Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo (SP)
Acaba de ser publicado pelas Edições CNBB o documento “Iniciação à vida cristã. Itinerário para formar discípulos missionários” (Documentos da CNBB n° 107). O texto foi apresentado, debatido e aprovado na assembleia geral da Conferência, em maio passado, e trata, como diz o título, do processo de introdução à fé e à vida cristã.
Ninguém nasce sabendo, em- bora possamos trazer em nós certas aptidões ou tendências inatas. Na vida, tudo se aprende, quando há as condições e estímulos para tal. Não é diferente com a fé em Deus e com a religião. Aprende-se a crer e a praticar a religião, na medida em que há quem ensine ou transmita os valores da fé através do testemunho e do ensinamento. O ambiente pode ajudar muito, como também pode atrapalhar. A criança que nasce e cresce num ambiente de fé e de prática religiosa, desenvolve mais facilmente o senso religioso. Quem cresce e vive num ambiente não religioso enfrenta grandes dificuldades para desenvolver a fé e para a prática religiosa.
O documento da CNBB fala de Deus, que vem ao nosso encontro e se dá a conhecer. Todos podem encontrar e conhecer a Deus. Na acolhida desse encontro, acontece uma experiência de fé inicial e marcante. Esse encontro pode ser favorecido e ajudado pelo testemunho de pessoas que já vivem a experiência da fé através da prática da religião. A ação evangelizadora da Igreja tem este grande objetivo: ajudar as pessoas, através do anúncio do Evangelho, a se aproximarem de Deus e a se abrirem ao encontro com Ele.
A vida cristã é um caminho que se aprende a percorrer; Jesus mesmo se apresenta aos discípulos como o caminho para Deus e para a vida plena. A fé é um grande dom de Deus, mas não se tem a vida cristã pronta desde logo: ela supõe passos, um crescimento, um amadurecimento e uma grande meta de esperança para a qual está orientada. Ser cristão supõe encontrar Jesus, deixar-se envolver por Ele, conhecer mais profundamente o mistério de sua pessoa e aceitar seu convite a segui-lo vida afora, passo a passo, etapa após etapa, aprender dEle, colocar em prática o que se aprendeu, produzir os frutos da fé através das virtudes e das obras da fé. Trata-se, portanto, de um aprendizado, que se aprofunda sempre mais e que dura a vida inteira, até o grande encontro definitivo com Deus na vida eterna.
O documento da CNBB mostra como se desenvolve esse processo de iniciação à vida cristã, que tem o objetivo de formar os cristãos como discípulos missionários de Jesus Cristo. A iniciação à vida cristã faz parte da evangelização e tem como grande meta proporcionar aos que ainda não foram batizados a alegria de se encontrarem com Deus através de Jesus Cristo e da vida da Igreja. Aos que já foram batizados, a evangelização deve proporcionar o acompanhamento pedagógico para que, vida afora, os cristãos cresçam e amadureçam na fé, que também inclui a assídua participação na vida eclesial e o testemunho dos frutos da fé, esperança e caridade.
O Batismo é uma grande graça de Deus. Mas não basta ter recebido o Batismo, sem desenvolver a vida cristã que dele deve normalmente decorrer. Não se lançam sementes à terra, sem a esperança de colher frutos um dia…
O texto da CNBB foi motivado pela necessidade de rever e aprofundar o processo de evangelização e de formação cristã. Faz tempo que nos perguntamos, por que razão temos tantas pessoas que receberam o Batismo, mas não vivem a fé, não participam da vida eclesial e, pela vida, vivem como se não fossem cristãos? Por que motivo tantas pessoas abandonam a Igreja e até a fé?
Pode haver muitas explicações para isso, mas é difícil negar que há uma deficiência, ou até falha na evangelização. Provavelmente, está faltando um sério processo de iniciação à vida cristã. O documento da CNBB trata dos lugares e ambientes onde deve ser feito esse processo: a família, a paróquia, o grupo de vida cristã, a comunidade inteira da Igreja. A Igreja possui uma longa experiência de métodos e práticas de transmissão da fé e de iniciação à vida cristã, como são as missões populares, a catequese, os retiros e cursos de fé e vida cristã. Talvez essa sabedoria evangelizadora tenha sido abandonada, ou precise ser adequada aos novos tempos e situações. Mas, não se pode ficar apenas perplexo e inerte diante do problema. Isso é tanto mais necessário, se consideramos que a transmissão da fé já não é favorecida pelo ambiente cultural e precisa até enfrentar oposição e resistência.
O sínodo da Arquidiocese de São Paulo deverá se confrontar com isso. A evangelização para a transmissão da fé, bem como a iniciação à vida cristã e a formação no caminho da fé são questões de vida ou morte para o futuro da Igreja, cuja renovação passa necessariamente pela renovação da catequese e da formação cristã. Que o Espírito Santo ilumine a todos nós na realização dessa missão!