Jesus é a própria encarnação do amor. A festa do Natal deve ser alegre anúncio da salvação e da libertação integral do ser humano
OS EVANGELHOS e demais escritos do Novo Testamento não informam a data em que nasceu Jesus. O dia 25 de dezembro foi escolhido pela igreja de Roma para celebrar o nascimento de Jesus Cristo, a fim de suplantar a festa pagã que nesse dia comemorava o nascimento do Sol.
Por volta do século quarto, o culto ao Sol estava muito em voga no paganismo decadente do Império Romano. No solstício do inverno, faziam-se solenes celebrações em honra do Sol, adorado como divindade.
Para afastar os fiéis daquelas festas idolátricas, a igreja convidou os cristãos a celebrar naquele dia o nascimento de Cristo, verdadeira luz que “ilumina todo ser humano que vem a este mundo”.
Na solene liturgia da noite santa do Natal, ecoam as palavras do profeta Isaías: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1).
Depois de ter evocado a triste situação do exílio, onde o povo de Deus experimentou as trevas da escravidão, Isaías faz um anúncio cheio de esperança: “Nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho; ele traz aos ombros a marca da realeza; o nome que lhe foi dado é: conselheiro admirável, Deus forte, pai dos tempos futuros, príncipe da paz” (Is 9,5).
Nessa extraordinária coleção de títulos, o profeta aplica ao menino os grandes atributos e as extraordinárias virtudes dos heróis de Israel: Ele tem a sabedoria de Salomão, a força e a coragem de Davi, a piedade dos patriarcas e de Moisés. Ele é o Emanuel, que quer dizer Deus-conosco.
Deus veio ao mundo como uma criança pobre, pequena e frágil. Assumindo nossa condição, ele se solidariza com a humanidade e se comunica conosco falando nossa linguagem.
Deus se fez gente e veio habitar entre nós (cf. Jo 1, 14). É esse fato extraordinário, que ultrapassa os limites da inteligência humana, que nós cristãos celebramos no Natal: Deus entra em nossa história, revestido de nossa humanidade. O eterno irrompe no tempo.
Em Cristo, tudo renasce e se refaz.
ele surge uma nova criação. O ser humano é elevado à condição de filho de Deus. A relação do gênero humano com Deus, rompida pelo pecado, é restabelecida. Em Jesus de Nazaré, revela-se a grandeza e a transcendência do ser humano. Nele descobre-se a profundidade e a altura da existência humana. O frágil menino da manjedoura é o salvador do mundo. Nele contemplamos “a face divina do homem e a face humana de Deus”.
Jesus é a própria encarnação do amor. Passou pela terra fazendo o bem a todos. “Sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra, anunciou ao mundo que Deus é pai e cuida de todos como filhos e filhas”, proclama a liturgia da Igreja Católica.
A festa do Natal deve ser, portanto, alegre anúncio da salvação e da libertação integral do ser humano. O nascimento do Salvador abre uma perspectiva nova de vida digna para todos, propõe um caminho seguro que leva à comunhão e à solidariedade, convida a vivermos na paz, fruto da justiça, e impulsiona-nos a defender e promover a vida.
A festa do nascimento de Jesus desperta sentimentos de bondade, de solidariedade e de fraternidade que se manifestam nos belos gestos de comunhão e partilha. Lamentavelmente, muitas vezes, o balbucio do menino na manjedoura de Belém é sufocado, e a luz que vem do presépio não brilha com todo o seu esplendor para a humanidade que ainda anda na escuridão.
A sociedade que se paganiza e esquece suas raízes cristãs vai perdendo o verdadeiro sentido do Natal, transformando-o na grande festa do consumo, do esbanjamento, da desigualdade e da ostentação.
A mensagem que ecoa na gruta de Belém aponta-nos os caminhos para a construção de uma nova sociedade, sem ódio e rancor, sem barreiras e divisões, sem discriminação e exclusão, sem violência e guerra, sem “botas de tropa de assalto e trajes manchados de sangue” (Is 9, 4). Jesus é o príncipe da paz, e “grande será o seu reino e a paz não há de ter fim” (Is. 9,6). Por isso, com júbilo natalino, proclamamos: “uma luz resplandeceu” (Is 9,1).
Dom Geraldo Lyrio Rocha , mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino, em Roma (Itália), é arcebispo de Mariana (MG) e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).