Dai a César o que é de César

Quiseram pôr Jesus à prova para atacá-lo: “É lícito ou não pagar o tributo a César?” A resposta está ao final do texto de hoje do evangelho de Mateus 12,15-21: “Daí a César o

que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Não estamos divididos entre duas pertenças; não somos constrangidos a servir a dois patrões. “Dar a César o que é de César” significa portanto “Dar a César aquilo que Deus mesmo quer seja dado a César”. É Deus, o soberano último de todos, inclusive de César. O cristão é livre de obedecer ao estado, mas também de resistir ao estado quando este se põe contra Deus e a sua lei.

Muitas vezes ouvem-se acusações à Igreja de ser intolerante, medieval e, sobretudo uma eterna inimiga da ciência, que obstruiria a pesquisa cientifica e a reflexão racional em nome da fé e dos dogmas religiosos. È a velha afirmação iluminista de que a fé seria inimiga da ciência e do progresso e,  portanto, inimiga do homem, da saúde, da cura de doenças, da liberdade. A maioria das vezes fala-se de progresso das ciências quando ainda estão ao início de pesquisas que vão depender de muitos anos de trabalho, e batendo-se unicamente em pesquisas sobre células tronco de embriões humanos que são sacrificados com completo desrespeito ao direito de viver de todo ser humano, uma vez concebido.

A propósito do evangelho de hoje, é oportuno falar de laicidade e laicismo, apenas para começar a tratar desse tema. Para isso valho-me da palavra do Papa Bento XVI, em Paris, no dia 12.09.08, lembrando o discurso do Presidente Sarkozy, da França, na Universidade Lateranense em Roma, no dia 04.01.08. Disse o Papa: “As raízes da França, tal como as da Europa, são cristãs. É suficiente um olhar à História para demonstrar: desde as origens, o seu País recebeu a mensagem do Evangelho. O Presidente Sarkozy pôs em destaque a transmissão da cultura antiga através de monges, professores e copistas; através da formação dos corações e dos espíritos para o amor aos pobres e ajuda aos mais necessitados; através da fundação de numerosas congregações religiosas; a contribuição dos cristãos para a realização das instituições da Gália, e sucessivamente da França. Tudo isso é demasiado conhecido para que me delongue mais. Milhares de capelas, igrejas, abadias e catedrais que ornamentam o centro das cidades ou a solidão dos campos dizem quanto os vossos pais na fé quiseram honrar Aquele que lhes dera a vida e que nos mantem na existência.”

“Numerosas pessoas, mesmo aqui na França, detiveram-se a refletir sobre as relações entre Igreja e Estado. Na verdade, sobre o problema das relações entre esfera política e esfera religiosa. Cristo já tinha oferecido o princípio para uma justa solução. Fê-lo quando, respondendo a uma pergunta que lhe foi posta, afirmou: “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.  A Igreja na França goza atualmente de um regime de liberdade. A desconfiança do passado transformou-se pouco a pouco num diálogo sereno e positivo, que se vai consolidando cada vez mais”.

O presidente Sarkozi empregou a bela expressão “laicidade positiva” para qualificar essa compreensão mais aberta.

Entende-se por laicidade a distinção entre a esfera política e a religiosa. Chama-se Estado laico àquele que não é confessional, isto é, que não adotou, como era comum em séculos passados, uma religião como religião oficial do Estado (como hoje acontece nos estados islâmicos). A laicidade do Estado fundamenta-se na distinção entre os planos secular e religioso. O princípio de laicidade comporta, portanto, em primeiro lugar, o respeito de todas as confissões religiosas por parte do Estado, o qual deve “assegurar o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes. Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação” (Concílio Vaticano II).

João Paulo II dizia em 24.01.2005 que o laicismo é “uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição da liberdade religiosa, até promover o desprezo ou a ignorância de tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública”.

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