Numa roda de bar, um homem dizia aos amigos:

– Emprestei quinhentos reais a uma pessoa e não tenho testemunhas. Estou com medo que, se eu cobrar, ele negue o empréstimo. O que posso fazer?

Os amigos ficaram penalizados e pensativos. Até que um deles teve uma idéia brilhante e disse: – Amigo, convida esta pessoa para vir aqui conosco e, na presença de todos, diga que você lhe emprestou dois mil reais.

– Mas como posso fazer isso? Seria uma mentira! – respondeu o interessado.

Retrucou o outro: – É isso mesmo que o seu devedor vai dizer: que você está mentindo e que ele lhe deve apenas quinhentos reais e não dois mil. Todos vão ouvir isto! Não era de testemunhas que você precisava?  Para isso vai ter todos nós!

No domingo da Ascensão de Jesus ao céu, o Senhor nos manda sermos testemunhas dele, a começar por Jerusalém, em toda a Judéia, na Samaria, e até aos confins da terra. Testemunha é alguém que viu, ouviu, assistiu ou participou de algum acontecimento. Não pode esconder o que presenciou. Talvez possa interpretá-lo, mas ficar calado seria omitir-se de uma responsabilidade com a verdade e a justiça.  Claro, pode sempre jurar que não viu nada, não ouviu nada, que não tinha e não tem nada a ver com tudo aquilo. Por medo, covardia, ou para não sermos incomodados podemos sempre passar por bobos, cegos e surdos. Acontece.

Os dois homens “vestidos de branco” dizem aos apóstolos que eles não podem ficar ali parados olhando para o céu, devem voltar para a cidade. Ser testemunha de Cristo Senhor, vivo e ressuscitado, é a missão de todo batizado e, justamente, o deve ser “na cidade”, lá onde cada um mora, na vida prática do dia a dia. Não somente na teoria ou nas boas intenções. Também testemunhamos aos outros, não podemos fazê-lo sozinhos e isolados. “Na cidade” vivemos perto uns dos outros; pouco escapa e pouco dá para esconder. Li num painel fora de uma casa, numa ponte: “De agora em diante vou cuidar somente da minha saúde, porque da minha vida cuidam os outros”.

Com toda essa aproximação por que é tão difícil sermos testemunhas? Em primeiro lugar, talvez, é porque, apesar de todos os sacramentos recebidos, ainda não experimentamos profundamente a presença de Deus em nossa vida. Não falo de lágrimas, alegrias ou emoções passageiras. Falo mesmo de uma presença luminosa que, como um farol na escuridão do mar da vida, oriente para o porto seguro as nossas escolhas, decisões, os valores sinceros que motivam o nosso amar e lutar.

Muitos batizados não saberiam mesmo o que testemunhar, infelizmente. O que viram e ouviram de Jesus faz parte das lembranças da sua infância, talvez da juventude. Tudo o que aprenderam ficou congelado no tempo, na linguagem, no sentido, na imaginação. As pessoas cresceram, cada uma pegou o seu rumo na vida, mas Jesus não as acompanhou, ficou fora das suas existências. Talvez não na teoria e nas afirmações verbais sobre a própria fé,  ficou fora de fato. Nas grandes e importantes decisões não estava e não está presente. Jesus ficou mesmo no passado, não no cotidiano. O que deviam testemunhar e viver – a sua fé – ficou esquecida, sem atualidade, sem valor, fora mesmo das suas vidas. Raramente a fé, o mandamento do amor, a oração, foram luzes nas horas importantes da vida. Adulto não brinca mais com os brinquedos de criança. Nós crescemos e temos consciência e responsabilidade de adultos, porém a fé ficou para trás, frágil, dependente, como um bebê. Com uma bagagem cristã tão reduzida é difícil ir para a cidade, entrar na disputa da vida, no meio de tantos clamores e ter a coragem de confrontar-se com tantos ídolos poderosos e fascinantes. Dá para desanimar. É o que muitos fazem; não abertamente. Preferem ficar calados, passar por cegos e mudos, como se nunca tivessem ouvido falar de Jesus e nunca o tivessem conhecido por perto.

Devia ser o contrário. Ir para a cidade para testemunhar Jesus e o seu evangelho, para viver a novidade do Reino, é o sinal que acreditamos que ainda temos muito para anunciar e promover.  Temos algo para dizer, e se nós ficarmos calados e omissos, ninguém mais vai afirmar e defender, bem ali, naquele lugar da cidade. Papel de testemunha é falar sobre o que viu e ouviu. Jesus nos envia para essa missão. Os outros podem acreditar ou não, no entanto as testemunhas verdadeiras não podem desistir. Precisamos de testemunhas adultas na fé, corajosas, convencidas, capazes de comunicar e de serem entendidas no que dizem.

Será que precisamos nós também recorrer a algum truque para encontrarmos essas testemunhas? Acredito que não. Nada de truques ou mentiras. Bastaria ter a coragem de dizer e defender sempre a verdade custe o que custar.

Dom Pedro José Conti

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