A castidade celibatária

Amar é o sentido da vida do ser humano: amar-se, amar os outros e amar a Deus sobre todas as coisas. Amar como Jesus amou. Ele veio da comunhão com o Pai para concretizar para nós, no tempo, uma comunhão que é resposta aos anseios mais profundos de nosso ser, plenitude de vida. A castidade celibatária é sinal do reino, como nos ensinou Jesus quando afirmou: “há eunucos que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus” (Mt 19,12). Também o matrimônio, assumido no seu sentido pleno, é revelador do reino, encontro de Deus com a humanidade, em Cristo. Mas a castidade celibatária o é de um modo especial, sinal escatológico, porque anuncia o destino final da história – inclusive o sentido transcendente do matrimônio -, uma vez que a ressurreição inaugurará a fase definitiva do reino quando “todos serão como anjos de Deus”, não havendo mais casamento “(Cf Mt 22,23-30).

Se o amor é que dá sentido à existência, é ele quem dá sentido ao casar-se e ao não se casar. A condição celibatária é uma forma especial de seguimento de Jesus que se entregou para fazer surgir diante dele, cheia de beleza, sua Igreja. Será um caminho de vida. A vida está na comunhão. O aspecto de renúncia da vida celibatária não pode cobrir de sombra seu sentido de vida, pois seria negar promessa de Jesus de dar cem vezes mais a quem o seguisse deixando tudo (Cf. Mc 10,28-30). A castidade celibatária é sinal do reino, opção de vida, um ideal de ser e um caminho de realização.

É comum afirmar-se que o religioso, por não viver a experiência do casamento, não entende de sexo, como se entender de sexo fosse fruto da “prática sexual”. Quem não aprendeu a conter-se  – a continência é parte da virtude da castidade -, não é senhor de seus impulsos e dificilmente compreenderá a sexualidade como apelo à comunhão e como expressão de amor. A continência faz ir às raízes afetivas dos desejos, às raízes do impulso a buscar na experiência do prazer a fugaz satisfação de viver. Ao resistir aos apelos de suas carências, o ser humano aprende a encontrar respostas verdadeiras para suas dificuldades, crescendo como pessoa.  O celibatário sabe, por se abster de buscar no sexo a resposta para sua necessidade de comunicação, o que está na raiz da busca desenfreada do prazer. Sabe ainda, por experiência vivida, mesmo em meio a dificuldades, que na comunhão profunda – vivida em todas as dimensões – é que está a vida. Por isso sabe que, sem o cultivo de um amor sincero, sem uma comunhão em processo permanente de crescimento, a vida sexual dos casais morre no vazio.

A castidade do(a) religioso(a) dá-lhe condição de ajudar os casais a viverem castamente seu matrimônio. É no amor verdadeiro que os casados devem viver sua vida íntima. Por amor se unem no mais íntimo dos abraços e, por amor, devem se conter sexualmente quando necessário. Quando o casamento é pensado e vivido no horizonte da busca de satisfação erótico-sexual, como o é em nossa cultura hedonista, ele perde consistência e dignidade para se transformar em expressão de um vazio jamais resolvido. Faz os parceiros infelizes e acaba gerando filhos sem lar. Multiplicam-se as separações e se sucedem indefinida e inutilmente as uniões. Chega-se ao ponto de se querer transformar em casamento as uniões homossexuais.

Este é o contexto em que os cristãos são chamados a testemunhar o verdadeiro amor. Os religiosos, celibatários pelo reino, são testemunhas especiais desse amor e os fieis leigos olham para eles e deles recebem a certeza de que o matrimônio é muito mais que uma experiência fugaz de envolvimento, é uma experiência profunda de encontro de pessoas, cujo modelo e fonte, é o próprio Cristo que se entrega pela sua Igreja. A continência sexual é parte da castidade, sua matéria. Sua alma é o amor. A pessoa casta, ao se conter, encontra formas superiores de comunicação. Desce às suas raízes e se torna capaz de oferecer o que tem de melhor.

O amor verdadeiro se alimenta e se fortalece pela vida casta, também no matrimônio. A experiência erótico-sexual é uma experiência intensíssima de comunicação que termina no vazio quando as pessoas não têm uma experiência profunda de si que dê conteúdo ao encontro amoroso. É uma voz linda que não consegue ser palavra, diálogo, falta-lhe conteúdo, é vazia de sentido.  O vazio que se buscou preencher volta a ocupar o espaço da consciência, emergindo como culpa. A sensação é de ter investido errado. Multiplicam-se assim as formas de procurar prazer na tentativa desesperada de dar solução ao desejo que não se extingue. Agostinho de Hipona que o diga. Como lhe foi difícil a ruptura com os esquemas cerebrais instalados e como lhe ficou forte a percepção da concupiscência como desvio do desejo! Em Cristo podemos reorientar nosso desejo.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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