O Espírito Santo nas Epístolas de Paulo

A compreensão paulina sobre a atuação do Espírito Santo na vida cristã foi herdada da tradição veterotestamentária e da tradição apostólica sobre Jesus de Nazaré, sua vida e suas palavras.

A expressão “Espírito de Deus” ou “Espírito Santo” encontra-se na maioria dos livros da Bíblia. Mas, no Antigo Testamento (AT), a expressão hebraica Ruah ha-Kodesh, referindo-se unicamente ao Espírito Santo, somente é encontrada no Sl 51,13 e Is 63,10. Ruah significa “respiração”, “vento” ou “brisa” e ha-Kodesh significa “do Santo”, ou seja, “de Deus”. Essa expressão é apenas um sinônimo de Deus ou da profecia por inspiração divina.  Ruah ha-Kodesh também pode ser identificada com a Presença Divina na nuvem que guiava o povo no deserto e que pairava sobre a Tenda do Encontro no acampamento israelita (Nm 9,15-17).

Os autores bíblicos não filosofaram sobre a natureza divina, mas pensaram o Espírito Santo atuante. E, não obstante observemos uma identificação entre Deus e o Espírito Santo, também há uma clara distinção entre ambos. Mesmo que o pensamento monoteísta de Israel não lhe permitisse a noção de Trindade, há numerosas passagens no AT que estão em harmonia com a concepção trinitária e preparam o caminho para esta doutrina, como o Sl 139,7; Is 63,10; 48,16; Ag 2,5; Zc 4,6. A identificação é vista, principalmente, no Sl 139,7 (que declara a onipresença do Espírito), em Is 63,10 e Ez 36,27. Em um grande número, porém, de passagens, Deus e o Espírito Santo são distintos como, por exemplo, Gn 1,2; 6,3; Ne 9,20; Sl 51,13; 104,29s. Mas isso não significa que, no pensamento dos autores do AT, Deus e o Espírito Santo fossem considerados como dois seres distintos. A distinção entre ambos significa apenas que o Espírito Santo tinha funções que eram próprias dele. O Espírito Santo expressava a ação de Deus, particularmente quando uma ação humana caracterizava-se como efetivação de algum propósito divino. O Espírito significava, então, a ação de Deus imanente no ser humano e no mundo. Era Deus agindo dentro do ser humano e, ao mesmo tempo, enviado por Deus ao ser humano.

Os autores do AT consideraram os fenômenos da natureza como sendo o resultado da ação direta de Deus através do Espírito. Para o AT, é pelo Espírito que a vida é dada, mantida e redimida. A manifestação mais distintiva e importante da atividade do Espírito no AT está na esfera da profecia. O profeta era essencialmente distinto das demais pessoas como alguém que possuía o Espírito de Deus, enquanto os iníquos o tinham por louco (Os 9,7). Mensageiro de Deus, o profeta proclamava a mensagem divina através do Espírito que agia nele.

Em algumas passagens do AT o Espírito Santo é chamado de “bom” (Ne 9,20; Sl 143,10), principalmente porque ensina a fazer a vontade de Deus (Sl 143,10). Essas afirmações apontam para uma qualidade ética da ação do Espírito Santo. Mas é no Messias que a ação do Espírito Santo agirá de maneira especial, segundo a teologia do AT. O termo “messias” significa “ungido (de Deus)”. Nele o Espírito atuará de modo único, dotando-o com poder e sabedoria (Is 11,1-5) para a obra com a qual trará o reino de justiça e paz. Em Is 42,1ss o “Servo” é dotado do Espírito para promulgar o direito aos gentios. Em Is 61,1ss encontramos as notáveis palavras citadas por Jesus em Lc 4,18s: “O Espírito do Senhor está sobre mim…”.

Ao longo da história de Israel, quando os sofrimentos do exílio fizeram-se sentir pesadamente, surgiu uma tendência de idealizar uma era futura como a era da bênção especial do Espírito, marcada por um forte otimismo sobre um derramamento futuro do Espírito, como em Jl 3,1-5, citado em At 2,17-21.

Um estudo cuidadoso dos ensinos de Paulo mostra a confluência de três temas para uma unidade teológica. Esses temas são a fé, o Cristo e o Espírito Santo.

A fé em Jesus Cristo é a resposta humana à atividade divina levada a cabo pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é descrito como o Espírito do Filho de Deus (Gl 4,6) e como o Espírito de Cristo (Rm 8,9). Quem confessa Jesus o faz pelo Espírito Santo, e ninguém que está no Espírito Santo pode dizer que Jesus é maldito (1Cor 12,3). Desta forma, não tem sentido um pentecostalismo sem uma configuração do cristão a Cristo, um pentencostalismo intimista e subjetivista, desvinculado da obra de Cristo para redenção do mundo e edificação do Reino que é ético em seu propósito: “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17)..

A vida cristã, em suas dimensões mais diversificadas, é considerada por Paulo como estando sob o poder do Espírito Santo. Há diversas passagens que evocam, quando não afirmam diretamente, que a vida cristã é originada pelo Espírito Santo (1Ts 1,6; Rm 5,5; 8,9; 1Cor 2,4; 6,11; Tt 3:5). O Espírito é recebido pela escuta da pregação (Gl 3,2). Para o cristão, o dom do Espírito é a garantia da redenção plena que há de vir, como as primícias eram a garantia da colheita plena (Rm 8,23). Os cristãos foram selados com o Espírito da promessa (Ef 1,13).

Os dons do Espírito Santo nos textos de Paulo são dados em função do Reino Messiânico. Ele enumera uma lista longa de dons espirituais como profecia (Rm 12,6); línguas (1Cor 12,10); sabedoria (1Cor 2,6ss); conhecimento (1Cor 12,8); poder para fazer milagres (1Cor 12,10); discernimento dos espíritos (1Cor 12,10); interpretação de línguas (1Cor 12,10); fé (1Cor 12,9).

Em 1Cor 14 Paulo adverte sobre os dons carismáticos, contra a tendência extravagante e imoderada de empolgação emocional, devido à ação poderosa do Espírito de Deus na Igreja de Corinto. Ele insiste que todas as coisas sejam feitas para a edificação e que o crescimento do Corpo do Messias seja o verdadeiro alvo de todos os dons espirituais.

No fim do seu ministério e em suas ultimas epístolas, Paulo dedicou-se muito ao tema da Igreja e uma de suas analogias favoritas era a Igreja como corpo de Cristo. O Espírito Santo é quem anima esse corpo, comunicando-lhe a vida e dirigindo-lhe em todos os aspectos para a edificação do Reino. O mesmo Espírito também anima e guia o fiel de modo pessoal. Em um só Espírito todos foram batizados, para formar um só corpo (1Cor 12,13). Todos os dons atuantes na Igreja, “carismáticos” ou não, são formas diferenciadas da ação do Espírito (1Cor 12,4.8-11). Os carismas, em primeiro lugar, estão em função da edificação comunitária (1Cor 14,4s). A Igreja deve conservar “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,3). A Igreja é a habitação do Espírito (Ef 2,22), é uma carta de Cristo escrita pelo Espírito (2Cor 3,3). Assim, a vida inteira da igreja está sob a ação do Espírito Santo.

Também há uma grande variedade de expressões que indicam a presença e a atividade do Espírito Santo orientando a vida moral do cristão. De fato, tudo na vida do fiel deve estar sob a direção e sustentação do Espírito. “O fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Pois os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências. Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito. Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós” (Gl 5,22-26).

Os cristãos são advertidos a não contristar o Espírito Santo (Ef 4,30) e são exortados a portar a espada do Espírito, isto é, a Palavra de Deus (Ef 6,17), pois há um contraste entre a carne e o Espírito. Esse contraste aparece em vários pontos nos escritos de Paulo, como por exemplo, em Gl 5,17ss. O Espírito nessas passagens, provavelmente, significa o Espírito de Deus ou o espírito do ser humano sob a influência do Espírito de Deus. “Carne” é uma palavra difícil de definir, mas geralmente equivale a “mente carnal”, isto é, a mente do ser humano pecador, distinta da mente submersa na espiritualidade. A carne é pensada como a esfera na qual os impulsos para o pecado agem (Gl 5,19), portanto, não se deve confundir carne com corpo. Paulo é judeu e, segundo o judaísmo, o ser humano é, em sua totalidade, muito bom. Essa idéia de que o corpo é negativo não faz parte do pensamento bíblico.

Por fim, o Espírito que habita nos fiéis é o mesmo que ressuscitou Jesus dos mortos e continua sua obra na vida dos fiéis como garantia de que também estes ressuscitarão (Rm 8,11 1Cor 15,44s).

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj.

Bibliografia:

BÍBLIA SAGRADA, Tradução da CNBB, 2ª. Edição.

BROMILEY, Geoffrey W. (ed.). The International standard Bible encyclopedia, Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 1979-1988.

PAPA JOÃO PAULO II. Encíclica Dominum et vivificantem: sobre o Espírito Santo na Vida da Igreja e do Mundo, São Paulo: Paulinas, 1986.

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