Nós, Cardeal Eugenio Sales e Dom Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio, manifestamos total solidariedade à Igreja e ao Papa.
Nesta Igreja, ao passo que se atinge um nível extraordinário de respeitabilidade, mesmo entre não-católicos, sombras se acumulam, tempestades se repetem. É a face humana, pecadora, que tende a encobrir a obra do Salvador. Ele já prevenira: “Haverá escândalos e ai daquele por quem eles vêm!” (Mt 18,7). Mas, prometeu: “as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela” (Mt 16,18).
É evidente que a fidelidade da Igreja aos ensinamentos de Cristo incomoda a muitos. Sua clareza em matéria de Bioética, por exemplo, só pode inquietar a quem, em sua consciência, já sacrificou a lei divina de não matar a escusos interesses políticos ou ideológicos. Alega-se o celibato sacerdotal como uma causa de abusos sexuais, ao mesmo tempo em que se esconde o fato dos casos infinitamente mais numerosos, tão escandalosos, fora do clero.
Ainda como Cardeal, “Joseph Ratzinger sempre foi muito firme, como o comprovam depoimentos de pessoas que com ele trabalharam, demonstrando grande coragem ao enfrentá-los. Portanto, é falsa e caluniosa qualquer insinuação que se venha a fazer de que o atual Pontífice tenha ocultado casos de abusos sexuais ou tenha sido condescendente com seus autores” (Nota do CELAM, 01/04/2010; cf. a esclarecedora Nota da CNBB, 31/03/2010).
Como Pastor e Pai, o Papa Bento XVI confia na imensa maioria dos sacerdotes fiéis, muitos e muitos deles heroicamente empenhados pelo evangelho, pela dignidade humana e pelos direitos dos mais fracos: “Estou consciente de que, aos olhos de alguns de vós sois, por associação, tidos como culpados e considerados de certo modo responsáveis pelos delitos de outros. Neste tempo de sofrimento, desejo reconhecer-vos a dedicação da vossa vida de sacerdotes e de religiosos (…) e convido-vos a reafirmar a vossa fé em Cristo, o vosso amor à sua Igreja e a vossa confiança na promessa de redenção, de perdão e de renovação interior do Evangelho. Deste modo, demonstrareis a todos que onde é abundante o pecado, é super abundante a graça (cf. Rm 5,20)” (n. 10 da carta à Irlanda).
De outro lado, o mesmo Pastor e Pai, em sua indeclinável responsabilidade diante de Deus e diante da dignidade de cada criança e de cada pessoa, não hesita em corrigir e condenar: “Traístes a confiança que os jovens inocentes e os seus pais tinham em vós. Por isto deveis responder diante de Deus onipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos. Perdestes a estima do povo da Irlanda e lançastes vergonha e desonra sobre os vossos irmãos (…) Violastes a santidade do sacramento da Ordem Sagrada” (Carta à Irlanda, n. 7).
Em nossos dias, num misto de sede de justiça, indignação, jogo de interesses, manipulações e distorções, multiplicam-se as notícias dolorosas, especialmente referentes a sacerdotes que, por sua própria vocação e missão, deveriam lutar pela pureza da vida cristã. Mas a objetividade é amiúde vergonhosamente distorcida em ataques ao Santo Padre, como se fosse ele responsável pelo pecado dos indivíduos envolvidos em escândalos. Silencia-se a dolorosa, nobre e gigantesca luta do Papa contra tão hediondo mal!
Os que atacam a Igreja católica esquecem que, durante décadas, psicólogos e psiquiatras de renome acreditavam na cura de tais aberrações. Bispos católicos, para proteger crianças e jovens e recuperar os faltosos, encaminhavam estes a tais tratamentos. Por que a opinião pública trata tão duramente os Bispos e é tolerante para com os representantes daquelas ciências? Além do mais, hoje ainda existem países onde profissionais de diversas áreas são simplesmente transferidos para lugares distantes ou outras funções. Por que razão se focaliza somente a Igreja que procura assumir e corrigir as culpas cometidas em seu meio?
Na Alemanha, segundo informações da polícia, são conhecidos 94 casos deploráveis de tais abusos cometidos por sacerdotes e religiosos nos últimos 15 anos. Na mesma época, porém, a polícia conhece 210 mil casos de não eclesiásticos, não celibatários (cf. ”Der Spiegel”, segundo “Die Tagespost” de 20 e 25/02/2010). Isto não diminui absolutamente em nada a gravidade da inominável irresponsabilidade de representantes da Igreja que praticaram tais crimes. Mas o fato do quase total silêncio da mídia a respeito do mar de perversidade que caracteriza a sociedade de hoje mostra a hipocrisia de parte dos meios de comunicação, que apontam seus holofotes exclusivamente sobre os trágicos 94 casos de eclesiásticos, silenciando, quase totalmente, tão grandes desvios que infestam a sociedade. Os casos tão numerosos de não eclesiásticos não devem ser citados para abafar, encobrir, a culpa horrenda de eclesiásticos. Mas devem ser vistos para assumirmos, dentro e fora da Igreja, de verdade, a luta sem concessões, pela proteção da infância, da juventude e dos grandes valores da humanidade. O Santo Padre repreende com toda firmeza algumas autoridades eclesiásticas que, mesmo com eventual boa intenção, de fato enfrentaram de modo errado “atos pecaminosos e criminosos de eclesiásticos” (Carta à Irlanda, n. 1).
Não podemos “deixar de partilhar o pavor e a sensação de traição” diante do ocorrido (cf. Carta à Irlanda n. 1). Para enfrentar tal problema em todas as suas dimensões, devemos encará-lo no seu verdadeiro contexto, inclusive como mal muito difundido fora da Igreja.
É imperioso punir os faltosos, desmascarar os caluniadores e “perseverar na oração, com grande confiança na força restabelecedora da graça de Deus” (Carta à Irlanda, n. 2).