Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
O tempo corre veloz e as pessoas buscam meios para aproveitá-lo, de acordo com a idade, situação social e os eventuais desafios que se apresentam. De fato, diferente é o tempo da criança que se entrega às brincadeiras e jogos próprios de sua etapa de vida, parecendo jogar fora preciosos minutos da existência, se comparado com o afã de ganhar o necessário para enfrentar os dias atuais, com o qual tantos adultos têm que se haver. Sonhadores são os tempos de quem se apaixona, imaginando a realização de seus planos com a pessoa querida! Longos os minutos do enfermo numa cama de hospital, aguardando o gotejar dos aparelhos que lhes são aplicados. Mais demorados os dias das muitas pessoas solitárias de nossa época, ou aquelas que se apavoram diante do espectro do abandono, este mais comum do que se pode imaginar! Mistério do tempo!
Maravilhosa a aventura das horas trabalhadas, com a qual homens e mulheres retornam para casa, depois de uma jornada intensa, trazendo cansaço e felicidade pelo dever cumprido. Angustiantes as horas passadas na busca de trabalho e emprego, quando se quer mesmo ganhar o pão com o próprio labor e a situação da sociedade dificulta alcançar tal nobre objetivo. Complicado o sentido do tempo para quem está mergulhado no vício, sem enxergar uma luz no caminho, mendigando auxílio de alguma parte! Intrigante o uso do tempo para quem se entrega ao ócio e à falta de sentido para a existência! Mistério do tempo!
Quando ouvimos o Evangelho na Missa, começa assim: “Naquele tempo…” Aquele tempo é o da graça de uma presença e companhia inigualáveis, quando os desígnios amorosos da Santíssima Trindade fizeram acontecer a entrada do Filho amado nesta nossa história, para ser nosso Senhor e Salvador, esperança e rumo para toda a humanidade. O tempo do calendário ou das agendas, o tempo do relógio, torna-se oportunidade para um encontro que preenche todos os outros tempos! Deus nos dá de presente a possibilidade de um sentido para a vida, tornando-se esta não apenas uma edificação feita de planos muitas vezes irrealizáveis, mas resultado de uma aventura de amor, iniciada por Deus e destinada a ser correspondida por todos os homens e mulheres de qualquer tempo. Somos criaturas, fomos pensados com amor e por amor, destinados à felicidade e não jogados por acaso neste mundo. Mistério do tempo!
Para iluminar o nosso tempo, a Igreja tem um caminho, chamado “Ano litúrgico”, com o qual percorre, a nosso favor e proveito, todo o mistério de Cristo, do seu nascimento até o retorno no fim dos tempos. Deus é sempre novo, e cada tempo da Igreja pode revelar-se cheio de sentido para cada pessoa que acolhe sua riqueza espiritual. Sabemos que Jesus veio uma vez, realizou sua entrega, ofereceu-nos a graça e a salvação, mas quer ser de novo anunciado e acolhido pelas sucessivas gerações e oferecer a todos sua graça. Cabe a nós, neste final de ano, com a fé que professamos, viver o tempo da Igreja de tal forma que muitas outras pessoas se sintam convidadas a fazer a mesma experiência. O Tempo de Advento, tempo da esperança e da chegada, seja tão fecundo e importante para nós, que os outros não assistam a peças teatrais de Natal, ou apenas troquem presentes. A nós cabe a tarefa de oferecer “o presente” que é Jesus Salvador. É hora de despertar para esta missão. Tempo litúrgico, tempo de Cristo, tempo da Igreja. Mistério do tempo!
Somos ajudados a viver este período pela luz da Palavra de Deus. Naquele tempo (Cf. Mc 13, 33-37), Jesus disse aos seus discípulos: “ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento… O que vos digo, digo a todos: vigiai”. Não é difícil perceber o quanto o Senhor é realista, abrindo-nos para a responsabilidade diante da vida. Mesmo quem quer apenas aproveitar e desfrutar todos os prazeres e oportunidades de seu dia a dia acaba se defrontando com os dramas, quais sejam a enfermidade ou a sombra da morte, e tantas vezes se sente desorientado. Um dia terá que pensar no sentido da existência. Mistério do tempo!
Uma característica da vida humana, a um tempo desafiadora é maravilhosa, é a brevidade da existência. Vidas fecundas e dedicadas fazem com que, à velhice que chega, a pessoa tenha a impressão de que tudo passou como um momento, quase um sonho, um sopro apenas, visto no sorriso alegre de tantos anciãos e anciãs! E estas pessoas nos ensinam ainda como é verdadeira a palavra da Escritura que afirma serem vaidades todas as coisas! De fato, o que sobra das riquezas, se não são bem usadas? Curta ou longa a duração da vida nesta terra, transformadas as riquezas e potencialidades no bem que se pode fazer ou, infelizmente, desperdiçadas tantas vezes, mas ninguém poderá fugir da responsabilidade que lhe cabe pela única vida que lhe foi dada! Mistério do tempo.
É ato de inteligência acordar e não deixar fugir o momento presente, mas vigiar, tomar nas mãos as rédeas daquilo que nos foi dado com tanta generosidade por Deus. Para ser vigilantes, é necessário ajustar a mira na vida, objetivos claros, escolhas bem definidas, superação do improviso. Quem sabe o que quer busca os meios necessários para a viagem da existência. Nada de alarde ou apavoramento, mas buscar o que corresponde aos valores da dignidade das pessoas e da vida, usar as armas da verdade e da retidão. Quem o faz terá o equilíbrio necessário, pois as surpresas não faltam. Quando chegarem, viver na certeza de que tudo, tudo mesmo, coopera para o bem dos que amam a Deus. Quem tem a visão de conjunto é Deus! Mistério do tempo!
Quais serão as surpresas dos dias que virão? Deus nos fala através de sua Palavra, que é “de vida eterna”, assim como fala pelos acontecimentos, os apelos do próximo, especialmente os pobres, fala nas crises da sociedade que pedem uma revisão dos caminhos que percorremos, assim como fala através de pessoas sábias, capazes de alertar-nos diante dos riscos e perigos. Ninguém precisa exercitar a adivinhação, que, aliás, revela uma grande insegurança! Cada minuto seja uma oportunidade para acolher o que Deus nos preparou com amor. Mistério do tempo!
Diante de tudo o que pode acontecer, ainda uma proposta, pois o Senhor pede para vigiar e orar. Na oração temos a possibilidade de reencontrar-nos e refletir sobre a própria vida. Nela, Deus recolhe os muitos fragmentos de nosso dia a dia, para compor uma obra de arte! E ninguém é mais artista do que o Pai do Céu, que fez bem todas as coisas! É o tempo do Advento, com o qual se inicia o Ano Litúrgico da Igreja, convida justamente a rezar mais e melhor, cheios da esperança. E veremos nosso tempo se transformar, cada dia mais, em tempo de graça e salvação, no mistério do tempo!