Há alguns dias uma grande amiga, motivada pelo Ano Paulino perguntava: “- O que é importante sabermos sobre São Paulo?” Com prontidão e até com certa rapidez fiz um longo discurso sobre sua conversão, o princípio de suas atividades, as cartas e a forma como, segundo a Tradição da Igreja, este Apóstolo doou sua vida, derramando seu sangue, sendo martirizado em Roma. Ao terminar de falar, ela me respondeu: “- Tudo isso eu de algum modo já sabia!”

Nesse momento como em um estalo, ocorreu-me uma idéia. Sabemos muito sobre Paulo, o necessário agora é tirarmos algumas lições de sua vida e de seus ensinamentos para a nossa vida, para o nosso dia-a-dia. Coisa parecida acontece também nos nossos diferentes tipos de trabalho que realizamos hoje. O conhecimento teórico e até mesmo científico ajuda, podemos dizer que é fundamental, mas de nada adianta ter o conhecimento, ter a tecnologia se não sabemos usá-la de forma correta.

Que tal então dar uma olhada em alguns aspectos da vida do Apóstolo das Nações para podermos aplicar estas lições em nossa vida pessoal e comunitária?

Um homem apaixonado

Paulo era um apaixonado. Com ele não havia meias medidas. Ele se empolgava com o que fazia e pronto, doava a vida, dedicava-se com entusiasmo. Podemos entender isso a partir de três momentos de sua vida: do pouco que sabemos de sua infância; da perseguição que fez aos cristãos e depois no Evangelho.

Nascido em Tarso, importante cidade da Cilícia, na fronteira entre o Ocidente e o Oriente, Paulo era de uma família de judeus (cf. Fl 3,5). Com as possibilidades que essa importante cidade do império romano oferecia, ele teve uma boa educação no principal ofício para os cidadãos de seu tempo que era a arte da retórica – dos discursos bem feitos. Certamente para ele teria sido melhor permanecer neste grande centro urbano, com as propostas que ele oferecia, mas Paulo vai para Jerusalém. Lá ele se torna discípulo de Gamaliel (cf. At 22,3; 26,4) para estudar a Torá – a Sagrada Escritura dos judeus, o nosso Antigo Testamento. Para dar um passo como esse, somente um apaixonado pelo seu povo e por sua Tradição.

Do mesmo modo podemos verificar essa intensa paixão de Paulo pela Lei de Deus nos relatos que temos de sua perseguição aos primeiros seguidores de Jesus Cristo. É importante ressaltar que Paulo perseguiu os cristãos, não por mero capricho; mas porque segundo suas convicções e o conhecimento profundo que ele tinha da Palavra de Deus, os cristãos estavam errados. Para ele, os cristãos desviavam os outros da fidelidade ao Deus único, propondo que um homem – Jesus – fosse o Filho de Deus e portanto Deus.

Por fim, a força de Paulo como Apóstolo de Jesus Cristo. A partir da experiência que Paulo fez no caminho de Damasco – descobrindo que a comunidade que ele perseguia era o próprio Cristo (cf. At 9,4) – ele passou por um processo de mudança. A intensidade desse processo levou também a comunidade dos cristãos a mudar seus conceitos. Primeiro a experiência de Ananias, na dificuldade de acolher a Paulo na comunidade (cf. At 9,13). Mas fundamentalmente todo o processo de mudança que Paulo vai provocar entre os cristãos. A acolhida dos pagãos na comunidade e a compreensão efetiva de que a Salvação operada por Jesus Cristo era para todos os povos foi uma mudança qualitativa na Evangelização dos primeiros cristãos. Outro elemento foi a passagem do Evangelho do mundo rural para o mundo urbano.

Paulo era um apaixonado! Anunciava o Evangelho como se essa fosse para ele a maior obrigação: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho!” (cf. 1Cor 9,16). Muitas vezes o que falta a nós cristãos é justamente intensidade, paixão. O Evangelho é Boa Notícia que deve ser anunciado e vivido com entusiasmo e alegria. O Documento de Aparecida, recordando a fala do Papa Bento XVI, afirma que a maior ameaça para a evangelização é a mediocridade (cf. DA 12). A partir do exemplo de Paulo somos chamados a ser anunciadores do Evangelho com especial entusiasmo e paixão.

Um homem aberto a novas realidades

Chama a atenção em Paulo a forma como ele conseguiu mudar sua vida. Mencionamos acima a experiência que ele fez no caminho de Damasco e a forma como ele modificou o seu modo de agir e de pensar. Mas as mudanças foram uma constante em sua vida. Como cidadão de Tarso, Paulo estava acostumado com o mundo urbano, com suas múltiplas realidades e possibilidades. Paulo soube adaptar a mensagem do Evangelho a esta nova realidade. Ele soube modificar a linguagem para que sua mensagem chegasse a um número maior de pessoas.

Em Atenas, de acordo com o relato de At 17, Paulo usou a linguagem filosófica. Foi uma tentativa frustrada. A partir de então ele modifica a linguagem, decide anunciar Cristo crucificado, como loucura para os gregos e escândalo para os judeus (cf. 1Cor 1,23). Ele ia até as sinagogas. Se lá não houvesse acolhida de sua mensagem ele ia aos pagãos (cf. At 18,5-11).

A linguagem para o anúncio de sua mensagem no mundo urbano respeitava a realidade do novo campo de missão. Em Corinto ele soube aproveitar os jogos olímpicos, comuns àquela cidade para falar de seu ministério e de sua dedicação ao Evangelho (cf. 1Cor 9,24-27).

Daí nossa necessidade hoje de também nós adaptarmos a nossa linguagem e postura diante de novas realidades. Se hoje vivemos numa cultura prevalentemente urbana – lembrando que quando falamos em cultura urbana falamos mais de uma mentalidade que de um limite geográfico – torna-se necessário adaptar a mensagem do evangelho a esta nova realidade. É preciso hoje falar uma língua que toque o coração dos jovens, angustiados e preocupados com seu futuro. Falar a língua dos homens e mulheres estressados e cansados em meio à correria da sobrevivência. Falar a língua dos idosos, muitas vezes saudosos da vida de outrora e abandonados por seus entes queridos. A missão está aí e não existe lugar para o desânimo e o comodismo. O testemunho de Paulo nos encoraja para viver bem nossa missão.

Novas comunidades e a participação de todos

Uma última lição que podemos tirar da vida de Paulo é o modo como ele se dedicava à formação de comunidade e o modo como ele conquistava novos colaboradores e colaboradoras para a obra da evangelização.

Paulo era inquieto no anúncio do Evangelho. Ele percorria as cidades de seu tempo e lá fundava novas comunidades com lideranças locais. Permanecia algum tempo, organizava e estruturava a comunidade e depois partia. Depois ele não a abandonava, mas fazia contato, escrevia, orientava. Desse modo ele se fazia presente na vida e na missão dos outros cristãos de seu tempo.

Outro fator interessante é que Paulo sabia formar e contar com colaboradores. O número deles, se observarmos o livro dos Atos dos Apóstolos e as Cartas, passa de oitenta. Em Corinto, no começo dos trabalhos, ele conta com o casal, Áquila e Priscila (cf. At 18,2), em Filipos ele conta com o auxílio das mulheres que já se reuniam para a oração (cf. At 16,13-15). No anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo não há espaço para estrelismo e individualismo. A missão é da Igreja e o missionário tem sempre de envolver mais pessoas na obra que é eclesial e em última instância, do próprio Deus.

Dentro desse aspecto comunitário da missão era interessante a forma como Paulo manteve-se sempre unido a Pedro, aos outros apóstolos, e às demais comunidades. O sentido de pertença e ao mesmo tempo a sua fidelidade impressionam a qualquer um que tenha contato com sua vida.

Com Paulo temos uma luz para nos convertermos pastoralmente como nos diz o Documento de Aparecida n. 368 “… A conversão Pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Daí nasce a atitude de abertura, diálogo e disponibilidade para promover a co-responsabilidade e participação efetiva de todos os fiéis na vida das comunidades cristãs.”

Estas são apenas algumas das lições que Paulo dá para nós e nossas comunidades. Que tal aproveitarmos este ano para, na contemplação e no estudo, aprofundar e conhecer mais este homem que tanto contribuiu para o anúncio do Evangelho?

Pe. Wilson Augusto Costa Cabral, sdn
Mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e diretor-editor do
Jornal O LUTADOR e da Revista Atualização.

Tags:

leia também