Santa Mônica: mãe de Agostinho

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

 

Neste tempo em que somos chamados pela Igreja, mãe e mestra, a estudar, meditar e rezar a identidade familiar à luz da Exortação Apostólica “Amoris Laetitia”, uma figura que merece nossa atenção e cuidado são as mães.

Como é fácil e difícil falar de mãe! Palavra tão pequena e cheia de significado. Rica em subjetividade, pois cada uma possui um comportamento, uma crença, uma meta, mas todas, em sua genuína essência, possuem um objetivo: ver os filhos acertando na vida e sendo felizes.

Diziam os antigos e essa afirmação se confirma com a Sagrada Escritura, especificamente nos mandamentos, para ser exato, no quinto, quando diz: “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.” (Ex 20,12).

O verbo honrar aqui tem um significado importante e profundo. O honrar que a Bíblia traz é mostrar respeito. Quando criança, isso significa obedecer aos pais. Quando adulto, significa ouvir e respeitar os conselhos dos pais. Quando os pais estão idosos, significa cuidar deles e ajudá-los.

Talvez não estejamos mais vislumbrando essas atitudes dos filhos para com os pais e nem os pais para com os vossos filhos. Há uma inversão de valores hoje em dia, o que tem gerado grandes conflitos e crises nas famílias.

Para se começar um possível caminho para pequenas mudanças, vamos voltar nosso olhar para a figura materna. Me parece que a casa, o lar, as famílias só conseguem ser geradas e administradas com a figura da mãe. Seu papel é de extrema importância em todas as dimensões da vida familiar. A mãe é a que gera, que cuida, que educa, que protege e que ama. Sabemos que essa função é também paterna, mas ainda somos devedores de uma cultura em que essa missão tem muito a ver com as mães.

Uma das características mais bonitas que só o coração de uma mãe possui é a perseverança. A mãe nunca desiste de seu filho! Ela sempre está atenta e sabe as necessidades pontuais de cada um. Dedica-se aos que mais precisam e está pronta a se doar totalmente por uma causa que traga ao seu filho a felicidade e a paz.

Dentro da história da Igreja, temos diversos exemplos de mães que vão assumindo com muita coragem e ardor essa missão tão especifica e única. Uma delas é a figura de Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho. Mônica “entra” na história através da obra Confissões, de seu segundo filho, Santo Agostinho (Aurelius Augustinus, 13.11.354 d.C.), escrita, aproximadamente, no ano de 397. Agostinho relata um pouco como fora a vida de sua genitora. Alguns aspectos valem ser enaltecidos como a sua própria criação, pois Mônica foi criada por uma “dada”, termo que designava uma escrava incumbida de vigiar as crianças filhas de seus senhores. A velha escrava cuidou também de sua educação; Agostinho conta-nos um caso em que sua mãe, ainda criança, foi severamente repreendida pela “dada”, pois começou a demonstrar gosto pelo vinho (“de fato, a escrava que costumava acompanhá-la até junto do tonel, litigando um dia com sua jovem senhora, estando sós, lançou lhe em rosto a intemperança, chamando-lhe com atroz insulto: Bêbada!”) (Confissões, p. 224).

Vejamos como a vida de um santo, antes de ser contemplada e reconhecida, passa pelo dia a dia de um ser humano comum, voltado as suas angústias, necessidades, vontades e carências.

Mônica não teve uma vida fácil ou isenta de sofrimentos. Casou ainda jovem e teve o coração ferido pela infidelidade matrimonial. Para qualquer uma, isso seria motivo para uma desistência dos ideais ou até mesmo do projeto de vida, mas suas particulares atitudes já revelavam um modelo cristão de boa esposa. O próprio filho conta-nos em suas confissões: “Sofria-lhe também as infidelidades matrimoniais com tanta paciência, que nunca teve discórdia alguma com o marido, por este motivo” (Confissões, p. 225).

Agostinho, na vida de Mônica, sempre foi uma marca para a superação e a perseverança. Serviu para ela como ponte para a santidade, onde desde cedo trouxera-lhe grandes desafios e preocupações. De qualquer modo, neste período, o cristianismo já tinha a aquiescência do Império e é provável que Patrício tenha cedido aos apelos de sua mulher, se convertendo e dando os primeiros ensinamentos cristãos a Agostinho, com a ajuda econômica de um amigo de nome Romaniano — que, durante toda a educação de Agostinho, socorreria a família quanto aos gastos para sua formação, mesmo após a morte de Patrício (o pai de Agostinho morreu no mesmo ano de sua conversão, em 370).

O que a história humana deles tenta nos passar nesses primeiros momentos são uma fidelidade e uma esperança sem igual em Deus. Não perderam a fé e a vontade de se aproximar de Deus. Agostinho já vê na mãe um instrumento a serviço de Deus; “De quem eram senão de Vós, aquelas palavras que, por meio de minha Mãe, Vossa fiel serva, pronunciastes aos meus ouvidos?” (Confissões, p. 57). Para ele, Mônica já é nesse momento o alicerce espiritual que o conduzirá em direção da verdadeira fé; ele na verdade, após seu batismo e conversão ao cristianismo, nunca reconsiderou o caráter feminino de sua mãe.

Não resta dúvida que para ele, ela sempre foi a intermediária entre ele mesmo e Deus: “Não era a minha mãe nem as minhas amas que se enchiam a si mesmas os peitos, de leite. Éreis Vós, Senhor, que, por elas, me dáveis o alimento da infância, segundo os vossos desígnios e segundo as riquezas que depositastes até no mais íntimo das coisas” (Confissões, p. 32).

Esse jeito particular de Mônica é o modelo desta tarefa pedagógica vital: a formação da conduta moral e religiosa do filho. Incutir pudor, mansidão, e todas essas condutas cristãs é a virtude deste exemplo de comportamento, que, além de tudo, dá o empenho da conversão, em que pese a debilidade estrutural da intervenção feminina no interior da família.

Toda a vida deste servo Agostinho foi marcada pelas inconstâncias da vida e suas aventuras. A passagem dele por uma vida desregrada e sem disciplina, pode trazer-lhe mais adiante um encontro consigo mesmo, buscando uma reconciliação com Deus e com o seu próprio interior.

Por fim, Santa Mônica é santa, não por ter realizado qualquer milagre, ou por ter sido martirizada, como tantos santos cristãos da Alta Idade Média. Ela é santa por ser mãe e intercessora de um santo, logo, um instrumento divino. Ela é o meio para o fim. Sua maternidade é a dos novos tempos, da virada do mundo antigo para o medievo. Sua miraculosidade é a da lágrima, que suplica através da oração a dádiva do Cristo para seu filho. Suas lágrimas são as lágrimas de Deus: “…enquanto minha Mãe, Vossa fiel serva, junto de Vós chorava por mim, mais do que as outras mães choram sobre os cadáveres dos filhos” (Confissões, p. 83). Seu atributo não possui redenção nem conflito. Ele é a prece atendida, o fervor transmitido.

Rezou, rezou e rezou. Assim foram 30 longos anos, não somente de dor, angústia e sofrimento, mas de esperança, fé e confiança. Vejo a imagem, o ícone de Santa Mônica e tento aproximá-lo com o rosto de muitas mães de hoje. Ela é representada como uma senhora com grandes sulcos no rosto, olhar triste e mãos unidas em forma de oração. Talvez seja essa a palavra que a define: oração. A mãe serva de Deus, que ora pelo filho. A mãe cristã.

Que o exemplo de Mônica inspire as nossas mães a estarem em sintonia com Deus e com os seus filhos. Mediante a tanta tristeza, incerteza e dor, para que os filhos continuem de pé, trilhando seus caminhos, as mães precisam dobrar os vossos joelhos e clamar diante de um Deus que tudo atende, conhece e se compadece.

 

 

Tags:

leia também