Células-tronco embrionárias humanas: salvar uma vida justifica destruir outra?

Os tempos recentes se caracterizam por novos fatos decorrentes da construção de uma sociedade que busca, cada vez mais, na ciência, particularmente na

biotecnologia em sua crescente imbricação com as técnicas de engenharia genética e de biologia molecular, o prolongamento e a concretização de antigos desejos da humanidade: o de potencializar, remodelar e melhorar a espécie humana. Há, assim, uma busca por um ser humano sempre mais perfeito, capaz de transcender os parâmetros básicos inerentes à sua própria condição, tais como enfermidades, caducidade da vida e a morte. Evidentemente, no mundo, vão-se desenhando novos limites e fronteiras e a humanidade descobre-se muitas vezes incerta, confusa e preocupada. É nesse contexto que emerge a discussão sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas.

As células-tronco embrionárias humanas são derivadas, antes da nidação, a partir dos blastocistos, embriões humanos com até três ou cinco dias de vida com aproximadamente 150 células. Têm a capacidade para se dividir por um longo período de tempo, gerando uma cópia idêntica de si mesma (proliferação/auto-replicação). São Totipotentes, ou seja, com potencial de originar todos os diferentes tipos celulares que formam o corpo humano, por exemplo, células ósseas, musculares, sanguíneas, neurais (diferenciação).

Segundo as novas cadências da pesquisa científica, as células-tronco embrionárias humanas teriam como função, na medicina regenerativa, o tratamento de uma série de doenças, atualmente de difícil cura ou mesmo incuráveis, pela sua potencial capacidade de substituir células de diversos tecidos lesionados ou doentes. Nessa perspectiva, cumpre ressaltar que a pesquisa com essas células, embora fundamentada cientificamente, ainda é uma aposta e, como tal, pode resultar em nada. É apenas mais uma das muitas esperanças para a prática clínica do futuro e encontra-se ainda em fase de gestação, de experimentação. Entre as poucas certezas está a de que levará vários anos ou até décadas a incerta probabilidade de essa pesquisa ultrapassar os limites dos laboratórios rumo a resultados concretos.

Nessa moldura, abrem-se, no Brasil, espaços em que pesquisadores buscam retratar algo desse imenso debate produzindo teses, questionamentos, discussões, diálogos e complementaridades em diferentes perspectivas. Essa efervescência originou-se a partir da aprovação, em 02 de março de 2005, da Lei de Biossegurança (11.105/2005), que apresenta, como eixo fundamental, a permissão para o uso de células-tronco embrionárias humanas, para fins de pesquisa e terapia, “obtidas de embriões produzidos in vitro e considerados inviáveis ou congelados há pelo menos três anos” (art.5). Considerando a complexidade que envolve essa área, por lidar com valores humanos, frente à vida das pessoas, o então procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso posto, resta claro que a Lei de Biossegurança (art.5) traz em seu bojo ontologias distintas como fio condutor equivocado: considera menos humanos os embriões gerados in vitro e plenamente humanos os embriões gerados no ventre materno. É o óbvio reconhecer que ambos são igualmente humanos e merecem proteção do Estado em uma sociedade democrática e cidadã, inclusive no campo da pesquisa científica.

Mesmo assim, em 29/05/2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o cerne da Lei de Biossegurança (art.5) e liberou o uso de células-tronco embrionárias humanas para pesquisas científicas, através de uma costura entre o texto da lei e a teoria natalista: garante efetiva proteção “à pessoa nascida, residente, nata e naturalizada” e entende “que não há pessoa humana sem o aparato neural: que lhe dá acesso às complexas funções do sentimento e do pensar”. Ante o exposto, pode-se inferir que é legítimo, juridicamente, no Brasil, negar o direito à vida ao embrião humano, ao nascituro, ao ser humano não nascido e, por derradeiro, afirmar a inexistência de vida em feto anencefálico possibilitando-se, assim, à interrupção seletiva da gestação de fetos nessas condições.

Os limites bioéticos oponíveis explicitam-se na leitura feita da problemática supramencionada. A grande polêmica subentendida está principalmente na questão: quando começa a vida? Em oposição aos critérios “prometéicos”, adotados como princípios normalizadores pela Lei de Biossegurança, que de forma pronunciada e aguda nega o direito à vida nas primeiras etapas do seu desenvolvimento, nós, cristãos católicos, a partir das exigências básicas para o surgimento de uma sociedade e história novas, apontadas por Jesus, presentes nos evangelhos e explicitadas na doutrina da Igreja, defendemos os direitos inalienáveis de todos os seres humanos, o respeito à sua integridade e a proteção à vida desde o momento da concepção: “todo ser humano é precedido, ele chega a uma humanidade que o precede. Sua existência aí se inscreve, pois é dela que recebe a vida. Todo embrião já é um ser humano. Logo, não é um objeto disponível para o homem”.

Com efeito, não se pode admitir a transformação de uma pessoa em objeto das intenções de outra pessoa: mesmo que seja para o bem de alguns, nenhuma pessoa jamais poderá ser usada como meio para se alcançar esse fim. Assim, é abominável, absolutamente inescrupulosa e caracteriza-se como conduta antiética a destruição de embriões humanos, pois os fins terapêuticos não justificam a eliminação de vidas humanas, ainda que estas, como é o caso dos embriões, se encontrem no estágio inicial do desenvolvimento.

Em concordância e a partir dessas considerações, é conveniente mencionar que manipular, descartar e, sobretudo, destruir, um embrião humano é, certamente, manipular, descartar ou destruir uma vida humana. De tudo, aponta-se a necessidade de respeitar a dignidade humana, a dignidade da pessoa e o direito à vida como pedras angulares e valores maiores da moral, ética e bioética e, acrescente-se ainda, segundo as considerações de Leonardo Boff, a importância da criação de um ethos de solidariedade para se construir um futuro que garanta a sobrevivência da vida e, além disso, um futuro de crescimento integral e de paz.

Pe. Guaraciba Lopes de Oliveira Júnior

Mestre em Bioética com especialização em Biotecnologia, Direito e Sociologia

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