A Igreja Católica está celebrando o “Ano Sacerdotal”, ao comemorar os 150 anos da morte do Cura d’Ars. O sacerdócio é uma instituição; na sua face vétero-testamentária, existe como expressão limitada da relação humano-divina. Na verdade, sacerdócio, em plenitude, é o de Jesus Cristo que é, por excelência, o sacerdote exemplar. Esse é o ensinamento da Carta aos Hebreus: “O sacerdócio levítico não representa a perfeição. (…) Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus.” (Hb 7,11.26) Em suma, Cristo é o “sumo sacerdote eminente”. Na Antiga Aliança, houve sacerdotes que encarnaram o sacerdócio levítico, como Aarão; na Nova Aliança, os primeiros a participarem do sacerdócio de Cristo foram os apóstolos.
Na linha do tempo, o sacerdócio foi e é conferido a miríades de sacerdotes, mediante a imposição das mãos e a oração consecratória, ao receberem o Sacramento da Ordem, e nisso é muito rica a história da Igreja. São João Maria Vianney foi um desses sacerdotes, “tomado do meio do povo” (Hb 5,1), que encarnou o sacerdócio de Cristo, em grau elevado da perfeição humana, não obstante as limitações de natureza intelectual, identificadas no período de sua formação no Seminário. Ao propô-lo aos sacerdotes como seu Padroeiro ou Patrono, os Papas tinham presente a figura de alguém que viveu o sacerdócio de forma exemplar. Por isso, após sua Beatificação, o Papa Pio X o declarou “padroeiro dos sacerdotes da França.” Depois de sua Canonização, o Papa Pio XI tornou-o “padroeiro de todos os párocos do universo”. Ao instituir o Ano Sacerdotal, o Papa Bento XVI o declarou “Patrono de todos os sacerdotes do mundo”. Na verdade, cada sacerdote pode se ver no Cura d’Ars: aquele que cultiva sua espiritualidade, no exercício do seu pastoreio cotidiano, aquele que está empenhado no trabalho da pesquisa e do magistério e aquele que vive a experiência da contemplação eremita ou monacal. Essa é a percepção do Papa Bento XVI: “todos os sacerdotes do mundo” podem encontrar sua identificação com o Cura d’Ars, enquanto estão trilhando os caminhos da fidelidade, conforme o tema do Ano Sacerdotal: “Fidelidade de Cristo. Fidelidade do Sacerdote”.
Com efeito, a nota mais destacada da identificação de Cristo Sacerdote é a fidelidade ao plano de Deus e à sua missão. Da mesma forma, a fidelidade deve ser o traço mais evidenciado na ação ministerial de cada sacerdote. E, de fato, está sendo. O Cardeal Cláudio Hummes, Prefeito da Congregação para o Clero, testemunha que “na sua maioria, os sacerdotes são pessoas muito dignas, dedicadas ao ministério, homens de oração e de caridade pastoral, que investem toda sua vida na realização de sua vocação e missão, às vezes com grandes sacrifícios pessoais, mas sempre com amor autêntico a Jesus Cristo, à Igreja e ao povo”.
No momento, o olhar da Igreja, através de seus canais de investigação, segundo suas normas disciplinares, e as atenções da sociedade, através dos meios de comunicação, deparam-se com casos de infidelidade sacerdotal, no passado e no presente, com o agravante da prática da pedofilia. A Igreja os vê, com tristeza e vergonha, reconhecendo que um “percentual muito pequeno do clero” está envolvido nessa prática pecaminosa e criminosa. Tem consciência do dano causado às vítimas cujas marcas são muito profundas na sua personalidade. Em relação aos pedófilos a Igreja age, disciplinar e pastoralmente, movida pela caridade e pela justiça. Em razão da natureza de pecado e de crime dos seus atos, os sacerdotes pedófilos respondem “perante Deus e os tribunais”. A compreensão de sua situação e a adoção de medidas disciplinares e terapêuticas não dispensam, todavia, o seu encaminhamento ao foro civil, como atestam os documentos da Igreja, a exemplo do “De delictis gravioribus, de 2001, que regulamenta o Motu Proprio Sacramentum Sanctitatis tutela, do Papa João Paulo II que, para evitar qualquer local encobrimento destes delitos, atribui a necessária competência à Congregação para a Doutrina da Fé”. Na mesma direção, foi divulgado, no dia 12 de abril, um documento do Papa Bento XVI, com as orientações mais recentes: “a Santa Sé pede que os casos de padres pedófilos sejam denunciados ‘sempre’ à autoridade civil e que, nos casos mais graves, o papa pode reduzir os religiosos diretamente ao estado laical – sem a necessidade de um julgamento canônico.” A Santa Sé esclarece que “não se trata de um novo guia, mas da revisão de um documento redigido em 2003 e que foi publicado hoje ‘em nome da absoluta transparência’ pregada pelo papa.” Em relação às vítimas da pedofilia e suas famílias, a palavra e a ação da Igreja têm a linguagem do pedido de perdão, da misericórdia, caridade e justiça. “Vocês sofreram dolorosamente e peço perdão. Sei que nada pode apagar o mal que suportaram. A confiança de vocês foi traída e vossa dignidade, violada”, escreve o Papa Bento XVI.
A sociedade acompanha a crônica desses fatos pelas lentes da mídia nacional e internacional que, em grande escala, não distingue a pessoa do sacerdote pedófilo da própria Igreja. Não é difícil perceber que a grande maioria dos seus meios de comunicação, intencionalmente, induz a população a ver a pedofilia como um mal da Igreja Católica e não como um grave desvio de conduta de alguns de seus membros.
Os fiéis, que conhecem seus sacerdotes, nas suas comunidades, devem sustentá-los com suas orações e seu apoio solidário. Que o sacerdócio de Cristo seja sempre o farol que ilumine os sacerdotes, no desempenho de suas sagradas funções ministeriais!
