29 anos do Massacre de Corumbiara 

Dom Benedito Araujo
Bispo de Guajará – Mirim (RO)

 

 

Corumbiara – Memorial, 09 de agosto de 2024 – 9hs 

Bom dia! Graça e paz para todos/as! 

Saúdo… 

Aproveito para antecipar minha gratidão pelo convite, gratidão especial aos organizadores deste momento celebrativo…, recordando os 29 anos do massacre de Corumbiara. 

Estar aqui para celebrar e fazer esta memória, nos deixa sempre com um nó na garganta, com os olhos lacrimados, com o olhar infinito sobre as colinas desta região e ao mesmo tempo com uma grande inquietude que não calará jamais: Até quando? 

Quando esquecemos e perdemos a memória dos fatos, sejam eles deslumbrantes ou dolorosos, isso resulta na inércia e na indiferença, incapaz de reconhecer a dinâmica da vida e sobretudo da justiça, incapaz de reconhecer o direito ao bem viver e incapaz de optar pela retidão, como disse Dom Pedro Casaldáliga: “Na dúvida, fique do lado dos pobres”; “só vivendo a noite escura dos pobres, é possível viver o dia de Deus. As estrelas só se veem de noite”.     

O texto bíblico escolhido para este momento, revela que a aliança de Deus para com seu povo, resulta sempre na plena compaixão libertadora: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvir os seus clamores por causa de seus opressores.  Sim, eu conheço os seus sofrimentos. E desci para livra-lo…” (Ex. 3, 7-8).  

A compaixão vivida e ensinada por Jesus passa radicalmente pelo ver, ouvir e descer no universo do outro, no universo dos descartados, encurvados e abandonados. 

O dia de hoje me faz recordar os meus primeiros cinco anos de ministério como padre, também numa realidade marcada pelo fogo cruzado, num cenário político local e nacional em que os pobres ficaram “sem voz e sem vez”.  

Pelas informações que chegavam ao nosso conhecimento, em especial pelo valioso trabalho da CPT – Comissão Pastoral da Terra, acompanhei estarrecido o massacre de Corumbiara. 

Como se não bastasse, “pouco tempo depois, “em 17 de abril de 1996, explodiu o conflito de terra em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O número de vítimas subiu para dezenove. O massacre de Eldorado dos Carajás fez esquecer o de Corumbiara” Cf. Verdier, G. Paixão pela Amazonia, edições CNBB, 2012). 

Ainda hoje, muitas perguntas não foram respondidas, muitas conivências ainda imperam, até quando?  

Diante desta realidade, recordo o jornalista João Peres no seu livro: Corumbiara – caso enterrado, quando pergunta: “Massacre ou batalha? A história mal contada de um dos piores conflitos agrários do Brasil (…) o encontro alimentado pela ditadura, um governo que se recusa prestar contas e grupos que se digladiam pela versão final sobre as doze mortes ocorridas em 9 de agosto de 1999 na fazenda Santa Elina” (Cf, contra capa). 

Um alento nos vem do Papa Francisco quando diz: “O martírio é isto: lutar, todos os dias, para testemunhar”; enquanto o filosofo e teólogo Soren Kierkegaraard afirma que: “o tirano morre e o seu reino termina. O mártir morre e o seu reino começa”. 

Hoje, nesta memoria, não poderia esquecer a atenção com que Dom José Maria Pinheiro na época e Dom Geraldo Verdier – in memoria – se dedicaram no enfrentamento elucidativo deste massacre. 

No livro de Dom Geraldo Verdier – Paixão pela Amazonia – tem um capítulo dedicado a Igreja e seus desafios, onde ele detalha: A Igreja na Amazonia, a malária que mata, o drama dos sem-terra e a droga por toda parte.   

Ao longo destes 29 anos, muitas conquistas foram alcançadas e avanços reconhecidos! Porém, ainda nos inquieta e nos deixa perplexos, o tamanho das violências orquestradas, financiadas, e legitimadas contra os pobres, contra a natureza e seus biomas e principalmente contra os povos tradicionais, frente uma política de favorecimento as vezes calcada na insegurança jurídica. 

Como afirma o Ato dos Apóstolos: “Nós somos testemunhas” (At. 3,5b). 

Sim, somos testemunhas de tantas conquistas e resistências encampadas pelo nosso povo, mas não podemos esquecer o ardor profético e missionário de tantos irmãos e irmãs que tombaram para fazer valer o sonho de dias melhores, o “novo céu e nova terra” (cf. Ap. 21), o sonho de uma terra sem males, o sonho de todos nós!  

Que o Senhor nos confirme na sua graça! 

Mesmo em tempo de escuridão, temos que saber viver a audácia de lutar sempre, esperar contra toda esperança como diz o poeta: “faz escuro, mas eu canto” (Thiago de Melo).  

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