Dom Redovino Rizzardo
No dia 23 de novembro, foi publicado o segundo livro-entrevista de Bento XVI. Fruto de vinte horas de diálogo com o escritor alemão Peter Seewald, traz como título: “Luz do Mundo. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos”. O primeiro livro do gênero foi escrito pelo jornalista italiano Vittorio Messori, em 1984. Na época, o Cardeal Ratzinger era responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, e gozava fama de ser tão conservador, que algumas editoras católicas, inclusive do Brasil, se recusaram a editar o volume.
Para Seewald, «o Papa não é um ditador, mas um homem de diálogo; ele não fugiu de nenhuma questão nem censurou trecho algum de sua longa entrevista». Entre as respostas dadas, duas estão relacionada com a AIDS e a camisinha. Nelas, Bento XVI deu a impressão de rever o pronunciamento que fez no dia 17 de março de 2009, durante uma viagem à África, pronunciamento que suscitou uma avalanche de críticas da opinião pública mundial.
Em seu diálogo com Peter Seewald, o Pontífice declara que o uso do preservativo é justificado quando o objetivo é evitar a transmissão da Aids.
Tentando esclarecer a aparente contradição, o Pe. Frederico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, assevera que «o Papa não muda o ensinamento da Igreja, mas o reafirma, colocando-se na perspectiva do valor e da dignidade da sexualidade humana, como expressão de amor e responsabilidade. Na entrevista, ele se refere a uma situação excepcional, quando o exercício da sexualidade representa um risco para a vida do outro. Bento XVI não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas julga que a utilização do preservativo para diminuir o perigo de contágio é um primeiro ato de responsabilidade, um primeiro passo no caminho rumo a uma sexualidade mais humana».
Neste sentido – continua o sacerdote –, as palavras do Pontífice «não podem ser vistas como uma mudança revolucionária, mas refletem o que ele disse numa entrevista de 2005, quando reconheceu que, em situações particulares, como, por exemplo, onde campeia a droga, a promiscuidade e a miséria, o uso do preservativo pode ser considerado legítimo». «É como se o Papa dissesse: usar a camisinha é um mal menor do que contaminar o próximo», explica o Pe. Márcio Fabri dos Anjos.
O livro de Peter Seewald apresenta também uma apreciação de Bento XVI sobre a “Humanae Vitae” de Paulo VI, publicada em 1968: «As perspectivas da Humanae Vitae continuam válidas, mas é preciso encontrar caminhos humanamente praticáveis. Creio que sempre haverá minorias intimamente convencidas da verdade dessas perspectivas e que, vivendo-as, se sentirão plenamente satisfeitas, sendo para os outros um fascinante modelo a seguir. Somos pecadores, mas não deveríamos ver neste fato uma instância contra a verdade, quando não se consegue viver essa elevada moral. Pelo contrário, deveríamos fazer todo o bem possível, apoiando-nos e suportando-nos mutuamente. Nossa tarefa é expressar tudo isso do ponto de vista pastoral e teológico, no contexto da sexologia e da pesquisa antropológica atual».
«Com essas declarações – acrescenta o Pe. Lombardi – Bento XVI nos oferece uma contribuição original. De um lado, ele se mantém fiel aos princípios morais, rejeitando o caminho ilusório da confiança ilimitada no preservativo; de outro, porém, demonstra uma visão compreensiva e de amplos horizontes, sempre atenta a valorizar os passos – ainda que pequenos, iniciais e confusos – de uma humanidade, não raras vezes muito pobre espiritual e culturalmente, ante um exercício mais humano e responsável da sexualidade».
Quanto ao pronunciamento do Papa durante a sua viagem à África, o religioso esclarece que, com essa nova intervenção, o sucessor de Pedro «confirma com clareza o que afirmou naquela ocasião: o problema da AIDS não se resolve somente com a distribuição de preservativos, mas exige prevenção, educação, ajuda, aconselhamento e proximidade com as pessoas, tanto para evitar que acabem doentes, quanto para ajudar as que estão contaminadas. Bento XVI julga que concentrar-se exclusivamente no preservativo significa banalizar a sexualidade, o que leva muitas pessoas a não vê-la como expressão do seu amor, mas como uma espécie de droga que se trocam mutuamente».