Esta é a 16ª viagem apostólica do pontificado de Francisco
Com o desejo de valorizar as antigas raízes cristãs presentes nos países do Cáucaso e encorajar esperanças e sendas de paz, o papa Francisco iniciou, nesta sexta-feira, dia 30, a sua 16ª viagem apostólica. Iniciando na Geórgia, a jornada de Francisco chega ao Azerbaijão no domingo, dia 2. Em seu primeiro discurso em terras georgianas, o pontífice ressaltou que as diferenças podem e devem ser, para todos, “fonte de enriquecimento recíproco em benefício do bem comum”.
O lema da viagem marcada pelo ecumenismo é “Pax Vobis” (a paz esteja convosco). De acordo com a Rádio Vaticano, a Igreja ortodoxa georgiana, com a qual a Santa Sé mantém boas relações, é uma das poucas que não reconhecem a validez do batismo administrado pelos católicos. O papa Francisco e o patriarca Elias II se abraçarão, mas não rezarão juntos. O Patriarca e Catholicos dos ortodoxos georgianos não participará pessoalmente da missa celebrada pelo pontífice no sábado, 1° de outubro, mas decidiu enviar uma delegação.
Quatro eventos marcaram a agenda deste primeiro dia de visita do papa Franscisco. Na capital do país, Tbilisi, o pontífice foi recebido pelo presidente da República, Giorgi Margvelashvili, quando proferiu o primeiro discurso no país. Também houve encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático; o encontro com Elias II, catholicos e patriarca de toda a Geórgia e, por fim, a oração pela paz com a comunidade assírio-caldeia.
Reconciliação e paz
Mais uma vez na região de fronteira entre Europa e Ásia, o papa Francisco insiste em estar presentes em “países pequenos, ainda feridos por conflitos”. Nestes locais, o bispo de Roma espera “encorajar percursos de reconciliação e de paz”. São países onde os católicos são um “pequeno rebanho”, mas nos quais convivem com outras confissões cristãs e com outras religiões. O pontífice aproveita ainda para aprofundar o drama dos refugiados que fogem da Síria e do Iraque, reunindo-se com a comunidade assírio-caldeia, e dos refugiados do conflito com a Federação Russa em 2008. Já em sua primeira fala, o papa manifestou o desejo de que as autoridades empenhem-se na busca de soluções para os problemas dos refugiados
Caminho de paz e desenvolvimento
Em seu discurso ao presidente da Geórgia, Francisco recordou os 25 anos de independência do país, conquistada “com grandes sacrifícios” enfrentados pelo povo, e fez votos para que “o caminho de paz e desenvolvimento prossiga com o esforço solidário de todas as componentes da sociedade, para criar as condições de estabilidade, equidade e respeito da legalidade suscetíveis de favorecer o crescimento e aumentar as oportunidades para todos”.
Tal desejo, de acordo com o papa, é um progresso que depende de uma coexistência pacífica entre todos os povos e Estados da região. Refletindo sobre as diferenças e disputas, Francisco ressaltou a necessidade de tentativas que evitem que as divergências desencambem em violências, “fadadas a provocar enormes ruínas para o homem e a sociedade”.
“Qualquer distinção de caráter étnico, linguístico, político ou religioso, longe de ser utilizada como pretexto para transformar as divergências em conflitos e estes em tragédias sem fim, pode e deve ser, para todos, fonte de enriquecimento recíproco em benefício do bem comum”, disse Francisco.
Programação
No dia 1º, Francisco presidirá uma missa às 10h, no horário local, no estádio Mikhail Meskhi. Às 15h50 locais, está programado o encontro com sacerdotes, religiosos, seminaristas e agentes da pastoral na Igreja Latina da Assunção. A Rádio Vaticano começa as transmissões ao vivo a partir das 3h50, no horário de Brasília.
No mesmo dia, o papa realiza visita aos doentes assistidos pelos missionários do Centro de Assistência dos Camilianos e também irá à catedral Patriarcal de Svetitskoveli, em Tmskheta. Estes dois compromissos encerrarão a agenda na Geórgia.
Leia o discurso do papa na íntegra:
“Senhor Presidente,
Distintas Autoridades,
Ilustres membros do Corpo Diplomático,
Senhoras e Senhores!
Agradeço a Deus Todo-Poderoso por me ter dado a oportunidade de visitar esta terra abençoada, local de encontro e intercâmbio vital entre culturas e civilizações, que achou no cristianismo, desde a pregação de Santa Nino no início do século IV, a sua identidade mais profunda e o fundamento seguro dos seus valores. Como afirmou São João Paulo II ao visitar a vossa pátria, «o cristianismo tornou-se a semente do sucessivo florescimento da cultura georgiana» [Discurso na cerimônia de boas-vindas, 8 de novembro de 1999, 2: Insegnamenti XXII/2 (1999), 841], e esta semente continua a dar os seus frutos. Recordando com gratidão o nosso encontro do ano passado no Vaticano e as boas relações que a Geórgia sempre manteve com a Santa Sé, agradeço-lhe sentidamente, Senhor Presidente, o seu aprazível convite e as palavras cordiais de boas-vindas que me dirigiu em nome das autoridades do Estado e de todo o povo georgiano.
A história plurissecular da vossa pátria manifesta o enraizamento nos valores expressos pela sua cultura, língua e tradições, inserindo o país a pleno título e de modo fecundo e peculiar no álveo da civilização europeia; ao mesmo tempo, como evidencia a sua posição geográfica, é quase uma ponte natural entre a Europa e a Ásia, um gonzo que facilita as comunicações e as relações entre os povos, tendo possibilitado ao longo dos séculos tanto o comércio como o diálogo e a troca de ideias e experiências entre mundos diversos. Como se diz com pundonor no vosso hino nacional, «o meu ícone é a minha pátria, (…) montanhas e vales esplendorosos são partilhados com Deus». A pátria é como um ícone que define a identidade, delineia as características e a história, enquanto as montanhas, erguendo-se livres para o céu, longe de ser uma muralha insuperável, enchem de esplendor os vales, distinguem-nos e relacionam-nos, tornando cada um deles diferente dos outros e todos solidários com o céu comum que os cobre e protege.
Senhor Presidente, já se passaram vinte e cinco anos desde a proclamação da independência da Geórgia, que durante este período, recuperando a sua plena liberdade, construiu e consolidou as suas instituições democráticas e procurou os caminhos para garantir um desenvolvimento o mais possível inclusivo e autêntico. Tudo isto com grandes sacrifícios, que o povo enfrentou corajosamente para se assegurar a tão suspirada liberdade. Almejo que o caminho de paz e desenvolvimento prossiga com o esforço solidário de todas as componentes da sociedade, para criar as condições de estabilidade, equidade e respeito da legalidade suscetíveis de favorecer o crescimento e aumentar as oportunidades para todos.
Tal progresso autêntico e duradouro tem como indispensável condição prévia a coexistência pacífica entre todos os povos e Estados da região. Isto requer que cresçam sentimentos de mútua estima e consideração, que não podem ignorar o respeito das prerrogativas soberanas de cada país no quadro do direito internacional. Para abrir sendas que conduzam a uma paz duradoura e a uma verdadeira colaboração, é preciso estar ciente de que os princípios relevantes para um relacionamento équo e estável entre os Estados estão ao serviço da convivência concreta, ordenada e pacífica entre as nações. De facto, em demasiados lugares da terra, parece prevalecer uma lógica que torna difícil sustentar as legítimas diferenças e as disputas – que sempre podem surgir – num contexto de verificação e diálogo civil onde prevaleça a razão, a moderação e a responsabilidade. Isto revela-se muito necessário no momento histórico atual, em que não faltam também extremismos violentos que manipulam e distorcem os princípios de natureza civil e religiosa, pondo-os ao serviço de obscuros desígnios de domínio e morte.
É preciso que todos tenham a peito primariamente as sortes do ser humano na sua situação concreta e realizem, com paciência, toda e qualquer tentativa para evitar que as divergências descambem em violências, fadadas a provocar enormes ruínas para o homem e a sociedade. Qualquer distinção de caráter étnico, linguístico, político ou religioso, longe de ser utilizada como pretexto para transformar as divergências em conflitos e estes em tragédias sem fim, pode e deve ser, para todos, fonte de enriquecimento recíproco em benefício do bem comum. Isto exige que cada um possa fazer pleno uso das especificidades próprias, a começar pela possibilidade de viver em paz na sua terra ou de retornar a ela livremente se, por qualquer motivo, foi forçado a abandoná-la. Espero que os responsáveis públicos continuem a ter a peito a situação destas pessoas, empenhando-se na busca de soluções concretas, mesmo fora das questões políticas ainda por resolver. Requerem-se clarividência e coragem para reconhecer o bem autêntico dos povos e demandá-lo com determinação e prudência, sendo indispensável ter sempre diante dos olhos os sofrimentos das pessoas para prosseguir com convicção no caminho, paciente e árduo mas também emocionante e libertador, da construção da paz.
A Igreja Católica – há séculos presente neste país, distinguindo-se particularmente pelo seu empenho na promoção humana e nas obras sócio-caritativas – compartilha as alegrias e preocupações do povo georgiano e deseja prestar o seu contributo para o bem-estar e a paz da nação, colaborando ativamente com as autoridades e a sociedade civil. Faço sentidos votos de que ela continue a dar o seu contributo genuíno para o crescimento da sociedade georgiana, através do testemunho comum da tradição cristã que nos une, do seu compromisso a favor dos mais necessitados e mediante um diálogo renovado e mais intenso com a Igreja Ortodoxa Georgiana antiga e as outras comunidades religiosas do país.
Deus abençoe a Geórgia e lhe conceda paz e prosperidade!”