Cultura da paz e do medo

O modo de ser, pensar, falar e agir, na verdade, reflete e gera a cultura atual que vai se alargando, de forma acelerada, e se tornando dominante; a midia e, de maneira especial, a Internet ocupam um lugar destacado na caracterização dessa cultura, dada a versatilidade de seus meios e o caráter virtual de sua ação. Por isso, se incorporou ao linguajar social e pastoral a expressão “Cultura da paz”, em razão de um processo de mentalização que, pouco a pouco, vai levando as pessoas e as instituições da sociedade a se verem como construtoras da paz. Todavia, a Campanha da Fraternidade deste ano – Fraternidade e Segurança Pública – chama a atenção para outra realidade – o medo – que também está fazendo parte da vida das pessoas e da sociedade e produzindo a “Cultura do medo”. A Cultura da paz, positivamente, cria envolvimento, solidariedade e parceria, mediante iniciativas criativas e inovadoras. Por sua vez, a Cultura do medo leva a pessoa, família e grupo social a adotarem atitudes peculiares de comportamento. Uma delas é a atitude de retraimento, isolamento, segregação. Hoje, é muito comum as pessoas não saírem de casa, especialmente, à noite ou procurarem companhia, ao caminharem nas ruas; os trabalhos pastorais em nossas comunidades e o ensino noturno são termômetros desse comportamento; as famílias confinam-se em condomínios (os que podem!), considerados seguros, muito embora também tenham se tornado alvo da violência.

Obviamente, as consequências são muito diferentes quando os indivíduos e os cidadãos agem, sob o estímulo da Cultura da paz, visando uma transformação social, ou quando, tangidos pelo medo, se defendem, como podem, diante de perigos que estão ao seu redor. A CF 2009 mostra que o medo, quando tem “Origem natural”, é fator inerente à “preservação da vida humana, pois ele sempre se manifesta diante das situações de perigo aparente ou real e deixa a pessoa em estado de alerta, acionando os seus recursos defensivos e ofensivos.” Nesse sentido, tudo que é ameaça à vida causa medo – animais ferozes, calamidades, doenças, etc. Não é este tipo de medo que contribui para o surgimento da Cultura do medo. A etiologia dessa Cultura tem uma “Origem sócio-cultural”. Entre os muitos fatores que geram a Cultura do medo estão os “problemas de ordem econômica, como a fome, a miséria, a falta de moradia, o desemprego; (…) criminalidade, tráfico e uso de entorpecentes, tráfico humano, guerras, transgressões no trânsito, mau uso da terra, abusos do Estado e ações abusivas da mídia”.

Na leitura de estudiosos dos fenômenos sociais e na constatação do povo, o medo que tem “Origem sócio-cultural” é alimentador de violência social: “Em determinados casos, pode acontecer que instintos levem a comportamentos irracionais, o medo instintivo pode superar a ação da razão e levar o ser humano a agir de forma violenta.” As diversas manifestações de agressão à dignidade da vida e à sadia convivência social desencadeiam um processo de insegurança coletiva e, consequentemente, contribuem para a institucionalização da violência; isso se verifica, muitas vezes, na cidade, por uma questão banal, como um problema no trânsito, e no campo, por uma situação de maior gravidade, como os conflitos pela posse da terra. Outro fator que está muito presente na origem da Cultura do medo na família e na sociedade, por ser reconhecidamente destruidor da vida e da dignidade humana, é o tráfico de entorpecentes, por sua disseminação iníqua, e o consumo de drogas, causando grandes males, em razão da dependência química.

Embora a Cultura do medo se sedimente na mente das pessoas, é necessário que a sociedade toque o coração dos cidadãos, em vista da Cultura da paz.

Dom Genival Saraiva de França

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