Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André
Eu não quero, Eu não faço, Eu não gosto, Eu quero, Eu faço, Eu gosto. Cada dia ouvimos estas palavras que ressaltam a centralidade do Eu, do indivíduo.
Nada contra o valor do indivíduo, aliás, o reconhecimento da individualidade é um dos pilares de sustentação da cultura moderna surgida na Renascença. Uma mudança significativa. Nesta época o indivíduo começa a revoltar-se contra o peso da aparelhagem social, rígida e controladora.
Nada mais bonito, necessário, que a grandeza do indivíduo reconhecido nos seus direitos, sendo o mais valioso deles, a liberdade. Assim, é evidente que ressaltar e fazer valer a individualidade são conquistas preciosas.
Porém, sempre há um porém, é hora de perguntar se a exaltação do indivíduo, não começa a prejudicar o próprio indivíduo. A designação individualismo tem vários significados nem todos negativos, mas o sentido mais conhecido é o sentido pejorativo que designa a tendência do indivíduo a se eximir de toda obrigação de solidariedade e a não cuidar senão de sí mesmo.
Emmanuel Mounier, pensador francês e fundador da corrente do Personalismo, oposto do individualismo, é de opinião que estamos vivendo a era do individualismo e escreve: “O individualismo é uma decadência do indivíduo antes de ser um isolamento do indivíduo; isolou os homens na medida em que os aviltou”.
Com a desarticulação da vida comunitária começando pela família; com o dinheiro e o lucro ocupando o centro e a meta de todos os empreendimentos; e ainda, com a negação de uma ética de valores, o individualismo avilta porque produz como resultado uma sociedade caótica. Tanto num mundo regido pela tirania do social como num mundo regido pela tirania do indivíduo, instala-se o caos e a impossibilidade de vida digna para todos.
Os resultados do individualismo estão presentes nos noticiários a cada dia. Basta andar pela cidade para ver as conseqüências. Nem mesmo os sinais de trânsito são respeitados. Cada um é lei para si mesmo e para os outros. A tendência é fazer predominar a vontade dos mais fortes, em uma sociedade onde os fracos não tem vez.
O individualismo alimenta o egoísmo e ambos alimentam a violência a qual, progride com a impunidade. Como violência gera violência, eis que estamos em um mundo cada dia mais violento, porque cada vez mais individualista e egoísta. Estamos na época do individualismo puro, desembaraçado dos últimos valores sociais e morais que ainda coexistem no reino do “homo oeconomicus”. Instala-se um novo estágio do individualismo: o narcisismo, escreve G. Lipovetsky na sua obra, A era do vazio.
Apesar disto,o ser humano é faminto de amor. Não vivendo no amor e na comunhão com os outros, não consegue ser pessoa. Pessoa que é um nó de relações. Aí então bate a depressão que aumenta, como aponta o crescimento de 40% na venda de antidepressivos nos últimos anos.
Onde encontrar o amor? O amor é dom de si, é comunhão e floresce onde nos relacionamos de forma fraterna. Torna-se urgente restabelecer a comunidade que desperta para a responsabilidade, o cuidado com os outros e com a natureza e conseqüentemente nos mantém a esperança.