Não é com brigas por camisinhas que se consegue converter adúlteros e proteger inocentes

O tema desse texto era outro. Era para ser um sermão sobre a função da autoridade na Igreja: Autoridade a Serviço da Unidade. No meio do caminho, os pensamentos tomaram outro rumo e me deixaram incomodado com a possibilidade de uma terceira ruptura na Igreja por questões parecidas com os problemas dos ortodoxos e dos protestantes. Surgiram idéias que não cabem num sermão.

O Bispo é o princípio e o fundamento visível da unidade em sua diocese, chamado a promover e defender a integridade da fé e a disciplina comum da Igreja, ensinando os fieis a amar.  Assim falou o Papa. Essa missão de autoridade a serviço existe em todas as estruturas da Igreja, compete também ao Papa na Igreja inteira e ao Pároco na Paróquia.

No mundo de hoje o Papa não consegue manter a unidade na Igreja, nem o bispo na diocese, nem o padre na paróquia. Acontece que a qualidade de uma instituição não depende só dos dirigentes, mas de todos os participantes. Não são as estruturas que formam as pessoas. São as pessoas que fazem a comunidade.

Todas as instituições são questionadas.  Muitos católicos queriam uma Igreja apenas espiritual, sem hierarquia e burocracia, sem estruturas paroquiais, diocesanas e mundiais, sem organização centralizada no Vaticano, e sem obediência. Podem alegar a profecia de Jeremias: Ninguém mais precisará ensinar seu irmão. (Jr 31,34)

Será que a Igreja de hoje é o que Jesus queria? Se você é cristão e acha que nem tudo na Igreja corresponde à vontade de Deus, nas estruturas e nas pessoas, por que não faz a sua parte para melhorar, em vez de reclamar e protestar?

Jesus não determinou os pormenores da organização e da ação dos seus discípulos para levar a sua mensagem ao mundo inteiro. Confiou na criatividade deles.  Conhecedor da  natureza humana, sabia que uma instituição de milhões de pessoas precisa de organização e de autoridade. Deu a Pedro a incumbência de dirigir a Igreja e confirmar os irmãos na fé.

Na igreja católica, o Papa é o princípio e fundamento visível da unidade, mas a sua autoridade não teve força suficiente para superar as divergências e sustentar a unidade dos cristãos por vinte séculos.  E hoje, tem?  E amanhã, será que terá?

No começo do segundo milênio surgiu a primeira grande divisão, entre católicos e ortodoxos, divisão por questões de autoridade na Igreja. Houve briga por poder. No Ocidente, a defesa da autoridade do sucessor de Pedro em Roma foi importante para manter a unidade dos católicos. No Oriente, os ortodoxos criaram patriarcados autônomos.

Quinhentos anos depois surgiu outra divisão. Lutero protestou contra a autoridade do Papa, enfraquecida por escândalos e abusos de poder. Calvino exigiu mudanças. Reformadores não queriam nenhuma autoridade além da Bíblia. O resultado da livre interpretação da Bíblia só podia dar no que deu: cristãos cada vez mais divididos em igrejas e igrejinhas inventadas por pregadores capazes de atrair e convencer.

Na prática, pastores das novas igrejas também se revestem de autoridade.  Surgem até “bispos” nomeados por outros que se nomearam a si mesmos. Igrejas evangélicas ignoram que receberam o Antigo Testamento da Autoridade de Jerusalém, e o NT da Autoridade de Roma.

O movimento ecumênico não oferece para este século nenhuma esperança de reunir numa só Igreja todos os cristãos dispersos em milhares de grupos e grupinhos. O que podemos tentar é unir as forças dos cristãos em torno da construção de um mundo melhor, em vez de perder tempo com brigas por adeptos e prestígio.  Por outro lado, como pode a igreja católica contribuir para a unidade dos cristãos, se os católicos vivem divididos e perdem tempo e força com briguinhas mesquinhas?

Quinhentos anos depois da reforma protestante surgem novas sementes de discórdia na Igreja. Crescem desavenças entre conservadores e renovadores, todos querendo dizer ao Papa para onde deve conduzir a Igreja.

Tradicionalistas querem que o Papa retire as excomunhões de quatro bispos que contestam textos do Concílio, mas passe a excluir da Igreja grupos militantes da esquerda e teólogos que apresentam teorias consideradas avançadas.

Setores progressistas criticam o Papa pela retirada da excomunhão dos bispos mais tradicionalistas , mas rechaçam qualquer advertência do Papa contra desvios doutrinais da teologia liberal.

Dizem alguns que a crise atual na Igreja foi provocada pelas mudanças trazidas pelo Concílio e pela falta de firmeza de Roma contra abusos na teologia e na prática. Outros ficam atribuindo a culpa ao Papa com sua intransigência em apresentar a doutrina tradicional e as exigências morais das leis da Igreja.

Diante da firmeza do Papa na dedicação à sua missão na Igreja e no mundo, inimigos procuram achar nos seus discursos coisas que possam criticar. Apresentações e interpretações tendenciosas da palavra do Papa conseguem fazer a cabeça de muitos, até mesmo de católicos incomodados com as exigências das pregações de Bento XVI.

Na América Latina temos uma debandada de católicos para outras igrejas. Coisa pior acontece na Europa, o abandono silencioso ou a saída barulhenta de cristãos de tudo que é igreja. Muitos alegam que não podem aceitar os ensinamentos da Igreja que consideram incompatíveis com a ciência e a mentalidade do mundo de hoje.

O fato é que o Papa não está conseguindo manter a Igreja unida no mundo, nem o Bispo na Diocese, nem o Pároco na Paróquia. A situação seria melhor, se todos os bispos e padres seguissem o exemplo do Papa na dedicação integral ao Povo de Deus.

Mas a Igreja não é o Papa. O bispo não é a diocese. O pároco não é a paróquia. Quem faz a Igreja é o Povo de Deus.  São os diocesanos que fazem a diocese. São os paroquianos que fazem a paróquia. O Papa disse que os bispos devem preocupar-se com amor de pais e de irmãos pelas condições esprirituais, intelectuais e materiais dos padres e devem ter caridade e prudência ao corrigir ensinamentos e comportamentos que não condizem com a condição sacerdotal e podem confundir e danificar a fé e a vida cristã dos fieis.

Tal advertência vale também para padres em relação aos paroquianos que devem ser instruídos a evitar comportamentos incompatíveis com sua condição de cristãos.  Assim como o Papa, também os bispos e os padres não podem dizer apenas coisas que todos gostem de ouvir. Prega a Palavra, quer agrade, quer desagrade, nos diz o apóstolo Paulo.

A Igreja tem a riqueza de sua tradição de quase vinte séculos. Por outro lado, carrega o peso de quase dois mil anos de pecados e desacertos.  Os inimigos gostam de jogar essa carga pesada na sua cara e espalhar aos quatro ventos, muitas vezes com exageros difíceis de medir.

Fazem questão de ignorar a contribuição da Igreja para o progresso da humanidade. Chegam a dizer que os cristãos teriam trazido ao mundo mais prejuízo que ajuda. Parecem viralatas que ficam revirando latas de lixo da historia, procurando coisas que possam servir de propaganda contra a Igreja e minar a força da sua mensagem.   Os ensinamentos da Igreja carregam outro peso da tradição, o peso de complicações acrescentadas à simplicidade do Evangelho de Jesus que resumiu toda lei no amor a Deus e ao próximo.

A Igreja tem muita dificuldade em revogar qualquer proibição acrescentada em quase vinte séculos aos dez mandamentos de Deus, e os jovens de hoje não querem obedecer sem entender as razões. Certas leis que a Igreja formulou no passado se baseiam em argumentos complicados de escribas e doutores da lei, algo parecido com as leis dos teólogos e moralistas que Jesus enfrentou naquele tempo.

Muitos criticam o Papa por sua insistência em apresentar o ensinamento tradicional da Igreja.  No entanto, a dificuldade em aceitar algum pormenor de tantos discursos não devia levar ninguém a jogar fora a mensagem inteira. Não devia servir de pretexto para abandonar a Igreja fundada por Jesus. Não se deve jogar fora a criança junto com a água suja da bacia.

Por outro lado, nem todos os pormenores de tantos documentos produzidos em Roma precisam ser lembrados para sempre. Para que desgastar inutilmente a imagem da Igreja com coisinhas como camisinhas? Outras proibições mantidas pela Igreja com muita insistência por muito tempo foram abandonadas depois. Por exemplo, na questão dos juros que a Igreja proibiu por séculos, contribuindo com isso para a prosperidade de bancos na mão de judeus.

Hoje, a Igreja não questiona nem o tamanho absurdo dos juros que transferem tanto dinheiro de pobres ao bolso de ricos. Pessoalmente, faz 15 anos que venho protestando contra a injustiça de tantos juros que emperram o desenvolvimento do país. Até que enfim o Governo diz que vai tomar medidas para mudar e obrigar os bancos estatais a cumprir a sua missão principal, que não é de oferecer lucros fabulosos aos acionistas.  Mas os donos do dinheiro e do poder vão fazer de tudo para preservar seus juros reais, a diferença entre juros e inflação,  e para manter elevado o spread, a distância entre os juros que pagam e os juros que recebem. Quanto ao dinheiro que os bancos emprestam sem ter, o juro inteiro é lucro.

Sobre a problemática da camisinha, já fiz um artigo: O pecado não está na camisinha. O pecado está no adultério. O problema é que a camisinha vem facilitando a proliferação do adultério e da promiscuidade que causam tantos estragos nas famílias de hoje e de amanhã. No entanto, será que um adultério com camisinha é pior que um adultério sem camisinha?

Pode conferir no meu BLOG:  www.domcristiano.com.br.

O argumento daqueles que acusam a Igreja de ser culpada pela disseminação da AIDS e de outras pragas se baseia na suposição que adúlteros se disponham a obedecer a preceitos secundários de Roma. Será que um jovem que não obedece ao sexto mandamento da lei de Deus e vai a prostíbulos ou moteis procurando prazeres com profissionais do sexo ou com sua namorada de ocasião, vai deixar de usar camisinha porque o Papa diz que não deve?

Os promotores dos preservativos teem razões para estar contrariados com o Papa que denuncia um problema que outros procuram esconder:  A camisinha não garante proteção. Pesquisadores falam de uma possibilidade de falhas de 1% a 10%. Ter 90% ou 99% de proteção é melhor que ter nenhuma, mas esconder a possibilidade de falhas é falta de responsabilidade. Iludir o povo com promessas de sexo seguro é propaganda enganosa.

Será que o número de aidéticos que se contaminaram por confiar na proteção de uma camisinha que na hora falhou ou não estava aí, é menor que o número de contaminados por não usar preservativos para obedecer a proibições da Igreja?  Será que um homem casado que trai a esposa vai deixar de usar preservativo para atender a um preceito secundário da Igreja?  Mas a luta contra camisinhas não vai converter adúlteros e proteger apaixonados ingênuos.

Tenho uma questão bastante séria para legalistas eclesiásticos preocupados com pormenores acrescentados aos mandamentos de Deus:     Se um homem comete adultério, não será melhor que use preservativo para diminuir a probabilidade de contaminação para ele e para sua família?

Na realidade, o que incomoda tanta gente é que a Igreja indica um caminho mais seguro:  Obedecer ao sexto mandamento.  Substituir a promiscuidade pela fidelidade. Construir uma grande história de amor, em vez de ficar a perder-se em prazeres efêmeros.  Ainda bem que pelo menos o Papa tem a coragem de apresentar aos jovens o ideal de um caminho melhor. O mundo está correndo o perigo de perder uma das maiores conquistas do cristianismo, a família construída sobre o fundamento do amor fiel entre um homem e uma mulher. Qualquer cristão devia participar na construção da integridade da família.

Voltando ao tema do serviço da autoridade: No plano diocesano e paroquial, os problemas são mais de ordem prática, na falta de disponibilidade e atendimento respeitoso.   O mesmo bispo e o mesmo pároco por alguns são criticados por deixar o barco correr e por outros são acusados de fazer imposições.

Problemas especiais aparecem na hora de mudança de pároco. Fica evidente que o bispo não pode agradar a todos. Paróquias querem o padre que acham melhor. Padres querem a paróquia que acham melhor. Já ouvi alguém dizer que vai deixar de participar, se tal padre for mudado. Outros dizem que vão cair fora, se o mesmo continuar como pároco.

Na Austria, católicos abandonaram a Igreja quando o Papa nomeou um bispo de linha dura que tinha dito que certos desastres eram castigos de Deus pelos pecados da cidade. Tal mentalidade existe no AT, e na cabeça de muitos, mas tente imaginar como seria nossa vida, se Deus viesse logo castigar ou premiar. Deixar a Igreja por causa de uma bobagem dita por um bispo ou padre seria outra bobagem.  Se falei bobagens, não vá perder sua fé por isso!

Dom Cristiano Jakob Krapf

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