Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
A Igreja nasce do evento da ressurreição de Jesus e da experiência de fé que os primeiros discípulos tiveram do Cristo ressuscitado.
A afirmação da ressurreição de Jesus está no centro do cristianismo. Por isso, São Paulo declara que “se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem fundamento, e sem fundamento também é a vossa fé. Se os mortos não ressuscitam, estaríamos testemunhando contra Deus que ele ressuscitou Cristo enquanto, de fato, ele não o teria ressuscitado” (1Cor 15,14-15).
A fé no Ressuscitado é conforto e não uma saída ‘barata’ para o acolhimento das situações e contradições que a vida impõe, inclusive para o reconhecimento daquela realidade desafiadora que atinge a todos indistintamente: a morte. Ela desafia os que professam a fé no Crucificado-Ressuscitado!
Desafio é assumir o caminho do discipulado! Jesus, em mais de uma passagem dos Evangelhos, lança o convite – que soa também como um imperativo: ‘segue-me’. Professar a fé em Jesus significa segui-lo, reorientar a própria vida buscando fazer próprios os sentimentos que foram os dele, deixar-se guiar por ele e seu Evangelho. A decisão de se lançar no seguimento de Jesus implica assumir um caminho de conversão.
Os discípulos do Crucificado-Ressuscitado acolhem o amor como princípio do viver. Assim, o amor ultrapassa a dimensão dos sentimentos. O amor exige tudo! É difícil descrever o que significa essa exigência. Pode-se dizer, contudo, que o amor implica servir, promover o bem do outro, honrar e se empenhar para que todos possam ser felizes, tendo o necessário para viver com dignidade.
Os discípulos do Senhor se empenham, respondendo ao amor que gratuitamente os atingiu, em adorar a Deus. Quando a fé no Ressuscitado orienta a existência da pessoa, tudo o que ela faz expressa a determinação amorosa de bendizer, honrar e adorar Aquele que, a partir da compreensão da fé, é a origem e a meta de todas as coisas.
A súplica de Jesus ao Pai – “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti” (Jo 17,21) – desafia os seguidores de Jesus a se empenharem na superação de toda forma de divisão. A tarefa do ecumenismo exige discernimento, determinação e coragem de todos os que se consideram discípulos do Crucificado-Ressuscitado. Com os olhos da fé, as separações e as distinções poderão encontrar caminhos de superação das diferenças.
A fé, dom de Deus, não torna a conduta de alguém ilibada, mas ela é auxílio no combate a toda forma de divisão e pecado. Mesmo quando acontecem quedas, a fé concede forças para o reerguimento, retomada do caminho de vida abraçado e superação de todas as formas de morte.
A ressurreição é algo que aconteceu a Jesus. O fato transformou pela raiz a adesão daqueles primeiros discípulos que participaram dos acontecimentos em Jerusalém, quando da condenação, crucificação e morte de Jesus. Se num primeiro instante eles se sentiram perplexos diante da realidade de um processo iníquo e frustrados em suas expectativas e esperanças, depois da experiência do encontro com o Crucificado-Ressuscitado compreendem que Deus está começando algo radicalmente novo.
Os discípulos ao serem encontrados pelo Senhor Ressuscitado, são arrancados de sua perplexidade e incredulidade. Ouvindo suas palavras, é-lhes restituída a alegria (cf. Lc 24, 13-35).
O discípulo ‘segue os passos do Senhor, pisando sobre suas pegadas e desprezando os bens terrenos, para conseguir os celestiais. Pois tomar a cruz é matar a concupiscência, eliminar os vícios, afugentar a vaidade e abdicar de todos os erros’ (S. Leão Magno).