Consequências da conversão de São Paulo

Refletindo sobre a conversão do Apóstolo São Paulo, Santo Agostinho diz que “Paulo foi derrubado para ficar cego, tornou-se cego para ser mudado, foi mudado para ser enviado, e foi enviado para que a verdade aparecesse”. Diz também que “O cruel foi esmagado e tornou-se crente; o lobo foi abatido e se levantou cordeiro; o perseguidor foi derrubado e tornou-se pregador; o filho da perdição foi quebrado e mudado num vaso de eleição. Ficou cego para ser esclarecido em sua inteligência cheia de trevas”.

Paulo ficou três dias sem enxergar o mundo exterior porque estava sendo instruído pelo próprio Senhor. É um modo de dizer para que saibamos que ele não recebeu o Evangelho da boca de um homem, nem por meio de um homem, como ele mesmo o afirma, mas recebeu-o do próprio Jesus Cristo que lho revelou. Por isso Santo Agostinho diz em outro lugar: “Paulo, eu te proclamo o verdadeiro atleta de Jesus Cristo que te instruiu, que te ungiu”. Assim Paulo foi preparado para todo tipo de boa obra, sabendo viver, na plena liberdade de Cristo, tanto na penúria quanto na abundância. Experimentou tudo, e suportou com alegria todas as adversidades.

Paulo foi lançado por terra, ficou temporariamente cego e tornou-se perfeitamente livre. Uma queda famosa triunfa sobre um espírito rebelde. Um belo triunfo. Único meio de dobrar um espírito forte. Bom no judaísmo e bom no cristianismo. O adversário soberbo se torna apóstolo fiel. Antes a cruz era um horror. Agora é bela. Antes ele era o terror da Igreja. Agora é um facho de luz. Quer morrer por aquela que antes queria destruir. Uma queda feliz o leva até o céu. A forte luz que cega seus olhos ilumina a noite escura de seu coração.

O que será daqui para frente a vida de Paulo? Tendo visto o Ressuscitado ele compreende que não pode mais viver a não ser para ele. A experiência da luz marca a sua existência para sempre. Ele se dá conta de que há algo muito próximo dele, ou até mesmo nele, que vai além da sua compreensão. Não adiante tentar entender. Não se compreende o mistério de Deus. Só é possível saboreá-lo, no dizer de Santo Agostinho. Ou, em relação a Deus, só é possível amar. Na sua conversão, Paulo se dá conta de que é na liberdade que se pode amar. A liberdade adquirida em Cristo o faz afirmar “Tudo posso!”. Quem é livre tudo pode, mas naquele que lhe dá força. Paulo pode viver na pobreza ou na riqueza da mesma maneira, porque tudo pode naquele que o conforta. Assim também ele vive plenamente o amor com quem o trata bem e com quem o maltrata. Diante das coisas e diante das pessoas ele é livre. Por isso pode amar. Os irmãos que pregam em Éfeso para provocá-lo, por inveja e concorrência, para aumentar os sofrimentos de sua prisão, ouvem dele: “O que importa? De qualquer maneira, ou com segundas intenções ou sinceramente, Cristo é proclamado, e com isso me regozijo” (Fl 1,18).

A liberdade não nos foi dada para destruirmos uns aos outros. “Que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros” (Gl 5,13). Só sendo livre diante das pessoas é que podemos servir a todos e amar os inimigos. Assim como a situação de pobreza ou a situação de abundância não afetam a vida de Paulo, que é livre diante dos bens materiais, assim também, as pessoas que estão diante dele, com as quais convive e as quais deve enfrentar não o afetam. Ele pode amá-las todas, sem distinção, não, porém sem reação. Ele não deixa de pregar, de anunciar o Evangelho, de fundar novas comunidades por causa das oposições. Mas ele reage quando o seu testemunho de vida é posto em questão. Ele não é desonesto. Na primeira carta aos Tessalonicenses (2,5-6), ele escreve com firmeza: “Desde que Deus me achou digno de anunciar o Evangelho, não fui adulador, nem ganancioso, nem procurei o elogio dos homens”. Ele nunca busca elogios à sua pessoa, mas não aceita que digam que seu modo de viver está errado. Por que reage assim? Porque em primeiro lugar ele prega o Evangelho com a sua vida, e depois com suas palavras. Ele não tem medo de convidar os novos cristãos a serem seus imitadores, porque já não é ele que vive. É cristo que vive nele (cf. Gl 2,20).

Cônego Celso Pedro da Silva

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