Artigos dos bispos

Dom Roberto Francisco Ferreria  Paz 
Bispo de Campos (RJ)

 

Com a grata e alegre surpresa de um novo Papa a frente do Povo de Deus, vamos descobrindo suas inspirações e coordenadas para o seu pastoreio. A grande maioria dos fiéis da Igreja são os cristãos leigas e leigos, e sem dúvida é importante refletir sobre as esperanças e anseios do laicato face ao novo pontificado. 

Na sua apresentação inicial o Papa Leão XIV referiu-se a várias palavras chaves que tem a ver com a vocação e missão do laicato: diálogo, sinodalidade, escuta, evangelização e paz, saudando em espanhol aos fiéis de Chiclayo sua Diocese do Peru. Mais adiante cita a Santo Agostinho o referencial da sua Ordem religiosa reproduzindo a frase: “Para vós sou Bispo convosco sou cristão, o primeiro é uma cruz e um perigo, o segundo é graça e salvação”.  

Este pensamento significa corresponsabilidade entre pastores e fiéis, sinodalidade, respeito as vocações e carismas e reconhecimento da missão evangelizadora. Mais tarde ao  explicar a razão da escolha do nome para seu Papado e o ordinal XIV, refere-se a Leão XIII e sua Encíclica Rerum Novarum que inicia o processo de sistematização da Doutrina Social da Igreja.  

Esta Carta de 1891 é resultado também da caminhada do chamado catolicismo social que reuniu Bispos, padres, leigos pensadores e líderes atuantes na ação católica preocupados e identificados com a situação de exploração dos trabalhadores. 

O Papa compara essa situação com os desafios da globalização atual, que com a Inteligência Artificial, alterará as relações de trabalho, colocando em risco empregos, salários, segurança social e outros direitos trabalhistas. Ainda é sugestivo lembrar o paradigma agostiniano da articulação de fé e política mencionado na Campanha da Fraternidade de 1986 (Fraternidade e Política) que no seu texto base refere-se as duas vertentes inspiradoras da reflexão e compromisso sócio-político, a vertente tomista que resgata a ética na política em torno a virtude da justiça, e a vertente agostiniana de visão mais escatológica e comunitária, que visa a mudança e a transformação das estruturas sociais e econômicas perversas (estruturas de pecado) na perspectiva do Reino. 

Certamente que as duas vertentes se completam a ética e a escatológica, mas ultimamente o Papa Francisco nos convidava a substituir a economia que mata, como se pode ler na Evangelium Gaudium 

Para Santo Agostinho a função do Estado é preservar a justiça e o bem comum, pois para ele um Estado injusto era semelhante a uma quadrilha de ladrões. Percebe-se no pensamento agostiniano uma linha de proteção e salvaguarda dos direitos e da dignidade humana, na perspectiva da cidade de Deus que devemos ir construindo e será consumada na eternidade.  

Caberá aos leigos e leigas vivenciar esta missão de enobrecimento e encantamento da política, testemunhando com integridade, doação e competência esta vocação e ministério, fazendo acontecer o poder-serviço, garantia de uma sociedade mais justa e fraterna. Deus seja louvado! 

 

 Cardeal Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)

 

 

“No UM somos um!” Este é o lema do Papa Leão XIV. Em Cristo, somos um! Por Ele, com Ele e Nele somos ‘Peregrinos de Esperança’! 

A Esperança não vira as costas para as contradições, negatividade, ambiguidades, polarizações internas e externas, pessoais e institucionais. A Esperança, sem esquecer a história pregressa, implica um inclinar-se para frente, um procurar ver mais longe e com mais precisão. A esperança é abertura à Graça – e por isso, talvez, angústia, causando certo desconforto. O sujeito da esperança é um ‘NÓS’.  

Os sapatos gastos que Papa Francisco levou para o túmulo expressam sinais de esperança: esperança de uma Igreja ainda mais determinada a evangelizar; de uma Igreja ainda mais próxima dos tantos rostos marcados pela miséria e pobreza; de uma Igreja ainda mais determinada a trabalhar em prol da vida e do planeta; de uma Igreja atenta às necessidades de seus filhos e filhas. Papa Leão XIV, eleito no último dia 08 de maio, expressa acolhida do caminho realizado, ressaltando em tudo centralidade de Cristo.  

O último Sínodo apontou um caminho para promover esperança num mundo marcado por complexidades. Trata-se de um caminho que envolve toda a comunidade eclesial, com repercussão em amplos setores da sociedade. O grande chamado à conversão proposto pelo Sínodo causa desconforto e apreensões; encontra sobretudo ressonância nas comunidades engajadas na vida de fé; suscita esperança, abertura de coração e mentes de quem crê ser possível ser Igreja samaritana e em saída numa sociedade marcada pelo secularismo e ambiguidades diversas.  

De fato, para corresponder às exigências do tempo presente, se faz necessário generosidade, humor, abertura de mentes e corações, atenção ao Evangelho e à bela e rica tradição da Igreja, sem esquecer a sempre urgente atenção e perspicácia para colher os sinais dos tempos.  

Quaisquer formas de fundamentalismos e/ou radicalismos são perigosas, pois trazem marcas de ideologias que contradizem o Evangelho. Desafios não faltam! Como transmitir a fé às novas gerações, que possuem um a estrutura lógica-mental que não é mais a nossa? Que linguagem, pedagogia, metodologia usar? Como responder às diversidades culturais e sociais? 

Numa sociedade fragmentada, doente e marcada pelo medo, faz-se necessário alimentar a esperança. A Igreja tem algo, tem alguém para apresentar, para tornar conhecido e propor… E isto com simplicidade, empatia, proximidade, agilidade, transparência, autenticidade.  

Papa Leão XIV solicita colaboração e sintonia! E para promover sintonia no seio da comunidade eclesial urge avançar no caminho indicado pelo último Sínodo. Provavelmente, fazem-se necessários ajustes e correções! Promover transparência e eficiência no desenvolvimento de processos, além da construção de pontes, sem esquecer a necessidade da Graça, é um caminho viável e necessário para uma Igreja onde comunhão, participação e missão sejam imperativos.  

Amparado pela comunidade eclesial que busca viver no cotidiano a fé batismal e auxiliado pela graça possa o magistério do Papa Leão XIV trazer as marcas da coragem de São Paulo e a sensibilidade de Pedro para confirmar na fé os irmãos e irmãs, tendo presente que o Evangelho é sempre o mesmo, os tempos, porém, mudam! 

 

Cardeal Sergio da Rocha 
Arcebispo de São Salvador (BA)

 

Era grande a expectativa pela eleição do novo Papa, após a morte de Francisco, cujo pontificado marcou para sempre a história da Igreja e da humanidade. Como aconteceu nos últimos conclaves, listas de candidatos, os chamados “papáveis”, foram divulgadas largamente na imprensa mundial, gerando calorosos debates e apostas. No dia 08 de maio, apareceu a tão esperada fumaça branca na Praça de São Pedro, no Vaticano, anunciando ao mundo que o novo Papa tinha sido eleito pelos cardeais reunidos em conclave. Como tantas vezes tem ocorrido, a eleição do novo Papa surpreendeu, principalmente os que pensam que o que acontece na Capela Sistina repete os esquemas eleitorais ou segue os parâmetros da escolha de dirigentes políticos ou empresariais. 

No conclave anterior, a surpresa de Deus chamava-se “Francisco”, até então, Cardeal Jorge Mário Bergóglio, arcebispo de Buenos Aires. Neste Conclave, a surpresa de Deus chama-se Cardeal Robert Francis Prevost, que adotou o nome de Leão XIV, até então pouco conhecido pela multidão que estava na Praça de São Pedro, apesar do relevante cargo ocupado por ele na Cúria Romana, nomeado pelo Papa Francisco, em 30 de janeiro de 2023, Prefeito do Dicastério para os Bispos, que se ocupa da nomeação e transferência de bispos, e cardeal, em 30 de setembro do mesmo ano. Embora nascido nos Estados Unidos, em Chicago, o novo Papa pode ser considerado latino-americano, pois além de ter trabalhado no Peru como missionário, religioso da Ordem de Santo Agostinho, foi nomeado bispo de Chiclayo, no mesmo país, em 03 de novembro de 2014, adotando inclusive a cidadania peruana. Portanto, até o início de 2023, foi bispo na América Latina. Enquanto frei agostiniano, ele havia desempenhado importantes funções na sua Ordem Religiosa, dentre as quais, provincial e prior geral. 

Papa Leão XIV será, aos poucos, melhor conhecido e muito amado na Igreja e no mundo. Não se pode esperar um novo Francisco. Os cardeais escolheram o sucessor do Apóstolo Pedro e não simplesmente o sucessor do Papa Francisco, por mais importante que tenha sido o seu pontificado. Embora a missão do Sucessor de Pedro seja a mesma, cada Papa tem sua contribuição própria, o seu modo próprio de ser.  Entretanto, o então Cardeal Prevost tinha Francisco no seu nome (Francis) e no seu coração. Estava em plena sintonia com seus ensinamentos e vivia intensamente valores e atitudes enfatizadas por ele, como a simplicidade, o diálogo, a fraternidade, o respeito ao outro, o amor aos pobres e sofredores e o compromisso pela paz e pela preservação do meio ambiente, sempre sustentado pela oração e pela fé. O último papa que escolheu o nome de Leão foi Leão XIII, conhecido pela sua inestimável contribuição na Doutrina Social da Igreja.  

Antes de ser cardeal, ele esteve diversas vezes no Brasil, cumprindo as suas funções na Ordem agostiniana. Ele tem demostrado muito afeto, assim como o Papa Francisco, pelo povo brasileiro e pela Igreja no Brasil. Ele queria conhecer a Bahia, na viagem que faria para participar da Assembleia dos Bispos do Brasil. Por isso, havia programado uma viagem para Salvador, onde iria celebrar no Santuário do Senhor do Bonfim, quando faleceu o Papa Francisco. O Cardeal Prevost não virá mais a Salvador, mas esperamos que o Papa Leão XIV possa vir, trazendo alegria, esperança e paz!  

 

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 11 de maio de 2025.