Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Estamos vivendo um tempo de deserto levados pelos cuidados para não espalhar o contágio com o “corona-vírus”. Devemos ficar em casa em quarentena, ou distanciamento social como preferem outros. O tempo da Quaresma, em que somos chamados à conversão para viver, com alegria, neste ano de maneira mais familiar a Páscoa do Senhor, é um caminho que pode nos permitir encontrar com as motivações e os compromissos primeiros da fé que professamos pelo Batismo. Este tempo de retiro e de recolhimento é propício de confronto com tudo o que nos afasta da vida que vem de Deus.
Temos a graça de celebramos neste domingo, o quinto deste período de conversão e de um itinerário de busca pela santidade. Com este domingo fechamos as três grandes “catequeses batismais” do Evangelho de João que balizam a liturgia da Quaresma são a história da Samaritana (cf. Jo 4), a do cego de nascença (cf. Jo 9) e a de Lázaro (cf. Jo 11). Desde os primeiros tempos do cristianismo preparam os catecúmenos para serem batizados na noite pascal. Trata-se da história de Lázaro (cf. Jo 11), que anuncia a vida nova do cristão, co-ressuscitado com Cristo.
A história do Evangelho deste domingo (cf. Jo 11,1-45) se compõe de três momentos. Num primeiro momento, Jesus se encontra do outro lado do Jordão, a uns 40 km de Jerusalém (cf. Jo 10,40). Lá, ele recebe notícia de que seu amigo Lázaro está à morte (cf. Jo 11,2 explica: Lázaro é o irmão de Marta e de Maria, aquela que enxugou com seus cabelos os pés de Jesus, como será narrado no cap.12). Jesus responde que a doença de Lázaro não vai terminar na morte, mas na manifestação da glória de Deus (cf. Jo 11,4). E em vez de subir logo a Jerusalém, demora ainda dois dias no lugar.
O segundo momento é a chegada de Jesus em Betânia, na crista do monte das Oliveiras, a 3km de Jerusalém. Jesus encontra Marta na entrada do povoado. Ela diz: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (cf. Jo 11,21) (ela diz assim devida a tamanha dela e de sua família terem uma amizade com Jesus). Mas ela confia que Jesus pode ainda pedir algo a Deus para ele (cf. Jo 11,21). Jesus responde que Lázaro vai ressuscitar, e Marta confirma isso, pois ela é uma judia piedosa que acredita na ressurreição no último dia. Jesus, então, replica: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que, em vida, crê em mim, não morrerá jamais! Crês nisto? Marta exclama: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que vem ao mundo” (cf. Jo 11, 27).
A história poderia terminar por aqui, mas, Jesus se revelou como a vida eterna para quem crê n’Ele, desde já. Quem crê em Jesus (e age em conformidade) vive uma vida que nunca mais lhe será tirada; será apenas confirmada na hora da morte corporal. “Já passou da morte para a vida” (cf. Jo 5,24).
Jesus dá sinais palpáveis de sua mensagem. Esse é o terceiro momento. Jesus encontra Maria perto da casa. Ela também diz: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (cf. Jo 11,32). Jesus então se comove por causa de Maria e dos parentes e amigos que estão aí fazendo pranto. E, indo ao túmulo, manda tirar a pedra que fecha a entrada. Marta, a realista, que inclusive já aprendeu a lição de Jesus, acha melhor não abrir o tumúlo, pois com a demora Jesus já é o quarto dia que Lázaro está morto; já deve estar em estado de decomposição. Mas, Jesus lembra o que falou aos discípulos: que a doença de Lázaro serviria para se manifestar a glória de Deus (cf. Jo 11,40). Com uma oração de agradecimento a seu Pai, chama Lázaro do túmulo. Lázaro sai, ainda envolto na mortalha. Antecipa a ressurreição de Jesus, mas somente até certo ponto. Quando Jesus ressuscitar, a mortalha ficará sobrando (cf. Jo 20,5.7). Jesus ressuscita soberano, totalmente livre, Lázaro, ao contrário, precisa ainda ser solto das amarras da morte (cf. Jo 11, 44).
Este é o sétimo e o último milagre, ou ainda nas palavras e na teologia de João “sinal”. No Evangelho de João, é a plenitude dos gestos proféticos de Jesus. Jesus revelou plenamente o sentido “vital” de sua mensagem e ação. Só falta agora completar esta revelação pelo dom de sua própria vida, no qual ele manifesta o rosto de Deus mesmo, pois Deus é amor. Este será o tema do resto do Evangelho de João (caps. 13-20).
Nesse ano a Campanha da Fraternidade convida para uma reflexão sobre o valor da vida humana: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”(cf. Lc 10,33-24) e que tem como tema: Fraternidade e vida – Dom e compromisso. Num mundo secularizado como o nosso em que o aborto quer ser legalizado pela interpretação da lei e nem pelo legislador; em que o idoso é sempre descartado; em que a vida humana é relativizada, a Igreja Católica proclama que todas as vidas são obras do amor de Deus. Por isso, Fraternidade e Vida é o desejo para todos os batizados de viverem as práticas cristãs a partir do Bom Samaritano, que abdica das leis de seu tempo para manifestar aquilo que é importante aos olhos de Deus: o amor e a misericórdia!
Ao celebramos este domingo renovemos a nossa profissão de fé na ressurreição, pois, o protótipo da ressurreição é Cristo, por isso, se apresenta como “Eu sou a Ressurreição e a vida”. Em Lázaro, vemos tamanho poder que Nosso Senhor, que depois de dias no túmulo Jesus o ressuscita. Hoje, antes de mais nada, renovamos as palavras do credo: “creio na ressurreição da carne e na vida eterna” Amém.