Paulo apóstolo foi um homem apaixonado por Jesus Cristo. Mais que isso, ele procurou identificar-se totalmente com Jesus. Tornou-se uma pessoa cristificada, como se diz em Teologia, ou, numa outra linguagem, incorporou a pessoa de Jesus Cristo. Segundo suas próprias palavras: “Com Cristo eu fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,19-20). “Eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). “Para mim, de fato, o viver é Cristo” (Fl 1,21). A partir da queda no caminho de Damasco, ele ficou fascinado. E o desejo de transmitir essa experiência a outras pessoas tornou-se uma obsessão em sua vida. Graças a essa mística, o apóstolo pode vencer barreiras e superar obstáculos, na sua missão de levar o Evangelho a toda criatura.

O contexto, de fato, não era favorável. Era preciso desbravar, abrir fronteiras e ser criativo. Decisão, coragem e ousadia não faltaram a Paulo, conforme lembra: “Fiz inúmeras viagens, com perigos de rios, perigos de ladrões, perigos da parte de meus compatriotas, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos em regiões desertas, perigos no mar, perigos por parte de falsos irmãos; trabalhos e fadigas, inúmeras vigílias, fome e sede, freqüentes jejuns, frio e nudez” (2 Cor 11,26-27).

Entrar na outra cultura foi a estratégia adotada. Chama-se inculturação, este processo de adaptar-se a costumes e vivências diferentes. Pode-se falar também de transculturalidade ou interculturalidade. É um processo mais horizontal, de entrar em diálogo com a pessoa diferente, a ponto de igualar-se a ela, para proporcionar-lhe algo melhor. Paulo foi hábil nessa arte. Seu princípio é: “Livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível” (1 Cor 9,19). E explicita: “Com os judeus, me fiz judeu… com os súditos da Lei, me fiz súdito da Lei… com os sem-lei, me fiz um sem-lei… com os fracos me fiz fraco… para todos eu me fiz tudo… por causa do Evangelho eu faço tudo” (1 Cor 9,20-24).

Paulo sofreu várias influências culturais. Da família hebraica, disciplinada e legalista. Da sinagoga, que o introduziu no judaísmo da diáspora. Da cidade natal, Tarso, capital agitada e cosmopolita. Da escola de Gamaliel, famosa em Jerusalém, por sua moderação e abertura na interpretação da lei. Do partido fariseu, que acreditava na providência, nos anjos e na ressurreição. Da filosofia estóica, que pregava o domínio das emoções, a universalidade e a igualdade das pessoas. Das religiões mistéricas, com seus cultos emocionantes e suas ofertas de salvação. De Jesus Cristo, influência decisiva, que processou a unidade de todos esses elementos na rica personalidade do apóstolo.

Paulo adaptou o Cristianismo da matriz cultural judaica para a helenista. Jesus, de fato, foi um judeu. Sua religião se baseava nas práticas judaicas. A nova crença foi, em última análise, uma reforma do Judaísmo. Quem a lançou para o mundo grego, foi Paulo. Graças a ele, a nova religião ganhou fundamentação teórica, argumentos retóricos e roupagem filosófica. Não só! Paulo inclui no processo de salvação os helenistas, conhecidos como gentios ou pagãos. E ainda mais! Aboliu a discriminação étnica, ao afirmar que, em Jesus Cristo, “Não há mais judeu ou grego” (Gl 3,28).

Paulo deslocou o Cristianismo da Ásia para a Europa. Talvez a religião de Jesus ficasse presa a Jerusalém, confinada nos limites da herança geográfica do Judaísmo. Mas não! Paulo mudou o mapa do Cristianismo. Foi memorável aquela noite em que sonhou com um Macedônio a suplicar: “Vem para a Macedônia e ajuda-nos” (At 16,9). Foi o sinal para tomar o navio e fazer a travessia. Com esse gesto, o Cristianismo entrava na Europa. De cidade em cidade, expandiu-se até chegar ao coração do Império, a capital Roma, e, daí, espalhou-se pelo mundo inteiro.

Paulo transportou o Cristianismo da roça para a cidade. Jesus é um camponês do interior da Galiléia, enquanto Paulo vem de um grande centro urbano. A linguagem do Mestre é rural, com histórias de sementes e colheitas, redes e peixes, flores e pássaros, enquanto Paulo traz metáforas do corpo humano, do estádio, da construção e do trabalho. Jesus anda pelas aldeias próximas e não ultrapassa os limites de sua terra, ao passo que Paulo viaja sem parar, como missionário incansável, na busca dos últimos limites do mundo habitado.

Paulo ultrapassou a família patriarcal romana pelas comunidades cristãs. O campo de atuação do apóstolo foi o Império Romano, que reunia sob um só domínio territórios, povos, sociedades, línguas, costumes e culturas os mais diversos. A família, no entanto, chefiada pelo pater familias, era uma instituição básica. Paulo fundou igrejas justamente nas casas de família, e aí instituiu lideranças maternas. Golpeou o machismo ao afirmar que: “Não há mais… homem ou mulher” (Gl 3,28). Detonou ainda mais fatalmente com os privilégios masculinos da tradição judaica, quando declarou: “Ser ou não ser circuncidado não tem importância alguma” (1 Cor 7,19).

Paulo superou a sociedade romana escravagista pela liberdade em Cristo. O Império Romano era estruturado sobre o sistema escravagista. Poucas pessoas livres usufruíam do trabalho da maioria escrava. Isso, com a fundamentação filosófica, segundo a qual Deus criou algumas pessoas para a liberdade, outras para a escravidão. O resultado, evidentemente, era uma sociedade estruturalmente assimétrica, com desigualdades em todos os níveis. Ao assumir a profissão de fabricante de tendas, Paulo faz sua opção pessoal pela classe escrava, pois pessoas livres não trabalhavam. Ele, no entanto, faz questão de afirmar: “Esgotamo-nos no trabalho manual” (1 Cor 4,12). Além disso, Paulo experimentou o cerceamento da liberdade, ao sofrer várias prisões, açoites e torturas. E propõe, pessoalmente, a Filêmon, receber Onésimo, “não mais como escravo, mas muito mais do que isto, como irmão querido” (Fm 16). E crava, com toda a clareza, “Não há mais… escravo ou livre” (Gl 3,28). E a quem quisesse voltar à escravidão da Lei, pela circuncisão, declara: “É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).

Paulo superou os limites culturais. Graças à sua opção radical pela pessoa de Jesus Cristo, rompeu não só os limites geográficos, mas também os culturais, de línguas, costumes e mentalidades diferentes. Conseguiu ser, ao mesmo tempo, rabino judeu e apóstolo dos helenistas, cidadão romano e missionário cristão, pregador convincente e escritor exímio, trabalhador incansável e místico profundo. Nada era impossível, para quem se propusera a fazer tudo pelo Evangelho.

Valmor da Silva
Professor na graduação em Teologia e na
Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás

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