Batizados: sempre missionários!

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

 

Durante os próximos anos, dentro do espírito sugerido pelo Papa Francisco, queremos aprofundar o tema da igreja em saída com a missão permanente: uma vez batizados, sempre missionários, o Papa nos propôs a ideia de uma Igreja em saída, que fosse além das sacristias de nossas paróquias e comunidades e saísse ao encontro do povo santo de Deus começando pelas periferias existenciais. Que, assim como Jesus enviou os discípulos em missão de dois a dois para a anunciarem o Reino de Deus, nós também como Batizados (as), somos enviados por Ele para anunciar esse Reino: “Naquele tempo, o Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir. E dizia-lhes: ‘A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita. Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre Ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘o Reino de Deus está próximo de vós’”.(cf. Lc 10,1-9)

A partir desse Evangelho Jesus nos envia em missão para anunciar o Reino de Deus. Essa missão, que não necessariamente ficará na nossa comunidade paroquial, mas deve ir além disso. Podemos ser missionários na nossa casa, no nosso trabalho, na escola e no nosso bairro, dentro do transporte urbano, no trem, no metrô, no avião, nas barcas, no ônibus, com os vizinhos; mas também ir até aqueles que nós não conhecemos, aqueles em que a Palavra de Deus não consegue chegar, os batizados que não vivem sua fé: somos chamados a encoraja-los a voltar ao primeiro amor, que eles voltem a viver a fé, como o próprio Jesus nos convida “a encorajar e animar aqueles que estão tristes”. Para que voltem a ter a alegria de viver a sua fé.

Nesse sentido, é importante tomarmos conhecimento do Documento Final da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Amazônia, realizado em Roma, de 6 a 27 de outubro passado, que tem como tema central a conversão. Conversão: eis o tema principal do documento do Sínodo Amazônico. Uma conversão que tem diferentes significados: integral, pastoral, cultural, ecológico e sinodal. O primeiro capítulo do documento fala de uma conversão integral, uma “verdadeira conversão integral”, com uma vida simples e sóbria, no estilo de São Francisco de Assis, comprometida em relacionar-se harmoniosamente com a casa comum, obra criativa de Deus. Essa conversão levará a Igreja a estar em saída, para entrar no coração de todos os povos amazônicos (e em todas as comunidades e localidades do mundo).

Esta conversão integral é que impulsionará a ação missionária dos batizados. Dentro das realidades urbanas, como a nossa, no capítulo II, do referido documento, o texto reflete sobre o tema da pastoral urbana, com um foco particular nas famílias: nas periferias da cidade, elas sofrem pobreza, desemprego, falta de moradia, além de vários problemas de saúde. Torna-se, portanto, necessário defender o direito de todos à cidade como desfrute justo dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social. É preciso lutar, lê-se no texto, a fim de que os direitos fundamentais básicos sejam garantidos nas “favelas” e nas “villas misérias”. Central deve ser também o estabelecimento de um “ministério de acolhimento”, para uma solidariedade fraterna com migrantes, refugiados e desabrigados que vivem no contexto urbano. Nesse âmbito, uma ajuda válida vem das Comunidades Eclesiais Missionárias, “um presente de Deus para as Igrejas locais da Amazônia”. Ao mesmo tempo, as políticas públicas são convidadas a melhorar a qualidade de vida nas áreas rurais, a fim de evitar a transferência descontrolada de pessoas para a cidade.

É o Espírito Santo o protagonista da missão. É ele que vai a nossa frente e nos da coragem para sermos testemunhas de Jesus e do seu Evangelho.

Antes de voltar para o “Pai” após sua Morte e Ressurreição, quando Jesus aparece para os discípulos no cenáculo no dia de Pentecostes, os discípulos estavam com “medo”, e como que “presos” por causa do medo dos Judeus. E Jesus se coloca no meio deles e sopra sobre eles o “Espírito Santo”, o sopro da nova criação, e os envia novamente em Missão, começando assim a Missão da Igreja.

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: ‘A paz esteja convosco’. Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio’. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos’”. (Cf. Jo 20,19-23)

O medo nos aprisiona, não nos faz ter coragem para sair e testemunhar Jesus Cristo, precisamos dessa mesma coragem que Espírito Santo nos traz e que encheu os discípulos para animar aqueles se encontram vacilantes na fé. A Igreja está cheia do Espírito Santo, por isso sempre acolhe novos fiéis através do sacramento Batismo, perdoa os pecados pelo Sacramento da Reconciliação e consagra a Eucaristia. Mesmo que venham ventos contrários a Igreja nunca perecerá, pois Ela está fundada sob o poder desse mesmo Espírito. Por isso a Igreja é Santa e pecadora, é Santa porque justamente é fundada pelo poder do Divino Espírito Santo, e pecadora porque é constituída por homens.

Portanto, fazemos parte dessa Igreja e, como membros dela, que tem Cristo como cabeça, somos chamados a tomar parte dela e sermos discípulos e missionários do Mestre.

Como um “gesto concreto” desse momento de animação missionária, acolhemos o apelo do Papa que instituiu em toda Igreja no 33º domingo do tempo comum, o,  Dia Mundial dos Pobres, que muitas vezes são excluídos pela sociedade, vivem em condição vulnerabilidade social e muitas vezes a Palavra de Deus não chega até eles. Não só no Domingo do Pobre, mas no cotidiano, somos convidados a acolher algum pobre na nossa comunidade ou partilhar algo que nos estivesse sobrando com aqueles que pouco ou nada tem.

Que este ardor missionário e em busca de uma presença junto aos pobres não fiquem apenas como uma data ou um ano esquecido que já passou, mas que durante todos os dias de todos os anos, possamos ser essa “Igreja em saída” indo ao encontro dos pobres e marginalizados anunciando o Reino de Deus.

 

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