5.1. Dez imagens marcantes da Cristologia Paulina
I. A justiça de Deus se realiza mediante a fé em Jesus Cristo – Rm 3,21-31
Rm 3,21 – 21Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; 22justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção,
II. Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores – Rm 5,1-11
Rm 5,8 – 8Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.
III. Cristo o novo Adão – Rm 5,12-21
Rm 5,17 – 17Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.
IV. Morremos com Cristo e viveremos com ele – Rm 6,1-11
Rm 6, 8 – 17Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.
V. A pregação da cruz como força de Deus – 1Cor 1,18-31
1Cor 1,23-25 – 22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; 24mas para que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. 25Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.
VI. JESUS CRISTO, o único alicerce – (1Cor 3,10-23)
1Cor 3,11 – 11Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.
VII. Os membros do corpo que formam um só conjunto – (1Cor 12,1-13,13)
1Cor 12,12-13 – 12Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.
13Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.
VIII – O glorioso ministério do Espírito – o tesouro – (2Cor 3,4-5,21)
2Cor 4,7 – 7Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.
IX – O Deus despojado (Kenosis) – (Fl 2,1-30)
Fl 2,7 – 7antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.
X – Ele é a cabeça do corpo, que é a Igreja – (Cl 1,9-2,23)
Cl 1,18 – 18Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, 19porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude.
Títulos cristológicos
A titulação cristológica na literatura paulina não inclui certos títulos próprios da tradição sobre Jesus, como mestre, profeta, filho do homem e servo. Paulo trabalha com três títulos fundamentais, com desdobramentos cristológicos qualificativos.
Entre os títulos tradicionais estão: Cristo/ Christós; Senhor/Kúrios; Filho de Deus/Ùiós tou Theoú. Entre os títulos novos, desdobrados destes três tradicionais estão: Último Adão/ ò eschatos Adam; Imagem de Deus/ Eikón Theoú; Deus.
a) Cristo/Kristós
Este é o título mais freqüente, cerca de 270 ocorrências, com mais outras 114 nas cartas deutero – paulinas. De certo modo, o grande número de ocorrências leva a uma qualificação do título como nome próprio de pessoa, especialmente quando junto de Jesus, Rm 1,1, perdendo a força significativa de Messias. Parece que essa era já uma prática antes de Paulo. Talvez em Rm 9,5 e ICor 10,4 esteja presente no vocábulo o sentido de título. Contudo, é observável que Paulo nunca afirma explicitamente que Jesus é o Cristo-Messias prometido no Antigo Testamento. Mas, parece que ele pressupõe o sentido de título quando “Senhor é Jesus”, Rm 10,9, ICor 12,3, ou o “Senhor é Jesus Cristo”, Fl 2,11, ou “o Senhor nosso Jesus Cristo”, nunca usando “Senhor é Cristo”.
A significação semântica desse título se apreende no enunciado das fórmulas de fé, referência aos conceitos relativos ao evento salvífico, como a cruz, os sofrimentos, a ressurreição, corpo-sangue, o Espírito, o ágape, a glória, a libertação, reconciliação, justificação, fé. Ele nunca diz ‘os sofrimentos do Senhor ou do Filho’. Ele sempre diz dos sofrimentos de Cristo, como em IICor 1,5 e Fl 3,10. Compreende-se que Cristo designa a pessoa do evento salvífico.
O título também aparece nas locuções eclesiológicas, seja em referências individuais, como apóstolo, servo, diácono. A referência é sempre ‘de Cristo’. Ou em referências de caráter comunitário como a expressão típica ‘corpo de Cristo’, significando pertença e ao que é constitutivo da vida cristã.
Também, o título Cristo aparece nas parêneses, enquanto o apóstolo recomenda o acolhimento ou gestos fraternos e solidários como Cristo. Isso evoca o fundamento cristológico da ética e sua importância na obra salvífica de Cristo. Neste mesmo âmbito aparecem referências mais de tipo místico como aquela de Gl 2,20: “Não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” ou “para mim viver é Cristo” (Fl 1,21). Outras ocorrências aparecem em referência à parusia quando se refere ao ‘dia de Cristo’, em Fl 1,6.10; 2,16.
Conclui-se que a significação semântica da referência Cristo é consistente e própria. É diferente da compreensão semântica presente na lingüística messiânica do Judaísmo, contexto do qual ele procede. Cristo é, pois, é a referência que significa a indicação daquele que é o protagonista dos eventos salvíficos, o objeto essencial da fé e o elemento distintivo da identidade cristã.
b) Senhor/Kúrios
São 190 ocorrências deste título nas cartas autênticas e 82 nas deutero-paulinas, sendo que uma boa parte é referência a Deus, de modo semelhante à compreensão de sua tradição judaica. Isso se torna, naturalmente, um desafio hermenêutico. Quando, então, o título Senhor se une ao título Cristo o sentido cristológico é incontestavelmente evidente. São 64 ocorrências, como em Rm 14,14, quando Paulo diz: “Eu sou e fui persuadido pelo Senhor Jesus”, ou I Cor 9,1: “Não vi o Senhor?”.
‘Senhor’, como referência de significação cristológica, tem este sentido quando o título aparece inserido em frases como: ICor 2,9 “…não crucificaram o Senhor da Glória?”; ICor 6,14: “ Deus ressuscitou o Senhor”; ICor 7,10: “ordeno não eu mas o Senhor”. Rm 14,6-9 o título ‘Senhor’ aparece por seis vezes em referência ao tema pascal do morrer-viver em Cristo. Compreende-se que dele como Senhor é que vem o sentido da vida e da morte do cristão.
‘Em Cristo/ én Kúryó” ocorre cerca de 30 vezes com um evidente sentido cristológico, com alguma nuance tomada do Antigo Testamento, como em ICor 1,31 e II Cor 10,17, em referência a Jer 9,23, mas em paralelo ao sintagma.
Em algumas citações bíblicas o título se refere a Deus e a Cristo, como em Rm 10 citando Jl 3,5; I Cor 1,31 citando Jer 9,23; I Cor 2,16 citando Is 40,13; I Cor 10,26 citando Sl 24.
‘Dia do Senhor’/ éméra Kúryou tem raízes no Antigo Testamento, mantendo algumas vezes o sentido teológico original de ‘dia de ira e da manifestação do juízo de Deus’, como em Rm2,5. A conotação cristológica é evidente quando se usa a expressão “dia do Senhor nosso Jesus Cristo ( ICor 1,8; IICor 1,14), ou “dia de Cristo” (Fl 1,6.10 e 2,16), ou ainda o uso tradicional de “dia do Senhor” (ICor 5,5; ITs 5,2.4). Isso se confirma quando aparece em correlação à parusia, dita de Cristo (I Cor 15,23), ou do Senhor Jesus (ITs 2,19; 3,13; 5,23), ou do Senhor (ITs 4,15). Ou também nas referências às vindas futuras.
É importante sublinhar, nesse contexto, entre outros aspectos, a grande novidade cristã quando se trata do Shemá, a confissão fundamental da fé hebraica, Dt 6,4. Em Flp 2,11 o estrito monoteísmo hebraico é enriquecido pela introdução da qualificação “Deus” e “Senhor”, com uma evidente coincidência.
Em síntese, a semântica cristã da significação do título ocorre especialmente quando se trata de aclamações, quando os cristãos firmam sua identidade reconhecendo o Cirsto como seu Senhor e Senhor do mundo (Rm 10,9; ICor 8,6); e nas exortações parenéticas, quando se firma que o batizado não tem outro Senhor a não ser Jesus Cristo, no compromisso de viver toda a sua existência buscando agradá-lo (ICor 7,10.32)
c) Filho de Deus/Ùiós toú Theoú
Este é um título raro nos escritos paulinos, embora de grande peso semântico. São 15 ocorrências ( Rm 1,3.4.9; 8,3.29.32; ICor 1,9; 15,28; IICor 1,19; Gl 1,16; 2,20; 4,4.6; ITs 1,10; além de Col 1,13 e Ef 4,13).
No contexto pré-paulino, Rm 1,3b-4a, a ótica é de uma cristologia ‘adocionista’, ligada à ressurreição como entronização real. Paulo ajusta essa perspectiva mostrando que Jesus é Filho desde sempre, como se vê em ITs 1,10.
A significação aparece quando as fórmulas são de missão, (Rm 8,3; Gl 4,4) referência à condição divina do Filho de Deus pressupondo, pois, a sua pré-existência. Os verbos usados (Ecsapésteilen e Pémpsas) evocam as ocorrências de Sab 9,10.17 quando se pede o envio da Sabedoria dos céus. O envio da Sabedoria significa a redenção da Lei, em Rm 8,3, agravada por sua conexão com o pecado. O resultado é a conquista da condição de filhos adotivos. É, pois, total a confiança depositada no Filho. Também aparece esta significação quando do uso das fórmulas de doação. Sublinha-se o gesto de benevolência. É o gesto de doação que Cristo faz de si, no esquema judaico da ‘áqedáh. Assim, Jesus é o conteúdo do Evangelho, como aparece nas narrativas da experiência na estrada de Damasco; a comunhão com o Filho traz a novidade antropológica da constituição da família de Deus, referindo-se aos batizados, entre os quais Jesus tem o papel de primogênito, Rm 8,29. Ainda, a significação aparece na referência à parusia, sublinhando a permanência de uma comunhão que sustenta o cristão diante da ira de Deus (ICor,19; ITs 1,10, bem como a submissão escatológica do Filho ao Pai mostrando o que se chama ‘teoarquismo’ e ‘teotelismo’ do Pai no processo de salvação (ICor 15,28).
Esse título configura a proximidade e afinidade de Jesus Cristo com Deus, um relacionamento de geração e não de adoção. Contudo, este título que ocorre tão pouco não só ele diz tudo da afirmação da divindade de Jesus. Na verdade, o título Kyrios é que sugere e sublinha a equiparação de Jesus com Deus. O título Filho de Deus expressa o conceito de uma relação que une Jesus a Deus, impedindo que Ele como Senhor venha ser considerado como um segundo Deus.
Outros títulos ocorrem como “Último Adão” ( ICor 15,45), quando Paulo acentua a tipologia antitética Adão-Cristo, em ICor 15,21-22.45-49, focalizando a morte física e a ressurreição de todos; e em Rm 5,12-21, com uma perspectiva sobre o pecado, focalizando o resultado danoso do pecado e sua redenção. Observa-se que Paulo usa nessa tipologia Adão e não Moisés, acentuando a dimensão universal e menos aquela nacionalista.
Entre estes outros títulos, “Imagem de Deus”, IICor 4,4, uma referência a Gn 1,26; 9,6, falando da imagem e semelhança; Sab 7,26 em referência à Sabedoria como reflexo da luz perene e espelho da luz sem mancha da atividade e da bondade de Deus.
É um título rico de significações. Cristo não é uma cópia, mas um representante vivo de Deus, por isso digno do culto de adoração religiosa.
Os Cristãos são chamados a ser ‘conforme a imagem do Filho de Deus’ ( Rm 8,29). Isso significa dizer, um chamado à participação efetiva na filiação de Cristo, uma referência única para configurar sua identidade nesta e na outra vida.
‘Deus’ é também uma qualificação referida a Cristo, Rm 9,5, o Deus bendito nos séculos. Ele está acima de qualquer coisa. Ele não usa o título Deus para qualificar a Cristo. Em I Cor 8,6 distingue claramente entre ‘um só Deus’, referência ao Pai, e ‘um só Senhor’, em referência a Cristo. Não é que venha negada a divindade de Cristo. Ela é afirmada especialmente com os três conceitos tradicionais referidos anteriormente.
