“Pai, que todos sejam um!”
Este pedido é considerado o coração da sublime, apaixonada e intensíssima oração de Jesus, chamada de sacerdotal porque brotou do coração ardente de amor de Cristo no momento de sua entrega total, na ceia derradeira.
1. O mandato recebido por Jesus.
A unidade é o sinal que caracteriza a natureza da comunidade cristã, é um bem precioso em si mesmo, sinal de eleição e do seu caráter de verdadeira comunidade de Jesus.
Segundo o evangelho de João, a unidade da comunidade fundamenta-se na unidade de Deus e a torna visível. A unidade, por assim dizer, existe antes da Igreja, é um presente doado à Igreja, não uma meta a ser alcançada: se ela renunciasse à unidade, corromperia a sua própria natureza e seria infiel à sua vocação. È um axioma ecumênico que as Igrejas não podem criar e produzir sozinhas a unidade, pois ela é um dom. Elas poderão somente acolhê-la e recebê-la como expressão de uma comunhão já presente que encontra o seu fundamento último em Deus Trindade.
Nesta perspectiva, o ecumenismo não é um hobby ou um opcional, mas se constitui como fidelidade à oração de Jesus e ao seu testamento: que todos os que crêem nele sejam um, como ele com o Pai e o Pai com ele. Qualquer séria ameaça à unidade não é periférica na vida da Igreja, mas põe em questão a própria comunidade na sua existência e na sua missão. Na Igreja primitiva esta convicção era tão forte que ela foi sigilada no símbolo niceno-constantinopolitano e traduzida na afirmação pela qual a unidade é sinal essencial da Igreja, sendo a sua primeira nota característica.
Como a unidade pertence à sua natureza, a Igreja não pode acostumar-se com a divisão que contradiz à intenção fundante de Jesus e à sua própria essência. Nem uma história secular de separação pode legitimar o fato que as igrejas se neguem mutuamente a comunhão na pregação, no sacramento e no ministério. Sendo que inegáveis motivos da verdade evangélica e da ética cristã não justificam a quebra da comunhão eclesial, a separação torna-se ilegítima porque é uma ofensa contra a natureza da Igreja. Portanto pode se considerar em culpa uma comunidade cristã que aceita e justifica a divisão ou se fixa nela, qualquer que seja o motivo que a originou. “Não é a unidade que requer uma justificativa, mas a separação!” (J. Ratzinger, Theologische Prinzipienlehre, Munchen 1982, 211)
2. Credibilidade e responsabilidade diante do mundo
A divisão das Igrejas prejudica profundamente a credibilidade do anúncio cristão. A atividade ecumênica deve dar credibilidade às Igrejas cristãs e ao seu anúncio, sobretudo a respeito dos temas da justiça e da paz, da opressão e da fome, da perseguição e dos direitos humanos, colocando-se assim a serviço da unidade da sociedade e da humanidade e como paradigma para o exercício da tolerância e do diálogo, a integração e inclusão social.
3. Fundamentalmente unidos
Existe, a meu ver, uma visão insuficiente de ecumenismo em certos âmbitos eclesiais: refiro-me ao fato de cristãos se reconhecerem em comunhão apenas porque, com boa vontade e com esforço, procuram ir além das divisões. Em outras palavras, as diversas igrejas e comunidades eclesiais não se consideram realidades isoladas e distintas, estranhas umas às outras por causa das divisões só porque o amor vai além das diferenças. Isto, ainda que válido e importante por causa do amor fraterno, é insuficiente.
Se os cristãos se reconhecem em comunhão, é antes de tudo porque já estão! É muito mais importante o que os une! O que a caridade pode fazer e faz é atualizar, vivificar e fortalecer o que já são!
É uma perspectiva ao mesmo tempo ontológica e profética. Baseia-se no que somos e antecipa o que seremos!
João Paulo II em Genebra ao Conselho Mundial de Igrejas em 1984 afirmou: “Eis aqui o que nos impulsiona a renovar os vínculos de comunhão. Trata-se de aceitarmos ser aquilo que somos! Nossas divisões contrastam com a unidade já existente e são, por isso mesmo, muito mais escandalosas!” A mesma convicção caracteriza também o pensamento de Paulo VI quando escreve ao Patriarca ecumênico Atenágoras: “Temos de chegar a levar à sua plenitude e perfeição, a comunhão tão rica que já existe entre nós!”
4. Não eclesiocentrismo, mas Cristocentrismo.
Nenhuma Igreja é o centro de convergência!
A referência ao Mistério de Cristo é a maneira correta de apreciar a comunhão existente entre as Igrejas: quanto mais nos aproximarmos de Cristo, mais perto estaremos uns dos outros!
A atividade e o espírito ecumênicos, portanto, devem estar baseados no encontro, no diálogo, e na convergência em direção ao Cristo. As nossas diferenças não nos levem a frisar a divisão, mas sirvam para nos enriquecer! Para concluir diria: nem divisão, nem uniformidade, mas unidade trinitária!
5. Para não se decepcionar
João XXIII, no seu sonho de criança, desejava o Concílio Vaticano II para que, entre as outras finalidades, pudesse realizar a unidade das Igrejas cristãs. O caminho mostrou-se mais árduo e longo do que se podia imaginar. Para não se decepcionar declarou: “Deus não nos pede que realizemos a unidade, mas que por ela oremos, trabalhemos, soframos e estejamos dispostos a dar a vida!”
É o que estamos fazendo em ocasião da Semana de Oração pela Unidade dos cristãos, este ano com o lema: “Unidos na tua mão!” (Ez 37,17) quase a nos dizer que basta abandonar-nos na mão de Deus para que ele nos faça sentir irmãos no aconchego de sua mão. Ela completou o seu 100° aniversário no ano passado, coincidentemente com a celebração do centenário do nascimento de Dom Helder.
São dele os pensamentos que coloco, à guisa de conclusão, a esta simples reflexão, na esperança que seus sonhos se tornem os sonhos de todos os cristãos.
As fraquezas da Igreja
Pensas, então…
Que as fraquezas da Igreja
Levarão o Cristo a abandoná-la?
Quanto mais
Nossa fragilidade humana
Atingir a Igreja – que é nossa e d’Ele mais –
Ele a sustentará com seu apóio
Com seu carinho.
Abandonar a Igreja
Seria o mesmo que abandonar
Seu próprio corpo…
Esperança
Esperança sem risco
Não é esperança.
Esperança é crer
Na aventura do amor,
Jogar nos homens,
Pular no escuro,
Confiando em Deus.
Unidade
Diante do colar belo como um sonho
admirei, sobretudo, o fio que unia as pedras
e se imolava anônimo para que todos fossem um!
