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre a Palavra de Deus: ela é o centro à volta do qual se articula e se constrói a comunidade de Deus. Essa Palavra não é uma doutrina abstrata, para deleite dos eruditos; mas é, primordialmente, um anúncio libertador que Deus dirige a todos os homens e que incarna em Jesus e nos cristãos.

Neste domingo celebramos, também o VI Domingo da Palavra de Deus, uma feliz iniciativa do Papa Francisco. Jesus, com sua vida, sua entrega, seu testemunho e seu amor, revela a nós a força da Palavra que se cumpre nele mesmo. Nós somos a religião da Palavra que, em última instância, é o próprio Cristo Encarnado. A Palavra escutada e compartilhada em comunidade tem força sacramental. Ela nos restaura e refaz nossas forças, ela nos alimenta e nos desperta para o novo de Deus em nossas vidas, ela nos orienta em nossas escolhas e nos direciona até o Senhor.

A primeira leitura – Ne 8,2-4a.5-6.8-10 – descreve-nos uma magnífica “liturgia da Palavra”, celebrada em Jerusalém quase cem anos após o regresso dos primeiros exilados na Babilônia. Neemias nos apresenta nesta leitura como que um roteiro de uma liturgia da Palavra. Depois de escutar a Palavra de Deus, o povo chora. Esse fato se torna sinal de que aquilo que eles ouviram confronta suas vidas e desencadeia um processo de conversão. A “assembleia de Deus”, reunida à volta da Palavra, escuta as indicações de Deus, deixa-se questionar por elas, sente o apelo à conversão que a Palavra lhe traz… Depois, faz festa: o encontro com a Palavra de Deus é fonte de alegria e de esperança para toda a comunidade.

No Evangelho – Lc 1,1-4;4,14-21 – Jesus, no cenário da sinagoga de Nazaré, proclama a Palavra de Deus e atualiza-a. Ele, a Palavra feita “carne”, apresenta o “programa” que se propõe concretizar no mundo: libertar os seres humanos de tudo aquilo que os priva de vida e lhes rouba a dignidade. Com Jesus começa um tempo novo, um “jubileu” de alegria, de graça, de paz e de felicidade sem fim. Jesus retorna a Nazaré e entra na sinagoga. Lá Ele tem a oportunidade de fazer a leitura naquele sábado. Depois da proclamação do Livro de Isaías (Is 61,1ss), Ele anuncia a libertação do povo e afirma o cumprimento dessa profecia.

Com isso, Jesus proclama a si mesmo como o grande Salvador-Libertador que Israel tanto esperava. Jesus anuncia seu programa de vida, assumindo autêntico programa de vida: levar a Boa-nova aos pobres, cativos, cegos e oprimidos e proclamar um “ano da graça do Senhor” – um ano jubilar. Pelo batismo recebemos a unção do Espírito Santo para exercer nossa missão que é a mesma de Jesus.

A segunda leitura – 1Cor 12,12-30 – apresenta a comunidade gerada e alimentada pela Palavra libertadora de Deus: é um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros, onde cada membro trabalha em prol do projeto comum e põe ao serviço de todos os dons que Deus lhe confiou.

A mensagem de Jesus no Evangelho é uma notícia de libertação aos pobres, oprimidos, injustiçados, os últimos da sociedade, os descartados. O Evangelho é uma realidade concreta, é o próprio Jesus falando e agindo. Que o Espírito que fortaleceu Jesus na sua missão terrena nos ajuda, caminha conosco, animando e encorajando a todos os batizados nessa missão de anunciar a libertação e proclamar o ano da graça de Deus.

Jesus vem do Pai, na ação do Espírito Santo, para nos libertar. Ele bem sabe que não pode ter liberdade verdadeira com a fome, a miséria, a doença e a prisão. Por isso vivemos este ano jubilar para nos libertar de toda fome, miséria, doença e cárcere. Que nossas ações nos ajudem a libertar aos que sofrem em nome do Senhor Jesus!

 

Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG)

O jubileu é tradição profundamente enraizada na história da fé cristã, remontando às práticas antigas do povo de Israel. Ele representa um tempo especial de graça, de perdão e de renovação espiritual. Em cada jubileu a Igreja nos convida a fazer um mergulho mais profundo na experiência da misericórdia divina, oferecendo a oportunidade de reavaliarmos nossas vidas e de reconciliação.

É momento de reavaliar nosso compromisso com Deus, com o próximo, e também com o mais profundo seguimento do Evangelho de Jesus Cristo. Esse fato, no Antigo Testamento, era celebrado no período de cinquenta em cinquenta anos. Conforme descrito no livro do Levítico, o Ano Jubilar era um tempo de libertação de tudo que impede a vida e de proximidade de Deus.

Nesse tempo, as dívidas eram perdoadas, os escravos eram libertados e a terra voltava para seus proprietários originais. Por isto que o termo “jubileu” vem da palavra “júbilo”, que se relaciona a uma corneta, que anunciava o “ano da graça do Senhor” (cf. Lv 25,8-17). Na consciência do povo daquele tempo, o Jubileu era fundamental para recobrar as forças e projetar novo ânimo de caminhada.

Era tempo de alegria, de gratidão, de graça, como explica o Papa São João Paulo II: “O jubileu é um tempo providencial que, por sua própria natureza, convida à alegria e à esperança” (Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente). Através deste tempo especial, a Igreja nos convida a experimentar, de maneira mais profunda, a misericórdia de Deus.

O Papa Francisco, ao convocar o “Jubileu da Esperança”, nos chama-nos a viver, de maneira especial, um caminho de renovação como peregrinos de Esperança: “Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã (…) Que o Jubileu seja para reanimar a esperança!” (Bula, Spes non confundit).

Ao vivenciar o perdão e a graça de Deus de maneira tão intensa, somos encorajados a renovar a confiança em Deus e a aprofundar nossa união com Ele. A confissão sacramental, tão incentivada durante o jubileu, se torna um caminho concreto de reconciliação, que deve inspirar a caridade e a prática de uma fé mais comprometidas com as exigências da cultura moderna.