Artigos dos bispos

Dom Antonio de Assis
Bispo de Macapá (AP)

 

A DIMENSÃO SOCIO-PASTORAL DO ANO JUBILAR (4) 

No capítulo 25 do Levítico, o toque da trombeta alertava o país inteiro para o início do ano jubilar que era para todos um compromisso de promoção da justiça, da fraternidade, do bem comum. Era um tempo de partilha, libertação, recuperação das perdas (cf. Lv 25,8-12). Tratava-se da restauração das relações de fraternidade, eliminando da sociedade muitas formas acumuladas de injustiças: em relação aos bens (propriedades), na família, no tratamento dos escravos, estrangeiros e na relação com a natureza. 

Essa busca da harmonia integral era por vontade de Deus que, ao criar o mundo, viu que tudo era bom, e assim, a paz voltaria por causa da promoção da justiça (cf. Lv 25,18-19). De fato, o Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio nos recordou essa íntima relação entre Justiça e Paz. A Paz no mundo depende da promoção da justiça que, por sua vez, pressupõe a promoção do desenvolvimento integral dos povos; dessa forma, não há Paz onde reinam injustiças (cf. PP, 76-77,83); “o desenvolvimento (integral) é o novo nome da paz” (PP, 87). É por isso que na vivência do ano jubilar, não bastava dimensão econômica, mas a meta era a promoção da justiça fraterna.   

No texto sobre o ano Jubilar no livro do Levítico há a acusação de muitos males que havia naquela sociedade: a perda da terra por causa de dívidas (cf. Lv 25,13), a injustiça nas relações de compra e venda, exploração (cf. Lv 25,14-16). Por isso se recorda profeticamente a sentença divina: “Ninguém de vocês explore o irmão, mas tema o Deus de vocês, porque eu sou Javé, o Deus de vocês” (Lv 25,17).   

A promoção da justiça humana, tem um fundamento divino; isso significa que o homem não basta a si mesmo, não é suficiente a justiça legal (pois ela pode ser moralmente injusta!), não basta a decisão das autoridades civis e a obediência dos cidadãos, é preciso que se respeite a vocação do ser humano, a sua dignidade que ultrapassa as convenções humanas e os parâmetros culturais.  

Em relação a essa questão, também a Encíclica Populorum Progressio afirma: “O homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano. Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exata do que é a vida humana. O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se” (PP, 42). A promoção da justiça tem um fundamento antropológico e vocacional, ou seja, é uma exigência que brota da natureza humana e é a condição para a felicidade. A alegria de Deus Pai está na prática do amor entre seus filhos (cf. Jo 15,11). Por isso, a vida cristã é compromisso permanente de vivência do ano jubilar: a promoção do Amor a Deus e ao próximo.  

As consequências socio-pastorais do ano jubilar comprometem as comunidades e instituições católicas a um relançamento da sua sensibilidade social. E a forma mais concreta de realizar isso é através da restauração da consciência de responsabilidade social das pastorais para que o ano jubilar não se reduza às práticas espirituais e litúrgicas.  

Temos muitas realidades dramáticas que são trombetas que soam e devem nos incomodar mais: o aumento dos moradores de rua, as violências, a indiferença, a solidão, o crescimento das dependências, a cultura da corrupção, a desordem climática, a fragmentação familiar, as relações polarizadas, o enfraquecimento da paixão pelo Bem comum, o envelhecimento das lideranças etc.  

Portanto, o Ano Santo é uma maravilhosa oportunidade para a revitalização das pastorais e relançamento da animação missionária de todas as forças vivas da Igreja. Não há autêntico Ano Santo sem dimensão socio-missionária e nem santidade sem a justiça que brota do amor fraterno. O Ano Jubilar reforça o compromisso da conversão pastoral. 

Dom Jailton Oliveira Lino
Bispo de Teixeira de Freitas-Caravelas (BA)

 

“Quando a terra seca clama pelo céu…” Quantos de nós já nos sentimos assim? Perdidos, áridos, como um solo que há muito tempo não sente o frescor da chuva. A canção Terra Seca não fala apenas da natureza. Ela fala de nós. De nossas almas sedentas, de nossos corações que tantas vezes têm vivido longe da fonte de vida que é Deus. 

E agora, em 2025, a Igreja nos chama. O Jubileu chega como a resposta desse clamor. É como se o próprio céu dissesse: “Eu ouvi o teu grito. Eu trarei a chuva.” Mas eu te pergunto: você está pronto para recebê-la? 

Vivemos tempos difíceis. O mundo está seco de compaixão, de justiça, de amor. Quantos corações estão endurecidos pela indiferença? Quantas vezes escolhemos o egoísmo, ignorando o outro? Estamos como a terra rachada que rejeita a semente porque não se preparou para o momento da chuva. Mas o Jubileu nos desafia: prepare o solo do seu coração. 

Esse ano santo não é apenas uma celebração. É um chamado. Um chamado para sairmos de nossa zona de conforto, para enfrentarmos a aridez de nossas vidas e nos deixarmos transformar pela misericórdia de Deus. O Jubileu nos convida a sermos peregrinos da esperança, mas para isso, precisamos nos perguntar: estamos dispostos a caminhar? 

A graça de Deus é como a chuva, mas a terra precisa querer florescer. Você está disposto a abrir mão do orgulho, da raiva, da culpa que pesa no peito? Está disposto a perdoar quem te feriu e buscar reconciliação com Deus, com os outros e com você mesmo? 

Olhe para o mundo ao seu redor. As guerras, as desigualdades, o sofrimento dos pobres e o descaso com a criação são reflexos de uma humanidade que se afastou da sua essência. O Jubileu é um convite para mudar essa realidade, mas a mudança começa em você. 

Talvez você se pergunte: E se eu não conseguir? Eu te digo: Deus é fiel. Ele nunca te abandonará. Assim como a chuva vem no tempo certo, a graça d’Ele chega para renovar aquilo que parecia perdido. Mas você precisa estar disposto. É preciso abrir o coração, tirar as pedras do caminho e deixar que Ele faça o impossível: transformar seu deserto em um jardim. 

Não viva este ano santo como um espectador. Seja protagonista. Vá à confissão, participe das celebrações, ajude quem precisa, cuide da criação. Viva como quem acredita que o amor de Deus pode mudar o mundo, porque pode. 

A terra seca está clamando. Você também está. E Deus responde: “Eis que faço novas todas as coisas.” O que você fará com essa promessa? 

“Que venha a chuva. Que venha a vida.” 

Dom Antonio de Assis Ribeiro
Bispo eleito de Macapá (AP)

 

Um dos símbolos mais significativos do ano jubilar é a “Porta Santa”.  Neste Jubileu de 2025, por desejo do Papa Francisco, as Portas Santas foram abertas apenas em Roma nas seguintes basílicas: São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Fora dos Muros. Uma exceção foi a abertura de uma Porta Santa no complexo penitenciário de Rebibbia, em Roma. O Papa Francisco no dia da sua abertura, fez questão de enfatizar o sentido dela: estimular o respeito pela dignidade humana, fomentar a promoção da justiça, sensibilizar para a necessidade da conversão.  As “Portas Santas” marcam o início e a conclusão do ano Santo. Mas, para melhor compreendermos o significado delas, é necessário ir além da porta material dos santuários. 

Aprofundando o sentido da “porta santa” tomaremos consciência de que ela não está simplesmente em Roma, mas em todos os lugares, em todas as instituições, povos e nações; pode estar em todas as famílias, comunidades, grupos ou em cada pessoa. A porta é uma estrutura o que nos possibilita o acesso ou a saída de um ambiente! A Porta Santa é um convite para a entrada numa experiência mais intensa de Deus e de fraternidade. A porta nos fala de entrada, de decisão, de compromisso; a porta é lugar de abertura, passagem, movimento, de acolhida e de despedida! Portanto, a abertura da Porta Santa significa um convite a fazermos uma experiência de encontro com Aquele que habita os santuários, mas sobretudo, vive em nós, que é Deus.   

Jesus disse: “Eu sou a porta. Quem entra por mim, será salvo. Entrará, e sairá, e encontrará pastagem” (Jo 10,9). Ele é o único Salvador e não há outra porta para a Salvação: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). São Pedro declarou: “Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12). A abertura da “Porta Santa” significa o convite para o encontro com Jesus Cristo, o Senhor, que nos educa para o Amor. Não adianta passar pela porta santa de um santuário se a porta do coração e da mente continuarem trancadas. 

O autêntico e eterno Bom Pastor, Jesus Cristo, nos convida a entrar no curral das suas ovelhas, a sair do isolamento, a escutar a sua voz, seguir seus passos, deixando-nos conduzir para fora (cf. Jo 10,3), que significa a prática do amor, da acolhida, da solidariedade, do perdão, da misericórdia, da compaixão, da justiça, da reconciliação. Sem o acesso a essas experiências não haverá mudança interior e nem Ano Santo! 

Sendo a porta lugar de trânsito, passar pela porta santa significa o nosso dinamismo interior de abertura, de conversão, de caminho, de proximidade, de esforço, de movimento para a entrada no dinamismo dos valores e das atitudes do Reino de Deus. Jesus convidou seus discípulos “a passar pela porta estreita” (Mt 7,13), ou seja, a serem capazes de fazer esforços pela própria salvação; pois ela é dom e responsabilidade. O amor requer esforço pessoal e, sem ele, não haverá perdão, reconciliação e nem paz!  

Enfim, da Porta Santa física dos santuários, somos chamados a passar para o cuidado de outras portas que devemos abrir para melhorar a qualidade da nossa vida. Abrindo a porta do coração nos predispomos para a amar e perdoar. Abrindo a porta da inteligência para o Espírito de Deus passamos a buscar a Sabedoria que nos leva a colocar nosso intelecto a serviço do Bem. Abrindo a porta da memória aprendemos a reconhecer os dons de Deus e a ser gratos com todos e nos exercitando na gratuidade. Abrindo as portas das mãos seremos capazes de doação pessoal, partilhar e sermos voluntários.  Escancarando a porta da esperança jamais seremos refém do pessimismo, do medo, do derrotismo e viveremos sempre com otimismo e alegria.