A Diocese de Cachoeiro de Itapemirim acaba de definir, no dia 26 de outubro, em Assembléia Pastoral, que a Sagrada Escritura será o centro de tudo o que se diz e se faz na Igreja nos próximos três anos. Alguns questionaram se essa opção não seria redundante, uma vez que a Igreja já brota da Palavra de Deus, se fundamenta nela e, ao mesmo tempo, foi quem forjou, pela ação do Espírito Santo, a Escritura dessa Palavra, por meio da Tradição, que lhe deu autoridade para definir a lista de quais livros são, de fato, inspirados por Deus.
Mas na prática, o resultado da pesquisa Futura, encomendada pela Diocese em preparação para essa Assembléia, apontou essas constatações, segundo a interpretação dos cerca de 140 participantes do evento: o preocupante percentual de católicos distantes da Igreja se deve a uma sua grande falha na formação catequética (e portanto, bíblica); e uma das principais causas da transferência de católicos para outras denominações cristãs é justamente que eles acabam lá se deparando mais intensamente com a Bíblia – daí dizerem que “agora, sim, conheceram Jesus”, pois como dizia São Jerônimo, “desconhecer a Escritura é desconhecer Cristo”.
É bom deixar claro que esse déficit é pedagógico e não de conteúdo. Explico: se o aluno não aprende como deve, isso não significa que não haja livros na escola, mas sim que uma série de fatores acabou dificultando ao aluno a motivação para desfrutar deles. Quem diz que não encontra a Bíblia na Igreja Católica ou está caluniando ou anda muito desatento. A Missa, por exemplo, é uma grande declamação pública e ritualística da Palavra de Deus, da primeira à última fala do sacerdote: do “em nome do Pai…” (Mt 28,19), passando pela saudação inicial (cf. 2Cor 13,13), o ato penitencial (cf. Mc 10,48), o hino do Glória (cf. Lc 2,14), toda a liturgia da Palavra, a oração eucarística (cf. Lc 22,19-20), o rito da comunhão (cf. Mt 8,8), até às antífonas, hinos litúrgicos etc.
O ex-pastor protestante estadunidense Scott Hahn conta, no livro O Banquete do Cordeiro; a missa segundo um convertido (Ed. Loyola), como ficou admirado ao ir a uma missa, por curiosidade, pela primeira vez na vida, para fins de pesquisa teológica, e constatou: “a Bíblia não estava só ao meu lado. Estava diante de mim – nas palavras da missa! Um versículo era de Isaías, outro dos Salmos, outro de Paulo. A experiência foi prodigiosa” (p. 22). O calvinista acabou se convertendo ao catolicismo depois desse forte impacto. Se o esforço da liderança católica conseguir pelo menos banir de vez essa caricatura preconceituosa de que “catolicismo e Bíblia não têm nada a ver”, já terá obtido sucesso.
O consenso da Assembléia Diocesana de Cachoeiro pela centralidade da Palavra de Deus aconteceu exatamente no dia em que todo o povo católico meditava, na liturgia, sobre Mt 22,34-40, em que um fariseu questiona Jesus sobre qual seria o maior mandamento da Lei, isto é, o que seria realmente essencial e indispensável na vida espiritual. E Jesus responde citando um versículo do Antigo Testamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento” (v. 37; Dt 6,5). Jesus gosta de fazer sínteses, de ir ao cerne das questões. Ele sempre aponta para o que é mais fundamental: “Buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo mais vos será dado em acréscimo” (Mt 6,33). É isso que Ele está mostrando à Diocese de Cachoeiro: concentra-te no que é essencial para ti, investe no que é mais próprio teu, aplica-te no que não te pode faltar, e o mais será decorrência; debruça-te sobre a minha Palavra e “ela não voltará para mim sem produzir seu resultado, sem fazer aquilo que planejei, sem cumprir com sucesso a sua missão” (Is 55,11).
Parabéns, Igreja do sul do Estado do Espírito Santo! Você acertou em cheio, deixou-se levar pelo Espírito Santo, captou a vontade de Deus. Agora, resta-lhe ser fiel a essa inspiração, “sem se afastar nem para a direita nem para a esquerda” (Dt 17,11).
