Não é exclusividade do ocidente, mas é muito acentuada a presença da religião, como tal, e, em particular, do cristianismo na vida cultural do povo. Isso é claramente visível no continente latino-americano. No Brasil, ao olharmos, por exemplo, a realidade do Nordeste, essa constatação salta aos olhos, de imediato. A história da região registra esse fato, com uma nota muito constante e generalizada.
Muitas expressões culturais que estão muito presentes na história do Nordeste têm raízes nitidamente religiosas. As festas populares evidenciam isso, de maneira especial, no calendário junino; mas esse fenômeno também está presente em outros momentos do ano civil e litúrgico, como período quaresmal, pascal, natalino e festas de padroeiro. Esse dado revela que a prática religiosa, uma realidade que se situa no plano da fé, se tornou um fator de alimentação da vida do povo, em aspectos ligados ao seu cotidiano ou a momentos festivos, felizes, tristes, preocupantes e esperançosos de sua existência.
Na verdade, esse é um fato histórico entre nós. Por exemplo, em outros continentes, no passado, as carpideiras, “uma profissão feminina”, choravam, mediante pagamento, “para o defunto alheio, sem nenhum sentimento, grau de parentesco ou amizade.” Entre nós, as mulheres cantavam as “incelenças”, movidas pela fé: “Alma bendita/por quem está esperando/por uma incelença/que nós tamos cantando. (…) Oh! Meu Pai eu vou prô céu/um anjo vai me levando/do mundo vou me esquecendo/ meus pecados vou lembrando/e na presença de Deus/eu vou agora chegando.”. Dessa maneira, diante da tristeza causada pela morte, encontramos, na melodia triste e na letra marcada pelo sentimento doloroso, a gratuidade da solidariedade religiosa por parte de pessoas que não estavam ligadas, necessariamente, à família. Por outro lado, basta nos fixarmos no período junino, identificamos a alegria, com uma variedade de expressões religiosas e culturais, começando pela memória dos Santos da devoção popular – Santo Antônio, São João Batista e São Pedro. Com devoção e esperança, o povo canta: “Ai São João, São João do Carneirinho/Você é tão bonzinho/Fale com São José, fale lá com São José/Peça Pra ele me ajudar/Peça pra meu milho dá 20 espiga em cada pé.”
Nesse sentido, muitos elementos da cultura popular têm um substrato religioso. Reconhecidamente, há um esforço de manutenção, pela via cultural, de práticas que, no passado, eram vividas como expressão de fé; sem dúvida, há um valor nesse trabalho de preservação de traços culturais que revelam a índole religiosa do povo. Nesse sentido, o Documento de Aparecida, escrito pelos Bispos Latino-americanos, em maio de 2007, fala da “fé já presente na religiosidade popular.” Em sua ação pastoral, a Igreja redescobre o valor da religiosidade popular ainda muito forte na vida das comunidades, realidade que se manifesta de muitas maneiras, muito embora a sua alimentação não seja fácil, diante das marcas da modernidade e da secularização. Todavia, apesar dessas forças contrárias, há aspectos da religiosidade popular, como romarias, procissões, caminhadas penitenciais e outras linguagens que revelam a vivência religiosa que está contida nesses e em muitos outros atos de fé individual e coletiva.
Diante dessa realidade, o Documento de Aparecida afirma: “… é necessário cuidar do tesouro da religiosidade popular de nossos povos”. A Igreja faz isso em sua catequese e liturgia, mas também mediante outras formas de realizar sua missão de anunciar o Reino de Deus.
